Tania Pacheco
Um mês após notificar o Banco do Brasil (BB) quanto à instauração de um inquérito civil público para investigar a relação do banco e de seus acionistas com a escravidão, em 27 de setembro, o Ministério Federal (através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro) reuniu-se ontem, 27/10, com representantes da instituição. Participaram também da reunião sete dos 14 historiadores que propuseram a ação ao MPF e representantes dos ministérios da Igualdade Racial e da Cidadania e Direitos Humanos e da OAB.
Segundo a PRDC, nos últimos anos vem ganhando força um movimento internacional por reparação histórica de grandes instituições que participaram da escravidão, e a iniciativa tem por objetivo “promover a reflexão sobre o tema para garantir que crimes contra a humanidade como esse jamais se repitam”. Como está dito no inquérito aberto,
“Revisitar a escravidão implica desnaturalizar a forma como tratamos o papel das instituições e de pessoas que se constituíram e enriqueceram à custa dessa mancha em nossa história. Se, por um lado, devemos reconhecer o papel do negro na construção das riquezas materiais e na estrutura econômica do país para repensarmos a própria história da formação do Estado brasileiro, é necessário, por outro, enfatizar que a diáspora africana é resultado de um projeto de desumanização, violências e dores que contou com a complacência de pessoas, famílias e instituições, as quais se beneficiaram proativamente dessas atrocidades, sem qualquer tipo de manifestação de reconhecimento ou responsabilização”.
Pelo MPF, participaram da reunião os procuradores Julio José de Araujo Junior, Jaime Mitropoulos e Aline Caixeta. Representando os historiadores, Martha Abreu, Hebe Mattos, Thiago Campos, Mônica Lima, Clemente Penna, Álvaro Nascimento e Ynaê Lopes. O banco enviou representantes da suas unidades ASG (que cuida das áreas ambiental, social e governança) e jurídica.
Abrindo a reunião, o procurador Julio Araujo enfatizou a importância de se aprofundar as discussões sobre o inquérito civil, dando oportunidade para que os presentes apresentassem novos estudos e contribuições, e o Banco do Brasil, suas considerações sobre o tema.
Ao final, como encaminhamentos, ficou definido que em 15 dias úteis o BB deverá “se manifestar sobre o reconhecimento de sua participação no tráfico de pessoas escravizadas e na escravidão”; sobre um pedido de desculpas público respeito; e sobre seu “interesse na construção de um plano de reparação em relação ao período”. Reconhecida sua responsabilidade, caberá também ao banco informar as medidas que irá tomar como reparação, incluindo o financiamento de pesquisas sobre o tema e a “racialização” de sua estrutura.
Aos historiadores, caberá disponibilizar para o Banco do Brasil, até o dia 3 de novembro, teses e estudos sobre o assunto, com intermediação do Ministério da Igualdade Racial.
Já o MPF realizará audiências públicas para discutir um possível plano de reparações para o banco, estando a primeira marcada para o dia 18 de novembro. Paralelamente, o banco deverá, também para novembro, agendar reunião de sua presidenta, Tarciana Medeiros, com os procuradores, para discutir os encaminhamentos propostos.
A íntegra do Despacho dos procuradores da PRDC que autorizou a abertura do inquérito “Tráfico de pessoas negras escravizadas e o Banco do Brasil: direito à reparação” pode ser encontrada aqui. Na sua abertura, quem nos fala é Luiz Gama:
Que mundo? Que mundo é este?
Do fundo seio d’est’alma
Eu vejo… que fria calma
Dos humanos na fereza!
Vejo o livre feito escravocrata
Pelas leis da prepotência;
Vejo a riqueza em demência
Postergando a natureza
Vejo o vício entronizado;
Vejo a virtude caída,
E de coroas cingida
A estátua fria do mal;
Vejo os traidores em chusma
Vendendo as almas impuras,
Remexendo as sepulturas
Por preço d’áureo metal.
–
Imagem de vídeo do Banco do Brasil censurado por Jair Bolsonaro, em 2019.
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