Em tese doutoral recém-defendida, pesquisadora revela lógicas de um país em um município de grandes áreas de preservação, de recordes de desatamento e de disputas violentas pela terra
Por: João Vitor Santos, em IHU
A COP28, conferência internacional sobre o clima, terminou ontem. Nesta edição, embora tenha deixado claro que não abandonará a produção de combustíveis fósseis, o Brasil ergueu a voz para dizer que vem reduzindo o desmatamento na região amazônica. A afirmação da comitiva brasileira é verdadeira, mas quem conhece a realidade de São Félix do Xingu, no Pará, sabe que ainda temos muito que avançar na questão da preservação. O município é como uma síntese das contradições de nosso país. “70% da extensão territorial é formada por áreas protegidas, sendo que 50% corresponde ao bloco de terras indígenas. Também é em São Félix do Xingu onde têm sido registradas taxas recordistas de desmatamento na Amazônia Legal”, observa Núbia Vieira Cardoso.
Mestre e doutora em Geografia, Núbia recentemente defendeu sua tese em que mergulha neste universo particular do município que parece distante de tudo. Parece, pois, conforme revela na entrevista concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, muito do Brasil de hoje se compreende neste microcosmo. “O que se desdobra em São Félix, ainda que ali desenvolva seu modo particular de operacionalidade, está posto por uma condição macro, do lugar que o Brasil ocupa na divisão internacional do trabalho. E esse lugar econômico, desdobrado em municípios como o de São Félix do Xingu, se vale do imbróglio fundiário brasileiro”, explica.
Tal imbróglio referido pela pesquisadora consiste justamente em ter grande área protegida para manutenção de floresta e de modos de vida povos originários, mas cuja terra se configura como terreno de disputa. “São Félix do Xingu abriga o maior rebanho bovino do Brasil, com 2,5 milhões de cabeças de gado”, acrescenta. Isso significa que, além dos danos da conversão da mata em campo, há as disputas que dizimam populações originárias e que submetem migrantes de todo o Brasil a duríssimas condições de trabalho. Por isso, para Núbia “o desmatamento é uma prática de exploração do trabalho nas suas condições mais vis”. Assim, em São Félix se evidencia o desmatamento “como um processo permanente de apropriação de terras públicas de usufruto indígena por meio da exploração do trabalho nas últimas circunstâncias, e do uso da violência como balizador moral”.
A jovem pesquisadora revela que é preciso mergulhar nestas realidades não como quem olha uma periferia, um fundão, um Brasil distante, mas a nossa própria constituição enquanto território e nação. “É preciso entender que lugares como São Félix do Xingu não são o quintal periférico e desconhecido, mas são, por outro lado, a atual sala de estar. E é a partir de lugares como São Félix do Xingu que estamos sendo e seremos cada vez mais vistos”, sintetiza.
Núbia Vieira Cardoso é licenciada, mestre e doutora em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. É bacharel em Enfermagem pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM. Pesquisa povos indígenas desde 2009 e desde 2012 realiza suas pesquisas no Pará. Recentemente, defendeu a tese de doutorado intitulada “O paraíso do gado – a dinâmica geoeconômica do município de São Félix do Xingu na atualidade”.
Confira a entrevista.
IHU – Como a senhora descobriu a realidade do município de São Félix do Xingu? Por que buscar compreender a realidade da dinâmica geoeconômica da pecuária a partir desta realidade?
Núbia Vieira Cardoso – Durante o mestrado, eu pesquisei os processos de territorialização dos povos indígenas no Médio Xingu entre 1950 e 1980. Esse período foi marcado pela interiorização da colonização, antes concentrada na margem de rios principais, como é o caso do Xingu. Na segunda metade do século XX ocorreu a abertura das rodovias, a primeira a Belém-Brasília no sentido longitudinal atingiu a face mais oriental da Amazônia e, em seguida no recorte geográfico estudado, a rodovia Transamazônica a partir de 1970 com um traçado transversal, que atingiu o curso médio do Xingu, mais ao norte, na direção da foz no rio Amazonas.
