A honra. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

Entre armadura, escudo, espada e outras ferragens e malhas, antigos soldados carregavam quase 30 quilos sobre seus corpos. Precisavam de resistência e força para empreender movimentos fatais para o inimigo. Era um tempo de honra medida pelo fio da espada em campos de carnificina. A honra pesava mais do que seu equipamento. A fuga lhe tiraria a honra, assim como uma derrota fulgurante. Mas a vitória lhe tiraria glórias. O espírito militar fez-se, assim, de honra como meio e glória como fim.

Um soldado moderno, entre farda, armas e mochila, carrega os mesmos quase 30 quilos. Também precisa de resistência e força. Não para os mesmos golpes, mas para a mesma glória. Aquela que só pode ser encontrada nos campos de batalha, sejam eles banhados de sangue escorrido de cortes de lâminas ou vazado de buracos de balas e bombas.

Mas, e quando não há um campo de batalha? Ou, pior, quando a batalha é suja? Não suja de sangue derramado com honra, mas de sangue sujo de desonra. Sangue de gente torturada em porões. Sangue que se nega que fez jorrar. Sangue criminoso. Ou o sangue que nem se vê jorrar, como o de gente deixada a morrer pela falta de medicina ou incentivada a arriscar-se à morte com mentiras de muito valor político e pouco valor humanitário. Ou ainda, a preocupação em matar ou a despreocupação em deixar morrer a gente que é sua, como Caim fardado a matar Abel. Há mortes e vitórias, mas não há glória possível nas guerras sem honra.

Na impossibilidade da glória, exalta-se a honra que resta. Não a honra verdadeira, de gente corajosa, leal e íntegra, mas a honra falsa de quem traveste de bem para todos o que é bom só para poucos. Honra estética. Honra que precisa ser exibida em símbolos e palavras porque não há fatos que a demonstrem. Honra exibida em coloridas medalhas, brasões e adereços brilhantes que não significam mais que medalhas, brasões e adereços brilhantes. Coisas vazias a preencher o vazio de honra.

Farda ou adereço militar algum é capaz de esconder a desonra do cometimento de crimes, dos mais simplórios àqueles que indignam a humanidade. Mas, ainda assim, tenta-se. Pede-se respeito à farda mesmo quando quem a usa não respeita o que a farda deveria representar. Mesmo quando quem a usa não respeita a pátria que jurou amar e defender. Porque a pátria não é a terra, mas a gente que vive na terra. Mas pessoas desonrosas, para seguir na desonra fingindo honradez, trataram de convencer a muitos de que a pátria é só a terra e que a gente da terra é o inimigo interno.

Seguem com garbo a marcha da desonra. Prestando-se a fraudes, mentiras e dissimulações. Enchem de admiração os tolos que não percebem a desonra de sua conduta e de vergonha os companheiros que usam a mesma farda, mas que não carregam em seus espíritos os mesmos valores desonrosos.

Honra não é coisa que se veste. Nem adereço que se pendura na roupa. Honra é coisa que se tem no espírito, seja o corpo fardado ou não. É coisa que se vê na atitude e não no figurino. É coisa que se perde na subserviência a um espírito baixo ou na ganância. É coisa que se tenta tirar de quem a tem com mentiras e difamações. Mas, ao contrário de joias, não é coisa que se rouba de alguém. Porque é coisa íntima. É coisa que só se perde por vontade. Por fraqueza. Por pesar bem mais que os 30 quilos que gente verdadeiramente honrada tem orgulho em suportar.

Ilustração: Mihai Cauli

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