Em audiência pública, população debate aspectos sociais, econômicos e ambientais da implantação de parques de energias renováveis na PB

Evento ocorreu na última quinta-feira (28) na Câmara Municipal de Campina Grande e contou com presença de vários órgãos e entidades

Ministério Público Federal na Paraíba

“Como é que eles, os empresários, chegam aqui e botam essas coisas, os aerogeradores, sem pedir permissão a ninguém? Antes, aqui era Sítio Sobradinho, e agora já não é mais. Agora, eles é que são os donos, e não pode ser assim. Nós temos nossos direitos. Eu não quero sair do meu lugar, porque meu lugar era muito sossegado. Um lugar para você viver a vida inteira. E agora, não tem mais como eu viver aqui. Como é que eles podem vir fazer isso e tirar a paz da gente?”. “Depois da implantação, muitos animais cismaram e fugiram daqui. Hoje em dia, dificilmente a gente escuta o canto de um passarinho. Muitos dos animais que viviam aqui, a gente não vê mais. Sumiram e eu acho que foi porque ficaram assustados com o barulho das torres”. Foi com depoimentos como esses, de dois atingidos, que começou mais uma audiência pública realizada na Câmara Municipal de Campina Grande, na última quinta-feira (28), sobre os impactos sociais, ambientais e econômicos decorrentes da implantação de parques de energias renováveis (eólica e solar) no Nordeste brasileiro.

Representando o Ministério Público Federal (MPF), estiveram presentes na audiência os procuradores da República Anderson Danillo e José Godoy, que destacaram em suas falas que o órgão não é contra a política de energias renováveis, mas que a implantação dos parques na Paraíba e em outros estados do Nordeste deve ser feita com o máximo cuidado com a qualidade de vida das comunidades e meio ambiente, preservando o estado de bem viver das populações.

“Recebemos com muita alegria o convite da Câmara dos Vereadores para participar desse debate, porque esse é um debate crucial. É importante que a sociedade tenha conhecimento do que está acontecendo no nosso território. Comunidades estão sendo desterritorializadas e com retribuições ínfimas, com valores absolutamente pequenos. Há situações de se pagar R$ 1 por hectare de terra, a família recebe R$ 12 por ano por um hectare de terra para que as empresas tenham lucros bilionários”, declarou Godoy.

“As famílias da zona rural estão sendo assediadas, estão sendo submetidas quase que sem informações a assinar contratos que são extremamente desfavoráveis a elas. Famílias sem informações, contratos altamente complexos, sem assistência da advocacia, sem assistência de nenhum órgão. Todos os níveis de governo estão permitindo essa situação. O homem do campo tem perdido suas áreas, que produzem alimentos saudáveis para fornecer para a nossa sociedade. A riqueza gerada com as eólicas e solares não está ficando na Paraíba, está indo embora”, lamentou o procurador da República José Godoy, que também mencionou as recomendações já expedidas pelo Ministério Público objetivando minimizar os impactos, especialmente em territórios quilombolas e nas áreas de assentamentos, onde a agricultura familiar é bastante presente.

Godoy, inclusive, participará do Encontro Regional Nordeste Sobre Políticas Públicas: A Terra como Espaço de Produção de Alimentos Saudáveis e de Bem Viver, na sede da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares no Estado de Alagoas (Fetag-AL), na próxima terça (3). Ele participará da mesa Debate Público: Conflitos Socioambientais e as Estratégias de Resistência para Garantia dos Direitos Territoriais – Caso das Energias Eólicas.

Benefícios para empresas – Já o procurador da República Anderson Danillo trouxe à tona elementos técnicos relevantes sobre o tema em discussão. Ele reforçou que não se opõe à instalação de energias renováveis em princípio, mas não concorda com a forma com que os parques vêm sendo implantados. Anderson destacou ainda que as fontes de energia não podem ser consideradas limpas, pois causam impactos ambientais (ainda que menores que outras formas de produção de energia) que, de acordo com o direito ambiental, precisam ser compensados. Outro ponto de preocupação levantado é que, no caso das empresas, há uma tendência de privatização dos lucros, enquanto os custos são socializados para a sociedade paraibana.

O membro do MPF ressaltou ainda que, após uma análise dos contratos, até o momento não ficou evidente quais benefícios concretos as empresas proporcionam, pois o resultado econômico da atividade é apropriado quase que exclusivamente pelas empresas, que não têm sede na Paraíba, a energia produzida é exportada, não há pagamento de tributo aos entes estatais locais, já que as empresas recebem isenções tributárias e os impactos ambientais negativos não são acompanhados pela criação significativa de empregos após a instalação. Por fim, Anderson Danillo apontou que as empresas estão violando leis e os órgãos responsáveis por essa fiscalização não estão exigindo adequadamente a compensação ambiental como condição para a concessão de licenças.

Claudionor Vital Pereira, advogado do Centro de Ação Cultural (Centrac), abordou, em sua fala na tribuna, os impactos à saúde das pessoas, registrando que não atingem apenas o território da Borborema, mas todo o semiárido brasileiro. Ele destacou que não se tem a dimensão de como o modelo de produção de energias ditas renováveis e limpas causará prejuízos na vida das pessoas, na produção de alimentos, na vegetação e nos animais. Para implementação dos parques, ele ainda registrou a necessidade de grandes extensões de terras, a expropriação de terras e territórios, o processo de reversão do uso da terra e o impacto direto na conservação da biodiversidade. Ainda sobre a violação de direitos, mencionou os contratos agressivos e abusivos, que inclusive afetam os benefícios previdenciários e as políticas públicas de apoio aos agricultores.

Encaminhamento dos assuntos – A vereadora Jô Oliveira (PCdoB), que presidiu a audiência pública, informou que foram reunidos os diversos pontos discutidos durante a sessão pelos participantes e que todos serão integrados a um documento para envio a cada uma das instituições envolvidas. A Câmara fará encaminhamentos para garantir que as preocupações e as questões levantadas durante a audiência sejam tratadas de forma adequada e que haja continuidade no processo de diálogo e deliberação.

No final da audiência pública, a vereadora Jô Oliveira anunciou uma menção de aplausos feita pela Câmara Municipal de Campina Grande ao procurador do Ministério Público Federal José Godoy. Jô destacou o importante trabalho do órgão e do membro do MPF, especialmente com relação às comunidades tradicionais do estado da Paraíba.

Participaram da audiência ainda representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Assembleia Legislativa da Paraíba, Articulação do Semiárido, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Polo Sindical, sindicato de trabalhadores rurais de vários municípios, Cáritas, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Serviço Pastoral de Imigrantes, entre outras entidades, além de cidadãos e cidadãs de várias regiões da Paraíba e Pernambuco.

*Com CMCG

Imagem: Comunicação MPF .

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