Nota em Defesa da Competência da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde nas Ações de Saneamento nos Territórios Indígenas

Abrasco

A Medida Provisória n. 1.154, aprovada em 1 de junho de 2023 pelos membros do Congresso Nacional, na Seção III, Artigo 20, alínea VII, traz como área de competência do Ministério das Cidades o “planejamento, coordenação, execução, monitoramento, supervisão e avaliação das ações referentes ao saneamento e às edificações nos territórios indígenas, observadas as competências do Ministério dos Povos Indígenas”.

A ABRASCO manifesta sua preocupação frente a tal atribuição ao Ministério das Cidades, visto que se sobrepõe às competências da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde, legalmente garantidas pela Lei n. 9.836/1999, que criou o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS), e pela Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI).

O SASI-SUS é uma conquista do movimento indígena que, referendado pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lutou (e continua lutando) pelo direito de uma atenção diferenciada à saúde e pela plena participação dos povos indígenas no planejamento, implantação e funcionamento dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), devendo sempre ser consultados previamente sobre qualquer política e/ou ações, projetos, programas, entre outros, que os possam afetar. O SASI-SUS deve adotar um modelo para a atenção à saúde pautado por uma abordagem diferenciada e global, considerando as realidades locais e as especificidades socioculturais dos povos indígenas. Nesse modelo, saúde, ambiente e território são indissociáveis.

A SESAI é a instância responsável pela condução da PNASPI e pela gestão do SASI-SUS, organizando de modo integrado as ações e serviços de saúde e de saneamento indígena nos 34 DSEIs existentes em todo o país. Os Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN) e os Agentes Indígenas de Saúde (AIS) desempenham um papel fundamental nas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), no âmbito da SESAI, atuando como trabalhadoras/es da saúde indígena e, ao mesmo tempo, sendo membros da comunidade.

O conflito gerado pela sobreposição de competências entre a SESAI e o Ministério das Cidades fragilizará a atenção à saúde indígena, violando ainda o direito de participação e de consulta prévia aos povos indígenas, bem como o direito humano de acesso à água e ao saneamento, conforme Resolução da Assembleia Geral da ONU A/RES/64/292, de julho de 2010, em que o Brasil é um dos signatários.

A ABRASCO se solidariza com os manifestos contrários à alínea VII do Artigo 20, Seção III da Medida Provisória n. 1.154/2023, em especial a Nota Técnica n. 55/2023 do Departamento de Projetos e Determinantes Ambientais da Saúde Indígena (DEAMB) da SESAI e o Ofício n. 37/2023 do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, juntando-se à recomendação ao Presidente da República que vete essa atribuição para o Ministério das Cidades.

Rio de Janeiro, 14 de junho de 2023.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA – ABRASCO

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