STF vai analisar recurso do MPF sobre intervenção federal na segurança pública na Baixada Fluminense (RJ)

Órgão ministerial aponta omissão da União e do Estado do Rio de Janeiro quanto ao dever de transparência e prestação de contas das ações realizadas nesse período

A vice-presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) aceitou o recurso extraordinário do Ministério Público Federal (MPF) que pede a condenação da União e do Estado do Rio de Janeiro por omissão quanto ao dever de transparência e prestação de contas durante o período de intervenção federal na segurança pública na Baixada Fluminense (RJ), entre fevereiro e dezembro de 2018. Com isso, o recurso será encaminhado para análise do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgará o caso.

O MPF quer que a União e o Estado do Rio de Janeiro apresentem relatório detalhado sobre as ações de intervenção federal na Baixada Fluminense, com dados estatísticos, orçamentários e avaliações qualitativas, bem como o planejamento das políticas públicas de segurança adotadas desde o término da intervenção. Além disso, o órgão ministerial requer que os acusados estabeleçam critérios de efetivação da política de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro e os seus fundamentos, bem como os critérios para a garantia de não repetição da intervenção federal nos moldes anteriormente adotados.

Outro pedido do recurso foi para que a União e o Estado do Rio de Janeiro desenvolvam protocolos de ação e de planejamento que visem a suprir as deficiências da política de segurança pública que foram constatadas no período da intervenção federal. O MPF também solicitou que sejam estipulados e construídos canais democráticos de participação e controle social, com interferência efetiva no desenvolvimento da política de segurança pública, de modo a prevenir o atingimento de níveis insatisfatórios da concretização da política, a partir de avaliação do gestor, e garantir a não repetição da intervenção federal.

O caso – O MPF instaurou inquérito civil, em março de 2018, para acompanhar, na Baixada Fluminense, os desdobramentos da intervenção federal decretada no Estado do Rio de Janeiro. Apurações revelaram a falta de um protocolo de abordagens dos militares participantes das operações, que garantisse a segurança, a regularidade e a uniformização de procedimentos visando à proteção dos direitos fundamentais da população.

Em junho de 2018, o MPF recebeu denúncias de voos rasantes de helicóptero sobre casas da comunidade da Chatuba, na Praça Telemar, e no entorno da estação de Edson Passos, em Mesquita. Também foram relatados o uso de toucas ninja para cobrir os rostos dos militares e a abordagem com armas de fogo apontadas para moradores que saíam para trabalhar. Para o MPF, é necessário que o cidadão, em sua relação com o policial, tenha a possibilidade de identificar com qual agente público está lidando, para que possa haver controle dos atos da Administração Pública. E também para que eventual abuso ou prática de crime não resulte num frustrante arquivamento do procedimento investigatório por autoria desconhecida.

Relatório produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) constatou que houve um aumento, em 2018, do número de homicídios decorrentes de ação policial no Estado do Rio de Janeiro, que chegou a 1.532 mortes, no período de intervenção federal. O estudo destacou, ainda, a falta de transparência das ações das Forças Armadas no âmbito da segurança pública.

O MPF ajuizou ação civil pública pedindo a condenação da União e do Estado do Rio de Janeiro à reparação de danos causados, bem como a apresentação detalhada das medidas adotadas e dos recursos aportados durante o período de intervenção na Baixada Fluminense. O órgão ministerial destaca que a divulgação desses dados é obrigação do Brasil no campo constitucional e na esfera internacional, no que se refere ao direito fundamental da segurança pública e da informação. No entanto, na primeira instância, a Justiça Federal não acatou os pedidos da ação do MPF. Dentre outros pontos, a sentença mencionou, que o Poder Judiciário não possui expertise e parâmetros para avaliar as ações adotadas e os dados fornecidos pelo Poder Executivo em seus relatórios.

Recursos – O MPF recorreu da decisão ao TRF2. Por meio de acórdão, a Sexta Turma do Tribunal concordou com a argumentação da Justiça Federal e julgou improcedente o pedido do órgão ministerial para condenar a União e o Estado do Rio de Janeiro por ilicitudes durante a intervenção federal.

Para tentar reverter a decisão, o MPF interpôs recurso extraordinário, destinado ao STF.
Mas, para seguir para instância superior, o referido recurso precisava ser admitido pelo vice-presidente do TRF2, desembargador federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, o que aconteceu no último dia 21.

O MPF frisa que nenhuma lesão ou ameaça ao direito pode ficar sem apreciação do Judiciário.
“Se por um lado a fixação de políticas públicas é de competência do Poder Executivo, por outro lado é cediço que a violação a deveres constitucionais, tal como o de transparência, não pode ser compreendida como parte do Poder Discricionário da Administração Pública”, ressalta o órgão ministerial. “Em outras palavras, não é dado ao Administrador Público decidir se irá prestigiar ou não o Princípio Constitucional da Transparência. Uma vez verificado tal descumprimento, pode e deve o Poder Judiciário intervir em prol do Princípio da Publicidade Administrativa”, acrescenta.

Foto ilustrativa: Tânia Rêgo/Agência Brasil

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