Para a pesquisa de mestrado, entrevistei sertanistas e auxiliares de sertanistas, trabalhadores regionais que participaram do período dos contatos e da territorialização dos povos indígenas. Entre 1950 e 1980, foram realizados os contatos com povos como com os Kaiapó, os Xikrim do Bacajá, os Araweté, Assurini, Kararaô, Arara e Parakanã da Apyterewa. Pude compreender os fluxos e as migrações dos povos indígenas. Forçados a migrar para o “centro da terra” ou para os interflúvios florestados, formaram regiões de refúgio, por isso, a categoria geográfica nesse caso foi a de Médio Xingu.
Desmatamento e ameaças a territórios indígenas
Em 2019, eu havia ingressado no doutorado com o intuito de continuidade da pesquisa. Para isso tinha estabelecido um plano de pesquisa que, à medida dos fatos e do contexto político, foi sendo pressionado para novas direções. Uma palavra passou a ser recorrente nos noticiários sobre a região que era meu objeto de pesquisa: desmatamento.
A partir de 2019, os índices de desmatamento nas terras indígenas do Médio Xingu saltaram cada vez mais, demonstrando que poderia haver novas tendências de ocupação e uso sobrepostos àqueles territórios indígenas. Entre as terras indígenas mais desmatadas da Amazônia Legal, estava a Terra Indígena Apyterewa, localizada no município de São Félix do Xingu.
Dessa maneira, a atualidade pressionava para que a pesquisa a acompanhasse. A direção da pesquisa, então, à medida que mergulhava na aparência da atualidade, fez surgir a hipótese de que por detrás do “desmatamento” (como noção até então abstrata) haveria uma dinâmica econômica própria, porque geograficamente referenciada. No exame do quadro de acontecimentos emergia um objeto geográfico: o município.
IHU – Quem é a população que constitui o município originalmente e como esta população se configura hoje?
Núbia Vieira Cardoso – São Félix do Xingu ganhou o caráter de municipalidade em 1961, quando foi desmembrado de Altamira. No entanto, em abril do mesmo ano já havia sido decretada pelo então presidente Jânio Quadros a criação da Reserva Florestal do Gorotire com 1.843.000 hectares, de usufruto do povo Kaiapó. Localizada entre a confluência do rio Fresco com o Xingu, a vila ribeirinha foi transferida para a embocadura do rio no começo do século XX.
Com grande população indígena, devido ao domínio Kaiapó no Médio Xingu, boa parte das colocações e vilas se concentrava nas ilhas até o século XX, pois havia a constante ameaça dos raptos de mulheres e crianças pelos Kaiapó. À medida que os Kaiapó vão sendo “pacificados” – utilizando o termo colonial da época, como explica o antropólogo João Pacheco de Oliveira, que é o mesmo que dizer vencidos militarmente –, há um recuo territorial do domínio indígena, o que permite o processo de urbanização da atual São Félix do Xingu.
São Félix da Boca do Rio ganhou o nome do santo porque, assim como os cristãos do Mar Mediterrâneo que temiam os saques e raptos pelos piratas mouros, onde atuou o religioso Félix de Valois, os cristãos ali temiam os índios Kaiapó.
De indígenas e seringueiros a migrantes de todo país
Na altura da atual cidade de São Félix no sentido norte, o Rio Xingu penetra a floresta equatorial entremeada pelos igarapés cujos cursos até suas cabeceiras levam às áreas core da mata, onde ali estavam estabelecidas as aldeias dos povos indígenas Tupi na margem a leste, e Kaipó, na margem a oeste. Além dos povos indígenas, as comunidades de seringueiros estabelecidos eram, de modo geral, constituídas por uma população migrante do Nordeste e por indígenas de contato anterior como do povo Kuruaya e Xipaya.
Hoje, a população de São Félix do Xingu é diversa no sentido de origem dos migrantes. Com a abertura da rodovia PA-279 e com a criação de projetos de colonização como o de Tucumã e Ourilândia do Norte nos anos 1980, houve um afluxo de migrantes de distintas partes do país. E mais tarde, a partir da primeira década dos 2000, quando há a implantação das fazendas de pecuária, houve uma atração de migrantes dos estados de Goiás, principalmente, e Tocantins, pecuaristas, comerciantes, além de uma nova leva de migrantes do Piauí e do Maranhão.
