Ritual do Bilibeu celebra a cultura e a resistência do povo Akroá Gamella, do Maranhão

O ritual aconteceu entre os dias 23 de abril e 1º de maio, no Território Taquaritiua, com a presença dos povos Krenjê, Ka’apor e Tremembé da Raposa e de Engenho

POR JESICA CARVALHO, ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI REGIONAL MARANHÃO

Os pés que demarcam o território também contam a história de um povo que resiste e luta para manter a sua cultura e identidade vivas. Entre os dias 23 de abril e 1º de maio, os indígenas Akroá Gamella, do Maranhão, celebraram o ritual do Bilibeu, encantado cultuado no território Taquaritiua, na Baixada Maranhense (MA).

O ritual é uma homenagem a Bilibeu, que segundo a história, foi encontrado durante a queima de uma lavoura no território dos Akroá Gamella. A Bilibeu, são atribuídos diversos milagres de cura e também a fertilidade das mulheres. “O ritual de Bilibeu acontece desde tempos imemoriais. No ritual, Bilibeu morre e renasce. Na vida, os Akroá Gamella resistem [renascem todos os dias] ao racismo que deforma seus corpos”, esclarece o povo Akroá Gamella.

“O ritual de Bilibeu acontece desde tempos imemoriais. No ritual, Bilibeu morre e renasce. Na vida, os Akroá Gamella resistem ao racismo que deforma seus corpos”

As festividades de Bilibeu, que aconteciam durante o Carnaval, foram transferidas para o mês de abril como forma de fazer memória da resistência do povo Akroá Gamella ao massacre sofrido em 2017, incitado por ruralistas e outros atores da região, que deixou mais de 20 feridos, sendo que dois tiveram as mãos decepadas.

“O dia 30 marca a data em que o povo Akroá Gamella sofreu um ataque orquestrado por uma diversidade de sujeitos como políticos, igreja protestante e fazendeiros numa chamada mobilização pela paz, que resultou, na verdade, em um massacre. Desde então, o encerramento do Bilibeu tornou-se um dia de luta e resistência do povo para a continuidade da vida”, explica Meire Diniz, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão.

“O encerramento do Bilibeu tornou-se um dia de luta e resistência do povo para a continuidade da vida”

No dia do Bilibeu, ápice do ritual, o povo Akroá Gamella percorre todas as aldeias do território Taquaritiua, em uma corrida que dura aproximadamente 12 horas. Neste ano, o trajeto teve início por volta das 5 horas da manhã, no pátio da aldeia Cajueiro Piraí, e foi finalizado após às 17h no mesmo ponto de encontro.

A corrida dos cachorros de Bilibeu é assim chamada devido os corredores pintarem os seus corpos e marcharem pelas aldeias em busca das caças, como galinhas, patos, porcos e outros tipos oferecidos à entidade. A marcha é conduzida pelos indígenas Akroá Gamella que representam a onça, o gato maracajá e o cachorro mestre.

“O sentido disso é fortalecer os guerreiros e as guerreiras, pois as mulheres também participam desse ritual de resistência do ser Akroá Gamella. No momento em que eles passam pelas diversas aldeias, vão demarcando o território com os seus pés”, destaca Hemerson Pereira, missionário do Cimi Regional Maranhão.

“O sentido disso é fortalecer os guerreiros e as guerreiras, pois as mulheres também participam desse ritual de resistência do ser Akroá Gamella”

De acordo com Meire Diniz, a corrida dos cachorros de Bilibeu também representa um rito de passagem para as crianças Akroá Gamella.

“Os cachorrinhos de Bilibeu nessa caminhada correram, pegaram as caças, deceparam e mostraram a capacidade de fazer o ritual e de percorrer todos os quilômetros onde tem oferta para o Bilibeu, desse modo, solidificando a passagem, tornando-se jovens adultos. Esse é um espaço de formação em que a própria cultura disponibiliza os elementos necessários para que o povo sempre renasça como ser Akroá gamella”, acrescenta.

Após a corrida, foi realizado um momento de corrida e cantorias ao som dos maracás para Bilibeu e João Piraí. À noite, a sentinela na casinha de reza representou, simbolicamente, o adoecimento, a morte e a ressurreição de Bilibeu. O ritual foi finalizado em 1º de maio com a derrubada do mastro.

