Racismo ambiental, mudanças climáticas e impactos para o povo brasileiro

“Os impactos da crise climática não são democráticos!”, reflete artigo

Por Florence Marcolino e Rosa Negra*, na Página do MST

Por que algumas comunidades sofrem mais com os desastres ambientais do que outras? Por que as regulamentações ambientais são aplicadas em algumas comunidades, mas não em outras? Por que alguns espaços são ameaçados e outros não? Por que apenas certas formas de organização e controle de grupos sociais são questionadas? Por que permite-se que alguns trabalhadores sejam envenenados e outros protegidos dos danos ambientais?

A resposta é: os impactos da crise climática não são democráticos, resultando em danos ambientais desiguais entre as classes e no interior da classe trabalhadora. Isso revela uma das marcas mais profundas das desigualdades socioambientais e raciais superestruturada no Brasil. Dito de outra maneira, os segmentos da classe trabalhadora racialmente vulnerabilizados são os mais afetados pela destruição ambiental causada pelo capital. Essa é, em parte, a manifestação do que chamamos de Racismo Ambiental, termo que está intrinsecamente ligado ao histórico de mobilizações do movimento negro norte-americano, que articulados em lutas de caráter territorial, ambiental e por direitos civis, entre as décadas de 1970 e 1980, denunciaram as injustiças ambientais em áreas ocupadas pela população negra.

O que é Racismo Ambiental?

A expressão, formulada pelo ativista afro-americano Benjamin Frankin Chavis Jr., assistente de Martin Luther King Jr., foi criada a partir de uma pesquisa que mostrou que as populações negras eram desproporcionalmente prejudicadas pelos riscos produzidos pelo desenvolvimento urbano/industrial, como a instalação de aterros sanitários, incineradores, indústrias poluentes, depósitos de lixo tóxico e unidades de tratamento, armazenamento e eliminação de resíduos perigosos.

As mobilizações locais das comunidades em contextos de injustiça ambiental naquele momento, no entanto, apresentaram cada vez mais e de forma mais ampla uma luta contra as injustiças ambientais e como estas são distribuídas de acordo com classe, raça e gênero. Nesse aspecto, o racismo ambiental diz respeito a um tipo de desigualdade e injustiças ambientais que recaem de forma desproporcional sobre grupos sociais étnico-raciais vulnerabilizados. Nasce desses contextos de luta contra iniquidades ambientais o movimento por justiça ambiental, que, em grande medida, busca promover formas de resistência, estratégias para defender territórios e denunciar as desigualdades ambientais e os impactos das mudanças climáticas que recaem de forma injusta sobre os ombros das populações pobres.

Como ele se manifesta no Brasil?

No Brasil, o termo racismo ambiental abrange diversas formas de manifestação, incluindo práticas materiais que afetam de forma desigual populações em decorrência de sua raça e cor, assim como práticas discursivas que se fundem com um antiambientalismo racializado e reacionário. Isso inclui a privação dos espaços decisórios que invisibilizam populações e negam o direito dos povos decidirem sobre a utilização de seus territórios, além do tratamento assimétrico na aplicação das leis ambientais em territórios racializados.

Nos últimos anos, o cenário tem se agravado com a forte intervenção do capital na natureza, resultando na destruição dos bens naturais na sua sanha por lucro e acumulação do capital. O papel necropolítico desempenhado pelo Estado legitima e legaliza novas estratégias para apropriação de terras, como a grilagem verde que avança em territórios quilombolas, terras indígenas e assentamentos em Matopiba e em territórios tradicionais sobrepostos por áreas de proteção ambiental. Isso tem contribuído para a expansão das fronteiras agrícolas do agronegócio e na produção de novos mecanismos de injustiça com caráter racista e autoritário, ameaçando não só a forma de organização e controle dos territórios, mas também os modos de vida e outras formas de produção da natureza dessas populações.

Além disso, casos como o da comunidade quilombola em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, que sofrem com a fumaça expelida por queimadas de lixões desativados, evidenciam o racismo ambiental. Nas cidades, áreas com maior vulnerabilidade e risco de desastres ambientais têm crescido, segundo dados divulgados pelo MapBiomas. Cerca de 18% da área de favelas brasileiras se encontram em situação de risco, reforçando as desigualdades históricas e espaciais. Morar em locais de “riscos” biofísicos é, na maioria das cidades brasileiras, o destino dos pobres, resultando em condições sanitárias precárias, riscos de contaminação, desastres ambientais e doenças que diminuem a expectativa de vida.

