Fortes tempestades de poeiras tóxicas em cidades históricas mineiras e o alerta global da ONU. Por Alenice Baeta*

A tempestade de areia é um fenômeno natural causado pelo transporte de partículas de solo e rocha em suspensão no ar. Elas são provocadas por condicionantes naturais, em localidades de todo o planeta com climas mais áridos, em áreas desertificadas, como também em regiões onde tem ocorrido o aumento do desmatamento e de áreas degradadas em geral.

No dia 13 de julho de 2023, cidades históricas mineiras, como Mariana, Congonhas, Itabirito e adjacências, situadas na porção central do estado, foram tomadas por tempestades de poeira tóxica avermelhada, que alteraram as suas paisagens, preocupando seus moradores. Vários vídeos foram divulgados nas redes sociais por pessoas aflitas e assustadas com aquelas nuvens de poeira devastadoras, que escureceram parcialmente os céus em pleno dia.

Em Congonhas, segundo artigo da Itatiaia publicado no mesmo dia “a prefeitura municipal solicitou a paralisação das atividades das mineradoras até a normalização das condições climáticas no estado”. O líder comunitário Sandoval de Souza ainda informou que moradores de Congonhas estariam lutando para impedir a ampliação da área de mineração na cidade, informando que cerca de 40% da área verde da mesma já teria sido desmatada, mas que mineradoras ainda estariam solicitando ampliação da sua área de trabalho. Importante lembrar que o centro histórico de Congonhas possui o acervo colonial do Santuário Bom Jesus de Matosinhos, reconhecido como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1985, entre eles, 12 profetas em pedra-sabão. Não é de agora que se discute que a poeira do minério também tem causado danos às obras de arte componentes do Santuário, como apontado em matéria publicada pelo jornal Estado de Minas em 2017. Anos antes, em 2012, em publicação da G1, pesquisadores do Iphan da área de restauração já alertavam em entrevista sobre os danos causados pela poeira oriunda das atividades da mineração na região, tendo concluído que a poeira da mineração ajuda a acelerar o processo de deterioração das estátuas dos profetas. “As partículas vêm batendo nas pedras, isso microscopicamente vem degradando as peças trazendo um processo de alteração ,até mesmo as formas e a composição das peças”, alertou R. Arrelaro, técnico do Iphan em Minas Gerais. Segundo pesquisa desenvolvida em 2013 na UFOP por P. Andrade sobre os impactos ambientais no centro histórico de Congonhas: “A atividade mineradora é uma das principais responsáveis pela geração de material particulado (poeira) que, associado às vias naturais e antropogênicas, atinge o centro urbano do município e tem causado transtornos à população e ao meio ambiente. Diante dos parâmetros estudados, relevo, fontes emissoras e regime de ventos da região, nota-se a ausência de uma gestão que controle a dispersão da poeira na cidade de Congonhas” (2013: 7).

No município de Mariana, em Bento Rodrigues, primeira localidade assolada pela tragédia crime em 2015 com o rompimento da Barragem de Fundão, moradores filmaram e divulgaram nas redes sociais a tempestade de poeira vermelha indicando que a mesma estaria sendo trazida de localidades onde se situam a mina Fábrica Nova e a barragem Santarém. Na Serra da Moeda, no município de Itabirito, já dentro do perímetro do Colar Metropolitano da capital mineira, a tempestade de poeira foi também registrada e denunciada.

Os alertas globais com relação à necessidade e responsabilidade do cumprimento dos Acordos Climáticos são muitos desde os últimos anos.  Justamente no dia anterior à estas tempestades de poeira vermelha que assolaram as cidades mineiras, a sua população e o seu patrimônio histórico e cultural, no 12 de julho de 2023, a ONU indica como o “Dia Internacional de Combate a Tempestades de Areia e Poeira”. Conforme publicação recente no site das Nações Unidas (ONU NEWS), as tempestades de areia e poeira são um elemento essencial dos ciclos bioquímicos naturais da Terra, mas também são motivados por ações humanas, incluindo a mudança climática e o gerenciamento insustentável do uso da água. As tempestades de poeira “causam ainda doenças respiratórias, desordens coronárias, irritações na pele e nos olhos e podem disseminar outras enfermidades como a meningite. 

Uma das preocupações da ONU é com o setor de produção agrícola que pode ser impactado pelas tempestades de areia e poeira causando um processo de desertificação, além de escassez alimentar e hídrica. Indica que pelo menos 25% das emissões de poeira parte de atividades humanas. Tais tempestades provocam ainda a poluição do ar e a mudança climática, podendo ocorrer em todos os países, mas é nas nações em desenvolvimento, onde as ameaças são maiores. Conclui que o fenômeno é uma grande barreira ao alcance do desenvolvimento econômico e sustentável e em suas dimensões sociais e ambientais.

Neste ano, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (PICC) em conformidade com o Acordo Climático de Paris, trouxe à tona as perdas e danos que vem sendo causados pela mudança global do clima e quais tendências devem continuar no futuro. O IPCC alertou que os desastres naturais relacionados ao clima estão atingindo especialmente as pessoas mais vulneráveis e os ecossistemas mais frágeis, como os manguezais, áreas costeiras e semidesérticas.

A solução indicada pelos especialistas é o “desenvolvimento resiliente ao clima”, que envolve medidas de adaptação às mudanças climáticas com ações para reduzir ou evitar as emissões de gases de efeito estufa de forma a proporcionar benefícios econômicos e sociais mais amplos e igualmente distribuídos.

Lamentavelmente, no Brasil e em especial em Minas Gerais, não está se vendo tais medidas, apesar do país ser signatário dos Acordos e representantes do estado participar de eventos a respeito dos compromissos climáticos no exterior, viagem esta paga pelos cidadãos, mas não há repercussão de sua aplicação, pelo contrário. O que ocorre é a priorização errática de projetos e programas que desrespeitam e que vão na contramão das normas internacionais, tais como, construções de rodovias privadas, sem nenhum estudo ambiental, a exemplo do projeto absurdo do Rodoanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte-RMBH; instalação e expansão de empreendimentos minerários em localidades que deveriam ser destinadas à conservação ambiental ou que ameaçam territórios de comunidades e povos tradicionais, além de  bens culturais, artísticos, arqueológicos e arquitetônicos (como ocorre no município do Serro, Vale do Jequitinhonha, por exemplo); implantação e expansão do agronegócio e uso de agrotóxicos.

Minas Gerais precisa adotar na prática e de forma eficaz políticas socioambientais condizentes com os parâmetros internacionais, que incluem a expansão do acesso à energia limpa, além de promover e estimular programas com baixa emissão de carbono.

*Arqueóloga e Historiadora – Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Antropologia e Arqueologia-FAFICH/UFMG; Mestre em Educação pela FAE/UFMG; Historiadora e Membro da ONG CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva).

Estátua de Profeta que faz parte do conjunto de obras de arte do Santuário Bom Jesus de  Matosinhos, em Congonhas, MG. Foto: Eugênio Morais – Jornal Hoje em Dia (2010).

Comments (1)

  1. Os nossos governantes são omissos, faltam com a responsabilidade de proteger o povo

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