Ódio da bancada ruralista fala mais alto e parlamentares derrubam veto do presidente à infame tese, mas APIB vai ao STF pedir inconstitucionalidade da lei.
Diversos deputados e senadores foram “passear” na COP28, que, entre tantos marcos, registrou a maior presença de indígenas entre todas as conferências do clima já realizadas, incluindo a brasileira. Mas a suposta preocupação ambiental dos parlamentares não durou muito tempo. Liderados pela bancada ruralista, eles derrubaram, na 5ª feira (14/12), em sessão conjunta do Congresso Nacional, o veto do presidente Lula ao marco temporal.
Na Câmara dos Deputados, o placar foi de 321 votos pela derrubada desse veto, ante 137 pela manutenção. No Senado, foram 53 posicionamentos pela retomada da tese, ante 19 contrários. Assim, segundo o texto aprovado pelos parlamentares, os Povos Indígenas só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam, de forma permanente, na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Na prática, se não comprovarem que estavam nas terras nesta data, poderão ser expulsas, alerta o Valor.
A votação foi acompanhada de protestos do movimento indígena do lado de fora do Congresso. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, discursou criticando a derrubada dos vetos e depois foi ao plenário acompanhar a sessão. A Polícia Legislativa reforçou a segurança por causa das manifestações e chegou a impedir a entrada da imprensa no plenário, informa a Folha.
No auge do cinismo, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) – ex-ministra da Agricultura do governo do inominável e uma das líderes da bancada ruralista – foi capaz de dizer que a derrubada do veto pode trazer a pacificação entre indígenas e produtores rurais. “Apesar das narrativas falsas, hoje vamos trazer a pacificação para o Brasil. Para os dois lados, indígenas e produtores. E não só produtores rurais, tem muito conflito em área urbana”, declarou a senadora.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) já anunciou que acionará o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do Congresso Nacional, destaca a Carta Capital. Em setembro, a Corte declarou a tese do marco temporal inconstitucional por 9 votos a 2. Foi justamente essa decisão que alimentou o ódio da bancada ruralista no Congresso e fez com que o Senado acelerasse a votação do projeto de lei, aprovado na Câmara em junho.
A estratégia da APIB é reagir já. Segundo a Agência Pública, assim que a lei for novamente sancionada, o que deve ocorrer em até 48 horas após a votação, a entidade vai ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, pleiteando a derrubada da maior parte dos dispositivos da lei.
“Estamos com a peça pronta. Vamos recorrer ao Supremo para que se garanta, inclusive com pedido liminar, que a lei não se aplique até que seja julgada ou analisada a constitucionalidade do texto”, afirmou à Marco Zero o advogado Dinaman Tuxá, coordenador-executivo da APIB e da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME).
O governo federal também deve entrar com um pedido para que o STF analise o caso. Foi o que disse à Folha a ministra dos Povos Indígenas. “O Ministério dos Povos Indígenas vai acionar a Advocacia Geral da União para dar entrada no STF a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade a fim de garantir que a decisão já tomada pela alta corte seja preservada, assim como os Direitos dos Povos Originários”, explicou Sonia Guajajara.
A Folha havia antecipado um acordo entre governo e a bancada ruralista para que a derrubada do veto fosse parcial, com a manutenção de três deles. Um foi sobre o trecho que dava aval para o contato com Povos Isolados para “prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Em outro ponto vetado por Lula e mantido pelos parlamentares, a proposta abria brecha para que terras demarcadas fossem retomadas pela União, “em razão da alteração dos traços culturais da comunidade ou por outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo”. E também permaneceu vedado o dispositivo que permitiria a plantação de transgênicos nos territórios.
Correio Braziliense, g1, InfoMoney, Poder 360 e UOL também destacaram a derrubada do veto de Lula ao marco temporal.
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Kamikia (@kamikiakisedje)