Patriotismo. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

Pátria mãe gentil. Do pai, o desejo é de lei justa. Da mãe, de afeto. Gentileza é coisa de tratar gente feito gente e não feito coisa que se tem, dá, troca e joga fora.

Pátria mãe gentil. Que gentileza é essa tua, de lei desajustada e justiça que enxerga com olhos de elite? De amor que escolhe uns filhos teus para amar e outros para só deixar viver no desamor. No desalento de viver vida só por viver. Vida de se deixar viver pior que a vida vivida por bicho solto e muito pior que a de bicho de estimação. Porque bicho de estimação é amado enquanto pela gentalha não há estima, nem amor, nem respeito, nem dignidade.

Vida vivida só por se deixar viver enquanto for de serventia para a vida dos outros. E de fazer morrer quando a serventia acaba ou quando a vontade de viver vida digna for mais forte que a prudência de aceitar a vida como é.

Pátria mãe gentil. Cadê teu amor quando os filhos pretos são mortos de tiro, de fome e de raiva? Cadê teu amor que não escuta o choro das mães que velam seus filhos mortos por balas disparadas a esmo na guerra entre a pobreza e a ordem de manter a pobreza no seu lugar? Será que não escuta o choro porque abafado pelos aplausos de uma gente indiferente aos dramas da favela? Gente que acha que favela é lugar de bandido e bandidagem e que o lugar da polícia é lá e não cá no seu bairro chique a incomodar a sua gente branca e boa nos seus pequenos e grandes delitos.

Pátria mãe gentil. Cadê teu colo que não acolhe a gente doente, que adoece ainda mais à espera da consulta, do exame que demora para ser marcado e que é remarcado porque no dia não tinha médico ou a engenhoca de examinar quebrou? Cadê teu carinho com essa gente que espera o fim do mês, que espera encontrar um emprego que lhe dê um fiapo de dignidade, que espera e espera por uma justiça que demora e vem torta? Gente que vive a esperar porque sempre lhe falta algo para viver, exceto a esperança de que a espera um dia acabe. Mas ela só acaba quando a vida chega ao fim.

Pátria mãe gentil. Teu amor e gentileza não cabem no desfile de gente armada exibindo, feito robôs, carros e coisas de matar gente – De matar a sua gente. Não cabe no teu desfile de independência o respeito a essa gente que trabalha, sofre e morre para que essa outra gente que, vez ou outra, ensaia tirar de todos a liberdade, possa posar de honrada e valente.

Pátria mãe gentil. Que fará com os filhos deste solo que não têm direito ao solo em que trabalham, e nem ao que, no solo, plantam ou põem a pastar? Será que só lhes caberá o naco de cova em que os aterrarão feito lixo? Feito as coisas podres e imprestáveis que escondemos no solo da pátria que dizemos amar, mas que poluímos e desmatamos sem respeito nem dó.

Ipiranga, se às tuas margens o grito de independência fosse dos filhos desta pátria, talvez tuas águas ainda corressem a céu aberto. E, talvez, só talvez, o 7 de setembro pudesse significar mais do que apenas o dia de um desfile militar.

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone

 

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