O racismo ambiental é uma das consequências do avanço do capitalismo no campo, mas não apenas o agronegócio e a construção de barragens causam danos à população. A especulação imobiliária tem potencializado o racismo ambiental ao impossibilitar a concentração dessas populações em áreas impróprias para moradia. Além disso, possui bases sólidas vinculadas às raízes da degradação ambiental e da desigualdade social que afetam historicamente as populações indígenas, afrodescendentes, camponesas e periféricas no Brasil. Raça e classe estão estritamente vinculados nesse processo de marginalização de uma grande parcela da população, tanto no campo quanto na cidade.

A injustiça ambiental no Brasil tem cor e gênero

Se os impactos da crise climática não são democráticos, eles também não são homogêneos: têm cor, gênero, orientação sexual e isso não deve ser ignorado. Não é possível olhar a grande vulnerabilidade a que tais populações são submetidas sem demarcar que a opressão e exploração do capital tem alvo e o alvo é nossa gente negra, presente no campo e na cidade. Não demarcar essa questão faz parte do mecanismo da democracia racial que busca ocultar a natureza do racismo produzido neste país.

Esses contextos revelam as expressões fenomênicas e as marcas do racismo ambiental. Certamente, não se trata de coincidência que os grupos sociais impactados pelo racismo ambiental são as populações negras diversas (rurais e urbanas) e indígenas, cujos territórios são apropriados para a implementação de grandes projetos e indústrias que geram degradação e severos impactos ambientais, como a contaminação da água, do solo e do ar, expulsando ou inviabilizando a existência destas populações. Em alguns casos, envolve também a expulsão de populações negras de suas comunidades em áreas urbanas, no contexto de gentrificação e branqueamento dos bairros.

O fato é que as mudanças climáticas têm impacto, principalmente, na vida das mulheres negras em todas as regiões do país. Considerando que as famílias brasileiras, chefiadas por mulheres, se concentram, em áreas com menor acesso às políticas públicas estatais e por essa razão, estão mais vulneráveis a riscos e desastres ambientais. O que são verdadeiros crimes cometidos contra uma grande parcela da população.

Luta por justiça socioambiental contra o racismo ambiental

Não é possível dissociar o debate da questão ambiental da desigualdade social alarmante no Brasil. Refletir sobre o racismo ambiental e seus impactos na população urbana e camponesa é fundamental para construir uma consciência ecológica crítica, que valorize a vida acima do lucro e considere as questões étnico-raciais em conjunto com as urgências ambientais.

É preciso disputar a consciência ecológica da população brasileira, pois vivemos um momento de intensa disputa ideológica na sociedade. O campo ideológico reflete os projetos de sociedade em jogo atualmente. Devemos combater o discurso que atribui o colapso ambiental à humanidade de forma genérica, sem considerar a era moldada pela busca infinita de acumulação de capital.

No Brasil, observa-se um tipo de antiambientalismo racializado, carregado de discurso preconceituoso e estigmatizado, que utiliza apelos sociais e midiáticos para marginalizar comunidades étnico-raciais e reforçar narrativas conservadoras que justificam injustiças, privatizações de bens comuns da natureza, degradação, exploração e expropriações. Este antiambientalismo se manifesta em práticas discursivas e materiais para criminalizar a luta pela reforma agrária e outras políticas públicas que podem possibilitar formas dignas de vida no campo.

A luta contra o racismo ambiental é essencial para a justiça socioambiental. Além de denunciar as consequências do aquecimento global, é fundamental atentar para os territórios mais afetados e as emergências que muitas vezes passam despercebidas. Defender o meio ambiente sem considerar os sujeitos mais afetados torna-se apenas retórica. É necessário compreender que as consequências do aquecimento global e do desmatamento não podem ser normalizadas, assim como não podemos aceitar a normalização das injustiças enfrentadas pela maioria da população negra.

Os caminhos para a luta por justiça socioambiental passam pela construção do projeto popular que queremos para o Brasil. A reforma agrária e a reforma urbana são partes essenciais desse projeto contra-hegemônico na sociedade brasileira, pois possibilitam condições materiais de existência e desenvolvimento social e econômico para aqueles que vivem no campo e na cidade, ameaçados pela lógica do capital representada pelo agronegócio e especulação imobiliária. É crucial projetar políticas de reparação histórica para as populações negras impactadas pelo racismo ambiental e construir um campo popular pela via da justiça socioambiental.

* Florence Marcolino é do Movimento Brasil Popular e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Geografia Humana/ USP; Rosa Negra é do MST e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Geografia Humana/ USP

**Editado por Fernanda Alcântara

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

12 + 12 =