O documento cita o caso da jornalista Schirlei Alves, que estaria sendo processada por ter divulgado matéria sobre a conduta de integrantes do sistema de justiça durante audiência
Procuradoria da República no Rio de Janeiro
O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no Rio de Janeiro, encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) uma representação solicitando informações sobre a adoção de estratégias para prevenir violações contra a liberdade de imprensa e o assédio judicial.
O pedido é para que o CNJ e o CNMP informem sobre ações que estejam sendo tomadas no sentido de se evitar uma prática conhecida no âmbito jurídico como “Slapp”, que ocorre quando há o acionamento, por agentes públicos, da via judicial para processar civil e criminalmente, com o objetivo de silenciar críticas ao seu trabalho. Para o MPF, essa prática constitui uma ameaça à liberdade de expressão e gera risco de intimidação da atividade jornalística.
Assinada pelo procurador da República Julio José Araujo Junior, a representação foi expedida em um inquérito da PRDC que acompanha as atividades do fórum de monitoramento das violações à liberdade de imprensa e assédio judicial contra jornalistas. O documento se baseia em representação que trouxe o caso da jornalista Schirlei Alves, que estaria sendo processada por um juiz, um promotor de justiça e um advogado após ter publicado matéria sobre a conduta deles durante o depoimento de uma influenciadora digital vítima de estupro.
A representação foi firmada pelas seguintes entidades: Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji); a Associação Brasileira de Imprensa (ABI): a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj): o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC); o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB); o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação: o Instituto Tomavoz; o Instituto Vladimir Herzog: e a Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
As entidades relataram que que a publicação da matéria da jornalista teve “impactos concretos na sociedade brasileira”, “causou indignação nacional e motivou a criação da Lei 14.245, conhecida como Lei Mariana Ferrer, que prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos”. Frisam também que o Conselho Nacional de Justiça puniu o magistrado, em sessão realizada do último dia 14 de novembro, por sua omissão na condução da audiência.
O caso em questão, envolvendo a jornalista Schirlei Alves, “tem contornos muito singulares, tendo em vista a judicialização nas esferas cível e penal”, destaca Julio Araujo, que enfatiza o acompanhamento por esferas próprias. Apesar disso, ele ressalta o potencial caráter ilustrativo do caso para a discussão sobre estratégias de prevenção do assédio judicial. “A liberdade de imprensa é um pilar fundamental para o funcionamento saudável de uma sociedade democrática, pois desempenha o papel crucial de informar, educar e fortalecer a cidadania”, afirmou o procurador da República. “Ela também está intrinsecamente ligada ao direito à informação, que é essencial para o exercício pleno da cidadania ao permitir que as pessoas participem ativamente na tomada de decisões e no exercício do controle de atos do Poder Público”, concluiu.
O Slapp – sigla em inglês para “strategic lawsuit against public participation” (“ações judiciais estratégicas contra a participação pública”, em tradução livre) – é uma prática já condenada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, lembra o MPF, por caracterizar um uso abusivo de mecanismos judiciais que deve ser regulado e controlado pelos Estados, em prol do bom funcionamento da imprensa.
Neste sentido, há também Recomendações do CNJ (Nº 123/2022) e do CNMP (Nº 96/2023), que orientam, respectivamente, os órgãos do Judiciário e do Ministério Público a observarem tratados e convenções internacionais de direitos humanos em decisões judiciais e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O CNJ, por sua vez, já expediu recomendação para prevenir a litigância predatória, ao passo que o CNMP instituiu um comitê para acompanhar e estimular o cumprimento das decisões da corte interamericana.
“O estabelecimento de mecanismos anti-Slapp e a proteção especial da liberdade de expressão, quando voltada ao interesse público, são medidas imprescindíveis, inclusive para coibir eventuais penalidades e indenizações desproporcionais”, considerou o procurador.
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Arte: Secom/PGR