IHU – Em sua pesquisa, chama atenção o fato de 70% da área do município ser destinada à preservação e conservação. Como estas áreas se constituem e como são as dinâmicas sociais nestes espaços atualmente?
Núbia Vieira Cardoso – Voltando ao município, objeto da análise, a contradição revelada pelo “desmatamento” incitava conhecer a dinâmica das práticas econômicas. São Félix do Xingu é o sexto município em extensão territorial do Brasil. E há um diferencial nisso quando comparamos com os demais municípios de maior extensão: ele está localizado na Amazônia Oriental. Ao lado de Altamira, São Félix do Xingu compõe os dois maiores municípios do Pará. E ambos possuem boa parte dessa extensão territorial conformada por um corredor de preservação que se trata de terras indígenas e unidades de conservação.
No caso de São Félix do Xingu, 70% da extensão territorial é formada por áreas protegidas, sendo que 50% corresponde ao bloco de terras indígenas. Mas aí se identifica a contradição. Também é em São Félix do Xingu onde têm sido registradas taxas recordistas de desmatamento na Amazônia Legal. E, para complementar, São Félix do Xingu abriga o maior rebanho bovino do Brasil, com 2,5 milhões de cabeças de gado.
Se, por um lado, tem-se um contínuo de áreas preservadas, por outro lado há um rebanho bovino que de 2000 para cá, ou seja, em um período recente, atingiu a marca de mais de dois milhões. Somada às particularidades de São Félix do Xingu, diante de tal cenário geográfico há um aspecto principal: o imbróglio da posse da terra, isto é, a situação fundiária e imantada, a situação agrária.
IHU – Como a pecuária se estabelece nesta região e como a criação de gados vai transformando as realidades sociais e ambientais?
Núbia Vieira Cardoso – A pecuária se tornou a principal atividade no município a partir do começo dos anos 2000. Esse é o período conhecido em São Félix como o de abertura das fazendas. É também nele que São Félix do Xingu passa a estampar os principais jornais do centro-sul como o típico faroeste brasileiro. Notícias sobre massacres de trabalhadores em fazendas de gado alimentavam o imaginário brasileiro acerca do processo de expansão da fronteira na região amazônica. Essa representação transmitia a ideia de algo aparentemente distante, outsider à modernização dos centros urbanos do país.
No interior do município, cuja extensão se assemelha à de países europeus como a Áustria, no contexto da implantação das fazendas, ocorreu a abertura de inúmeras estradas clandestinas, algumas abertas pela própria prefeitura. Junto das fazendas de gado e das estradas a leste e oeste do Xingu, surgiram vilas, núcleos urbanos que acompanhavam as aberturas das fazendas, bem como a abertura de garimpos transitórios.
A urbanização, de maneira precária, acompanhou, portanto, o processo de concentração fundiária, uma vez que nas vilas e nos distritos se concentra a população trabalhadora. Também nesse período houve um afluxo de posseiros com o intuito de “cortar a terra” e do reconhecimento e concessão de títulos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. Assim se configuram as relações e a apropriação no espaço no município, sabendo que a formação das fazendas, na sua ampla maioria, não ocorreu pelo âmbito da posse segundo uma cadeia dominial, mas pelo processo de desmatamento seguido da grilagem, balizado pelo uso extremo da violência.
IHU – O que a terra representa na realidade de São Félix do Xingu? Como o uso dela conforma os modos de vida da população local?
Núbia Vieira Cardoso – São Félix do Xingu nasce do imbróglio fundiário, isso porque onde hoje está a sede municipal era antes uma reserva indígena estabelecida por decreto federal. Então, o imbróglio fundiário, ao contrário de propriamente um obstáculo à conformação política e econômica do município, se tornou uma “oportunidade” na definição de uma tradição econômica e, junto dela, de uma tradição política.
