Um ano após assassinato de Bruno e Dom, a luta no Vale do Javari ainda é por sobrevivência

O indigenista e o jornalista foram assassinados, em 5 de junho, durante uma viagem a trabalho pelo Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do Brasil, ainda hoje vitimada pela violência. Governo Lula instala grupo de trabalho para proteção e segurança da TI

Por Redação RBA

Quase um ano após os brutais assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, ainda há luta pela sobrevivênca no Vale do Javari. As comunidades indígenas e ribeirinhas seguem lutando em meio à pobreza. E à violência na terra deflagrada por conflitos entre a população originária, pescadores ilegais, garimpeiros e narcotraficantes. É o que mostra reportagem da agência de notícias estadunidense Associated Press, que percorreu a região onde Bruno e Dom foram vítimas de uma emboscada, em 5 de junho de 2022.

Os dois haviam partido da comunidade São Rafael em uma viagem de duas horas, rumo a Atalaia do Norte, na região, onde não chegaram. Exonerado da Funai no governo de Jair Bolsonaro, por incomodar criminosos, Bruno seguiu trabalhando. Por meio de uma ONG, continuou buscando o diálogo e alternativas para a sustentabiliade das atividades de pesca, altamente predatórias e de impactos para o meio ambiente e as comunidades indígenas na segunda maior TI do Brasil. Enquanto o jornalista, colaborador do veículo britânico The Guardian, escrevia um livro sobre ameaças ao meio ambiente, também incomodava muita gente.

A trajetória em defesa dos direitos humanos, porém, foi interrompida. Ambos foram baleados por pescadores ilegais, que queimaram, desmembraram e enterraram seus corpos em uma cova rasa de rio.

Luta interrompida

Cerca de 48 horas antes do crime, Bruno e Dom estavam na comunidade Ladário, na fronteira com a TI do Vale do Javari, onde foram recebidos por um homem conhecido como Caboclo. Na ocasião, ele afirma ter dito a Bruno que “até o final do mês, colheria 700 cachos de bananas”. E ouviu do indigenista, que buscava dialogar contra as invasões, que ele iria a “Brasília e voltaria com uma solução” para que Caboclo vendesse as bananas. O crime brutal também impediu que Bruno fortalecesse outras formas de subsistência das comunidades locais.

E Caboclo, que sustenta cinco filhos, até hoje não encontrou um novo mercado para sua safra. Em vez disso, de acordo com a reportagem, a Polícia Federal o acusou de participar de pesca ilegal e o levou para uma prisão controlada por gangues criminosas. Ele passou 124 dias na prisão sem julgamento. O que, segundo seu advogado, Mozarth Bessa Neto, ultrapassou o limite legal de 81 dias. A prisão também é injusta, destaca a defesa. Caboclo admite que já pescou de forma ilegal no passado, mas que há anos havia deixado de pescar.

Para pagar o advogado, a sogra do agricultor teve que vender a casa. E ele agora mora na cidade de Benjamin Constant, cinco horas de distância da plantação de banana e mandioca que garantia o sustento da família. Em prisão domiciliar, Caboclo também só pode sair de casa durante quatro horas por dia. E a família, de 10 pessoas, sobrevive desde então com uma renda de R$ 240, obtida por meio de um benefício federal.

Pobreza e violência

Em Rio acima, na comunidade de São Gabriel, a agência de notícias também encontrou Maria de Fátima da Costa, de 60 anos, mãe de Amarildo da Costa de Oliveira, o pescador que confessou os assassinatos e está em uma prisão de segurança máxima. Maria de Fátima diz concordar com a prisão de Amarildo, conhecido como “Pelado”. Mas chora ao contar que seu outro filho, Oseney da Costa de Oliveira, também indiciado pelo duplo homicídio, é inocente.

“Tenho certeza de que ele é inocente. E a casa dele está abandonada, a família dele está abandonada, tudo está caindo aos pedaços”, disse ela. Oseney tem quatro filhos, que moram com a esposa em Atalaia do Norte.

Em São Gabriel, conforme detalha a reportagem, não há eletricidade nem encanamento. Sem acesso à internet, a comunidade conta com um telefone público, que estava fora de serviço na passagem do veículo. A única ajuda do governo vem da prefeitura, que faz a distribuição de alimentos na época das cheias, quando o peixe escasseia e não há lavouras. Atalaia do Norte, a maior comunidade da região, tem o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, que leva em conta o acesso à educação, saúde e qualidade de vida.

Proteção da TI do Vale do Javari

Um ano após os assassinatos, o sonho de Bruno Pereira, de que as comunidades locais elevassem seu padrão de vida por meio de atividades legais, permanece uma realidade distante.

Nesta sexta (2), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou uma resolução no Diário Oficial da União regulamentando um comitê interministerial para proteção territorial e de segurança da Terra Indígena Vale do Javari. O grupo de trabalho será composto por 10 pastas do Executivo, a Funai, o Ibama, a Defensoria Pública da União, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

“Compete ao Grupo de Trabalho propor medidas concretas para ações de entidades estatais e da sociedade civil organizada, voltadas para a segurança territorial e da população indígena local, norteadas no viés preventivo de atuação, bem como voltadas para a repressão a crimes de natureza diversa, cometidos no interior das terras indígenas objeto do GT”, destacou a ministra do Povos Indígenas, Sônia Guajajara.

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