 

Outras atividades do ritual

Em 23 de abril, o povo Akroá Gamella deu início ao ritual de Bilibeu com a busca do mastro na aldeia Tabarelzinho, de onde foi levado até a aldeia Cajueiro Piraí. Já no dia 24, os Akroá Gamella levantaram a casa para Bilibeu.

Seguindo as atividades, no dia 25 de abril, ocorreu o momento de preparação do mastro com uma ornamentação feita de frutas bebidas. Em seguida, foi realizado o levantamento do mastro no centro do pátio na aldeia Cajueiro Piraí e uma caminhada com a imagem de Bilibeu e rituais de pajelança.

Dando sequência ao ritual, no dia 26 de abril, aconteceram os momentos de rezas e cantorias dos povos presentes no ritual: Krenjê, Ka’apor e Tremembé da Raposa e de Engenho. Em 27 de abril, o ritual seguiu com a retirada e preparação das toras para a corrida de homens e mulheres, que ocorreu no dia 28 de abril. A corrida das toras teve o seu percurso da aldeia Taquaritiua até o centro do pátio na aldeia Cajueiro Piraí.

Nesse mesmo dia, ao final da manhã, a equipe do Cimi Regional Maranhão participou de uma roda de conversa, momento em que foi o povo Akroá Gamella fez uma cantoria em sua língua materna retomada no processo de intercâmbio linguístico e cultural com os povos Krenjê e Krikati. Durante a roda de conversa, foi discutido, ainda, o fortalecimento da organização social do povo, com a construção do pátio.

Na ocasião, a assessoria jurídica do Cimi Regional Maranhão tratou sobre o processo de resistência do povo à instalação dos linhões de uma de uma empresa de energia elétrica do Maranhão no território Taquaritiua.

Segundo Clara de Assis, assessora jurídica do Cimi Regional Maranhão, nesta parte do processo a empresa tem o prazo de 20 dias para elaborar um estudo sobre a rota alternativa para a passagem da linha de transmissão de energia, assim como um levantamento por imagens da região, como forma de viabilizar que o povo Akroá Gamella destaque as áreas sagradas sobre as quais haveria oposição em relação à passagem da linha de transmissão.

“A empresa tem o prazo de 20 dias para elaborar um estudo sobre a rota alternativa para a passagem da linha de transmissão de energia”

“A comunidade indígena Akroá Gamella se posicionou no sentido de que não é contrária ao empreendimento, mas que aponta a necessidade de ser consultada, conforme dispõe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho [OIT]”, aponta Clara de Assis.

 

Lançamento do alfabeto ilustrado

Por fim, no penúltimo dia de ritual, a equipe do Cimi Regional Maranhão percorreu o Território Taquaritiua em um momento de conversa com as lideranças Akroá Gamella das aldeias Nova Vila, Centro do Antero e Taquaritiua sobre o cotidiano, as lutas no território e o ritual do Bilibeu.

À tarde, os povos presentes no território Taquaritiua realizaram um ritual com cantorias no pátio da aldeia Cajueiro Piraí para o lançamento do livro “Alfabeto Ilustrado”. Após o ritual, o povo Akroá Gamella fez a memória da retomada do território, do massacre de abril de 2017 e da sua resistência.

Em seguida, a equipe do Cimi Regional Maranhão lançou o livro, destacando o processo de construção dessa obra advinda do intercâmbio linguístico entre os Akroá Gamella, Krenjê e Krikati, iniciado em meados de 2019. De acordo com Meire Diniz, o livro é uma sistematização dos quatro anos de intercâmbio, produzido a partir dos textos e desenhos dos povos envolvidos no projeto.

“Esse material vai contribuir com os dois povos no processo de reaprender e despertar o uso da língua materna. É um produto muito importante para o fortalecimento linguístico e cultural desses povos”, destaca.

No dia do Bilibeu, o povo Akroá Gamella percorre todas as aldeias do território Taquaritiua, em uma corrida que dura aproximadamente 12 horas – a “corrida dos cachorros de Bilibeu”. Foto: Cruupyhre Akroá Gamella

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