Ainda que a abertura de fazendas nos anos 2000 e a formação de um campesinato representado pelas áreas de reforma agrária homologadas pelo Incra tenham, em diferentes proporções, se servido dos solos férteis e das áreas novas de pastagem com pouca ou nenhuma demanda de práticas de manejo, é o contínuo movimento de apropriação de novas terras o que confere uma idiossincrasia à tradição econômica do município.
IHU – Na primeira parte de sua tese, também chama atenção a centralidade do Rio Xingu. Pode nos dizer como aconteciam as relações originárias com esse rio e como elas vão se transformando a partir das transformações socioeconômicas da região?
Núbia Vieira Cardoso – A construção teórico-metodológica da tese é constituída por duas partes. A primeira, chamada de “viagem de ida”, é quando examinamos as categorias geográficas locais até então associadas às práticas e apropriação dos povos indígenas e ribeirinhos. Para esses povos, o Rio constitui o principal referencial geográfico.
Seus territórios e territorialidades estão referenciados nos rios e na trama dos rios, com seus igarapés, suas mudanças nas estações de chuva e de seca. O próprio movimento desses povos pelo espaço se dava à medida da viagem de canoa, ou de barco, da cheia e da estiagem dos cursos, entre nadar na cheia, ou caminhar na estiagem pelos cursos secos dos igarapés até as suas cabeceiras no centro da mata.
A partir da segunda metade do século XX, período do pós-guerra, as rodovias invadem os interflúvios. E a partir desse momento a estrada passa a referenciar tanto novos fluxos quanto novas formas do espaço. Na nossa viagem de ida, conforme o roteiro da tese, depara-se com a categoria geográfica da região, o Sudeste Paraense. Nesse período também adentra o cenário histórico a instalação da mineração de ferro em Carajás, bem como o massacre de trabalhadores rurais sem-terra, conhecido como Massacre de Carajás, e da formação de fazendas logo conhecidas como as detentoras dos maiores rebanhos bovinos do Brasil pertencentes a grupos econômicos oriundos do centro-sul, para quem a pecuária tratava de renda secundária.
E ainda, na margem das rodovias, desponta a criação de novos municípios. As novas formas geográficas equivalem tanto a uma compreensão fisco-territorial quanto jurídico – política.
IHU – Como analisa a situação fundiária do Brasil de hoje? O quanto avançamos e o quanto ainda estamos presos a antigas lógicas de um Brasil colonial?
Núbia Vieira Cardoso – A situação fundiária do Brasil é, sem dúvida, um dos principais eixos definidores da economia e da política do país hoje. O que se desdobra em São Félix, ainda que ali desenvolva seu modo particular de operacionalidade, está posto por uma condição macro, do lugar que o Brasil ocupa na divisão internacional do trabalho. E esse lugar econômico, desdobrado em municípios como o de São Félix do Xingu, se vale do imbróglio fundiário brasileiro.
Ao contrário de um isolado “atraso”, a condição fundiária do Brasil, ou a apropriação e concentração ilegal das terras, desde a sua origem, deve representar aquilo que permanece. E à medida que se atualiza, por sua vez, mantém permanentemente a condição econômica subalterna do Brasil na economia global. Esse é o traço econômico permanente e atualizado do Brasil frente ao mundo.
IHU – O que as relações políticas presentes em São Félix do Xingu revelam sobre a política do Brasil de hoje?
Núbia Vieira Cardoso – A partir de 2019, quando a TI Apyterewa apresentou altos índices de desmatamento, a política ideológica comunicada pelo então presidente assegurava aos invasores proteção e legitimidade, o que teve seu respaldo nas decisões desde as altas instâncias como do Supremo Tribunal Federal – STF. Ainda que não como política institucionalizada, havia então uma política moral coadunada pelas várias instâncias de governo.
Na viagem de volta, metáfora teórico-metodológica usada na elaboração da tese, chegamos àquilo que a princípio foi o almejado, a síntese, à medida que, retomando a situação concreta, emergiu uma nova categoria geográfica, agora espelhada da síntese. Na chamada “viagem de volta”, foi identificado que o município revelara o país. Nesta segunda parte, em um dos tópicos faço um breve paralelo com o livro do cientista político Victor Nunes Leal “Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil”, publicado pela primeira vez em 1948. Nele, o autor relaciona as práticas de poder dos donos de terra no país até a sua oficialização através das prefeituras municipais.
