Lançada primeira tradução da Constituição em idioma indígena

Apesar de já disponível em inglês e espanhol, a Constituição Cidadã de 1988 teve que esperar 35 anos até ser traduzida para nheengatu, o tupi moderno. Presidente do STF enfatiza importância para os direitos indígenas.

Deutsche Welle

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, lançou nesta quarta-feira (19/07) a primeira Constituição Federal do Brasil traduzida para uma língua indígena, o nheengatu.

A cerimônia transcorreu na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM). O nheengatu, pertencente à família do tupi-guarani e também denominado “tupi moderno”, é uma das quatro línguas cooficiais do município, considerado o mais indígena do país.

A tradução foi feita por um grupo de 15 indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós, em promoção ao marco da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) das Nações Unidas, e 35 anos após a promulgação da Constituição Cidadã.

De acordo com o último levantamento de línguas indígenas do Brasil, no contexto do Censo de 2010, as 305 etnias brasileiras mantêm vivos 274 idiomas.

Também participaram do evento a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana.

Indígenas presentes à cerimônia saudaram a publicação pioneira. Citado pela Agência Brasil, Lucas Marubo, do povo marubo, destacou que esse “momento histórico” abre um precedente para que outros povos também tenham seus direitos traduzidos.

Por sua vez, a tradutora Inory Kanamari, do povo kanamari, lembrou que é a primeira representante de sua etnia a exercer a advocacia: “Estamos num país com diversidade imensa, e não escuto nossas línguas nos espaços. A gente precisa fazer parte.”

“Constituição Cidadã reconhece direitos indígenas”

Lembrando que a Carta Magna já foi traduzida para o inglês e o espanhol, mas nunca para um idioma nativo do Brasil, no evento no Amazonas a ministra Weber afirmou que as línguas originárias “conseguiram sobreviver mesmo diante de sucessivos ataques desde o início do processo de colonização desse território, que já era casa de inúmeros povos indígenas antes de ser chamado de Brasil”.

“Por isso, preservar e valorizar a diversidade linguística brasileira é fundamental para a construção de uma sociedade plural e inclusiva”, enfatizou. Weber classificou a nova tradução como um momento histórico e “símbolo do compromisso da garantia de que todos os povos indígenas tenham acesso à Justiça e conhecimento das leis que regem o país”.

“Por meio da nossa Constituição Cidadã, indígenas tiveram seus direitos à diferença reconhecidos”, declarou a presidente do STF. “Não foi só isso: os artigos 231 e 232 reconhecem os direitos territoriais dos povos indígenas como originários e imprescindíveis para preservação de sua cultura e organização social, segundo seus usos, costumes e tradições.”

“Esses dispositivos reconhecem mais: reconhecem a proteção e o dever de proteção do Estado brasileiro, de desenvolvimento de políticas voltadas à inclusão e preservação das culturas indígenas, inclusive do direito de acesso à Justiça, e a legitimidade de comunidades e organizações indígenas a demandarem seus próprios direitos perante o Poder Judiciário.”

A fala da ministra ecoa os impactos da tese do marco temporal, em julgamento no Supremo Tribunal Federal, especialmente sobre o que se entende como “direitos originários”. Pela tese defendida por ruralistas, os povos indígenas só poderiam reivindicar territórios que estavam ocupando na data da publicação da Constituição, 5 de outubro de 1988. No momento predominam no STF os votos contrários ao marco temporal.

Língua Geral Amazônica

Rosa Weber justificou a escolha do nheengatu pela importância dele para a região amazônica: “Partiu da percepção de que essa língua historicamente permitiu a comunicação entre comunidades de distintos povos espalhados em toda a região amazônica, até a fronteira com o Peru, Colômbia e Venezuela, e chegou, segundo historiadores, a ser prevalente no Brasil, até ser perseguida e proibida.”

Denominado “Língua Geral Amazônica” e tupi moderno, o nheengatu é o único idioma ainda vivo que descende do tupi antigo, apresentando traços que o relacionam com o tupi falado na costa brasileira.

“Aprendi que o nheengatu é uma língua do tronco do tupi-guarani e legou para a língua brasileira milhares de vocábulos, o nosso sotaque nasal e com prevalência de vogais, que em conjunto com a herança de outros idiomas indígenas e dos idiomas africanos, caracteriza a nossa língua como única e uma das mais ricas do mundo”, frisou a ministra Weber.

Imagem: ‘Mundu Sa Turusu’ Waá: representante indígena exibe a primeira edição da Constituição Federal brasileira em idioma indígena – foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

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