Estudante do Quilombo Rio dos Macacos é selecionada para curso de capacitação em direitos humanos na ONU

Jovem é a única quilombola nordestina selecionada para processo de capacitação que conta com indígenas e quilombolas de língua portuguesa.

Por João Souza, g1 BA

A estudante Franciele Silva, de 24 anos, moradora da comunidade quilombola Rio dos Macacos, que fica na cidade de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, foi uma das dez selecionadas para o curso de capacitação em direitos humanos, promovido pelo Programa de Alto Comissariado das Organizações das Nações Unidas (ONU).

A jovem é a única quilombola nordestina selecionada para o processo de capacitação que conta com indígenas e quilombolas de língua portuguesa.

“Venho de uma comunidade que sofre diversos tipos de violências sucessivamente. Sou filha de uma mãe fortemente ameaçada. As violações de direitos humanos que sofremos em nossa comunidade é cotidiano, são anos de tortura, ameaças, retaliações e faltas de políticas públicas”, disse a estudante.

Franciele Silva embarcou para Genebra, na Suíça, no dia 24 de junho, e ficará no país até 22 de julho. Ela cursa o 5° semestre de Direito na Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Tanto meu ingresso na universidade quanto a inscrição neste curso se deu devido à luta pelo meu território”.

A jovem baiana contou que recebeu a notícia do programa em uma rede social e viu a oportunidade de aperfeiçoamento e conhecimento sobre os mecanismos de direitos humanos na ONU. Com isso, a ideia é poder ajudar a comunidade que pertence e inúmeras outras.

Este é a primeira vez que o programa é incluso a língua portuguesa e quilombolas. Foram selecionados três quilombolas e 44 indígenas.

“Temos uma grande missão de dar visibilidade ao nosso povo. Temos diversos movimentos negros no Brasil, mas, ainda assim, não abrange as comunidades quilombolas, visto que somos ainda mais vulneráveis”, apontou Franciele Silva.

A estudante ressaltou que as comunidades quilombolas precisam de ajuda em vários aspectos e conseguir esse apoio da ONU é ter uma grande missão de transformar isso.

“As comunidades quilombolas precisam de políticas públicas específicas”, disse a jovem.

Além de Franciele Silva, também foram selecionados Arilson Jesus, representante da comunidade quilombola Vila Miloca, do Rio Grande do Sul, e a Juliene Pereira, da comunidade quilombola de Oriximiná, do Pará.

“Assim que recebi a notícia de aprovação fiquei impactada, foi uma enorme emoção, pois apenas 10 bolsistas no Brasil foram selecionados. Tenho um grande compromisso com a minha comunidade de conseguir aprender ao máximo e repassar para os demais, além disso dar visibilidade a luta do meu território”.

Quilombo x Marinha

O Quilombo Rio dos Macacos fica na região onde foi construída a Base Naval de Aratu, em 1970. Na época, a União pediu a desocupação da área pelos quilombolas, que não saíram do local. Desde então, a comunidade diz que a entrada no quilombo é controlada pela Marinha.

Em 2009 os moradores do local pediram uma intervenção do Ministério Público Federal (MPF) para provar que eles são remanescentes de escravizados e, portanto, tinham o direito de posse das terras.

Só em julho de 2012, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) classificou a terra do Rio dos Macacos como uma área quilombola. Um relatório técnico foi emitido constatando que a comunidade era centenária e estava no local antes da chegada da Marinha.

Apesar disso, a Marinha entrou com processo judicial e pediu a desocupação do quilombo dias depois do relatório e classificação do Incra.

O pedido foi acatado pela Justiça, que determinou que 46 famílias quilombolas saíssem do local sob pena de retirada compulsória. No mesmo período, a União fez uma proposta para que o Quilombo Rio dos Macacos mudasse de lugar, o que não foi para frente. Na época, o então ministro da Defesa, José Genoíno, disse que “O Brasil não vai abrir mão da Base Naval de Aratu”.

Em 2014, o Incra fez a delimitação das terras dos quilombolas, mas somente três anos após emitir o relatório técnico de que a comunidade era centenária, o instituto reconheceu que a área ocupada era um quilombo. Em 2020, a titulação das terras foi assinada.

Apesar da assinatura, os moradores do local seguem relatando situações referentes a violência e falta de políticas públicas no local. A carta entregue pela liderança é finalizada com “pedimos socorro”.

Neste ano, a moradora e liderança da comunidade, Rosimeire dos Santos, entregou um documento nas mãos do presidente Lula, que abordava a situação do quilombo, durante o lançamento da Lei Paulo Gustavo, em Salvador.

Foram destacadas situações como saneamento básico, estradas, moradias, educação, iluminação pública, água encanada e, principalmente, violência.

Estudante do Quilombo Rio dos Macacos é selecionada para curso da ONU — Foto: Arquivo Pessoal

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