Na versão atualizada, a partir da situação concreta do município de São Félix do Xingu, acrescentamos nas palavras bem escolhidas pelo escritor uma terceira, que tem a ver com uma instituição hoje presente em todos os núcleos urbanos de São Félix do Xingu: trata-se das igrejas pentecostais e neopentecostais. Na versão da tese, com o intuito de discussão da atualidade da obra, o título do referido tópico ficou “Município: coronelismo, enxada, voto e Bíblia”. Ou seja, a relação entre a posse da terra e as práticas políticas no Brasil, ainda que atualizadas, seguem como permanências estruturais, porque são espelhadas no mesmo imbróglio fundiário que, como em São Félix do Xingu, é daqui fundador.
IHU – Diariamente, vemos pesquisas sobre índices de desmatamento e até análises sobre as suas consequências, mas, pelo que viu e estudou na realidade de São Félix do Xingu, o que representa o desmatamento neste pedaço de Brasil? Que conceito de desmatamento você elaborou a partir do que viu, vivenciou e analisou?
Núbia Vieira Cardoso – Muitas vezes, quando ouvimos ou lemos rapidamente a palavra “desmatamento”, ela aparece como uma noção abstrata. O desmatamento, portanto, se torna uma representação, um dado oficial, mas que por detrás dele existem práticas econômicas, ou seja, de trabalho, neste caso específico, em um município da Amazônia Legal.
Sendo uma prática de trabalho, há nela a exploração, isto é, aqueles que somente servem com a força de trabalho, aqueles que são os donos do maquinário e aqueles que são ou representam o “dono da terra”. Durante a pesquisa de campo, entrevistei alguns desses diferentes atores. Um deles, um trabalhador migrante do Maranhão, analfabeto e que perdera todos os documentos pessoais em uma das operações do Ibama na TI Apyterewa. Tendo perdido sua documentação e diante do seu estado de saúde debilitado por um acidente de trabalho, quando uma árvore ao ser derrubada o atingiu, o homem estava vivendo das doações de pessoas da vila. Logo, percebe-se: o desmatamento é uma prática de exploração do trabalho nas suas condições mais vis e é o que delimita uma área específica antes tomada por floresta.
Assim, podemos ver o desmatamento, no contexto atual de expansão da fronteira econômica na direção das áreas de preservação dessa porção da Amazônia Oriental, como um processo permanente de apropriação de terras públicas de usufruto indígena por meio da exploração do trabalho nas últimas circunstâncias e do uso da violência como balizador moral. Essa permanente incorporação de novas áreas alimenta uma rede de serviços de uma economia ilegal, apoiada em outra dimensão legal da economia.
IHU – Que futuro enxerga para São Félix do Xingu? No que este futuro se conecta com uma ideia de Brasil?
Núbia Vieira Cardoso – São Félix do Xingu, ao contrário de um faroeste distante, possui um lugar econômico central na economia nacional, o que não é facilmente percebido por boa parte das interpretações. O município, ao mesmo tempo que tem uma zona de preservação ecológica pela presença de terras indígenas, convive com uma área de uso da pecuária equivalente a quase três vezes a extensão territorial da Região Metropolitana de São Paulo.
Esta pecuária, ao contrário de uma atividade arcaica que apenas “amansa” a posse da terra, está em São Félix do Xingu envolvida em uma rede sofisticada de trocas, dado vez que ela opera articulada a uma rede de práticas e territórios com papéis econômicos específicos. Isto lhe confere não apenas uma ampliação do espectro do lucro, mas também uma posição na geografia econômica global.
É preciso que a sociedade brasileira se atente para o Brasil na atualidade. É preciso entender que lugares como São Félix do Xingu não são o quintal periférico e desconhecido, mas são, por outro lado, a atual sala de estar. E é a partir de lugares como São Félix do Xingu que estamos sendo e seremos cada vez mais vistos.
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Foto: Bruno Cecim | Agência Pará