Representando um aumento de 8% em relação ao último ano, a grande maioria das violências estão relacionadas aos conflitos pela terra, água e ao trabalho escravo rural
Por Lays Furtado*, na Página do MST
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou, neste mês de outubro, os dados de conflitos no campo referentes ao 1º semestre de 2023, registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc). O documento apresenta um número de violações que ocupa o 2º lugar nos últimos 10 anos, sendo superado apenas pelo ano de 2020, quando foram registrados 1.007 conflitos.
Ao todo, foram registrados 973 conflitos no campo, envolvendo um total de 101.984 famílias, representando um aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2022. A grande maioria continua sendo registros de conflitos pela terra (791), seguidos do trabalho escravo rural (102) e conflitos pela água (80).
Durante o período, 878 famílias sofreram com a destruição de suas casas, 1.524 de seus roçados e 2.909 de seus pertences. Também houve aumento no número de famílias expulsas (554), e despejadas judicialmente (1.091) e impedimentos de acesso a áreas coletivas, como roças, áreas de extrativismo do babaçu e outras.
No caso das violências contra a ocupação e a posse, os crimes de pistolagem, grilagem e invasão também mostram um crescimento no número de ocorrências (143, 85 e 185, respectivamente).
O período foi marcado pelo aumento no número de casos registrados de trabalho escravo rural (102) e de pessoas resgatadas desta condição (1.408). A quantidade de resgates já é a maior dos últimos 10 anos, o que demonstra a maior visibilidade para estas violências, através da atuação de órgãos de fiscalização.
As atividades econômicas que mais tiveram pessoas resgatadas foram o cultivo da cana de açúcar (532) e as lavouras permanentes (331), braços do agronegócio junto com a mineração (104), desmatamento (63), produção de carvão vegetal (51) e pecuária (46).
“Diante desse cenário é importante que se afirme que a única maneira de acabar com as violências – todas as formas de violências – é fortalecermos os espaços de participação social e de atuação dos governos em implementar políticas públicas que garantam o acesso a terra e as condições necessárias de existência digna no campo.” – afirma Ayala Ferreira, coordenadora nacional do Setor de Direitos Humanos do MST.
A coordenadora que acompanha o panorama crescente da violência no campo conta que, somente neste primeiro semestre de 2023, com base no levantamento da CPT, existe um número expressivo de aproximadamente 527 mil pessoas envolvidas nesses conflitos.
Onde observa a diversificação da natureza dessas violações, “além do tradicional conflitos por terra, se estendeu pra conflitos por água e por trabalho análogo a escravidão. Ou seja, todas as formas de vida no campo estão sob a ameaça em função do modelo hegemonizado pelo capital no campo, que é o latifúndio e o agronegócio”, denuncia Ayala.
Criminalização da luta pela terra
Em relação à categoria que sofre a violência por terra, os povos indígenas e suas comunidades são as mais atingidas com 38,2% dos casos, seguida dos trabalhadores rurais sem terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%).
Os maiores causadores das violências no campo, são fazendeiros (19,75%), Governo Federal (19,33%), seguidos por empresários (16,95%), governos estaduais (13,31%) e grileiros (8,54%).
Neste contexto, a violência contra a pessoa teve um aumento expressivo no número de vítimas, passando de 418 no 1º semestre de 2022 para 779 no mesmo período de 2023. Os danos causados pela contaminação por agrotóxicos lideram este tipo de violência (327), bem como a contaminação por minérios (55).
Outro destaque é para os aumentos nos casos de criminalização (45) e detenção de pessoas envolvidas na luta pelos direitos no campo (42), mesmo que a prisão efetiva tenha diminuído (de 74 para 29).
“Essa tendência infelizmente tende a se aprofundar pelo comportamento das elites agrárias que têm usado o espaço público para impor seu projeto na sociedade, a exemplo da articulação dos parlamentares ruralistas em instituir a frente parlamentar invasão zero. Ali só se utiliza discurso de ódio em defesa intolerante da propriedade privada da terra, desconsiderando dimensões garantidas na Constituição brasileira, da legitimidade da luta camponesa em ter acesso à terra, a reforma agrária e a necessidade de refletirmos sobre a função social e produtiva desses territórios em nosso país”, conta Ferreira.
A urgência das políticas agrárias contra a violência no campo
A tendência trazida pelos dados da CPT, no primeiro semestre deste ano, tem refletido também na continuidade da violência no campo neste segundo semestre. Somente na última semana, cerca de 20 militantes do MST foram detidos e muitos deles chegaram a ficar presos ilegalmente por realizarem protestos pela Reforma Agrária no país.
Os conflitos ocorreram em Tocantins, Paraná e Santa Catarina, durante a Jornada de Lutas de outubro, onde foram promovidas mobilizações em 20 estados, com o lema “Por Terra e Comida de Verdade para o Povo”. As ações envolveram audiências, manifestações, marchas, bloqueios de estradas e ações de solidariedade com a doação de alimentos.
Durante a Jornada, as famílias pediram celeridade na execução das políticas públicas de Reforma Agrária e da produção de alimentos da agricultura familiar, considerando que a urgência da implementação de tais medidas refletem diretamente não só no combate à fome no país, na oferta de trabalho digno no campo, mas também está diretamente relacionada à resolução de conflitos agrários, que tem gerado cada vez mais violência no campo.
“Temos acompanhado com preocupação a atuação do governo Lula e dos ministérios no que se refere a uma ampla política de reforma agrária e cuidados com os bens da natureza. Existe boa intenção, mas ela deve se transformar em ação concreta ampla e eficaz para efetivamente enfrentarmos a escalada de violência no campo brasileiro.” – sinaliza Ayala.
*Com informações da CPT
**Editado por Fernanda Alcântara
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Foto: João Zinclar