A propriedade ilegal do senador Plínio Valério, no Rio Negro, é administrada por sua enteada, servidora do senador Osmar Aziz, e oferece “serviço completo à beira da praia”; outras filhas do senador recebem de gabinetes de aliados políticos
Por Carolina Bataier, em De Olho nos Ruralistas
Quer passar férias num charmoso “Chalé de Pedra” no coração da Amazônia? O senador Plínio Valério (PSDB-AM) pode proporcionar a você essa experiência.
De Olho nos Ruralistas contou neste mês como ele possui uma casa em área de proteção ambiental: “Presidente da CPI das ONGs possui imóvel irregular em reserva ambiental na Amazônia. Mas tem mais: ele aluga a casa de veraneio pela plataforma Airbnb, pelo valor de R$ 1.446,00 por noite.
A construção fica na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé, no município de Manaus, onde não há terrenos à venda e a presença de construções de pessoas de fora da comunidade é ilegal, como noticiou com exclusividade este observatório.
A reportagem entrou em contato com o número de telefone disponível no Airbnb. A responsável pelo anúncio é Luciana Alencar da Silva, enteada de Plínio e funcionária do senador Osmar Aziz. Por mensagem de Whatsapp, uma pessoa disse ser Luciana. Ao ser informada sobre o interesse jornalístico do contato, ela não respondeu mais e não atendeu às ligações.
O anúncio mostra um pouco mais sobre o chalé que tem capacidade para acomodar até dez pessoas:
— Nenhum detalhe passa despercebido nesta acomodação charmosa e sofisticada. Possuímos os serviços de Tabacaria (sic) e transporte personalizado.
Os anfitriões não poupam elogios para descrever a acomodação, que tem vista para o Rio Negro, ar condicionado, wi-fi, espaço de trabalho e suíte com cama queen size. “Dispomos de serviços completo e personalizado (sic) para eventos como: aniversários, casamentos e datas comemorativas particulares”, diz outro trecho do anúncio.
O atendimento inclui traslado para a Praia do Tupé, um pequeno paraíso de água doce e areia branca, onde fica a comunidade de São João do Tupé, morada de cerca de 80 famílias em suas modestas casas.
ENTEADA DE PLÍNIO ADMINISTRA O CHALÉ E RECEBE R$ 15 MIL DE OMAR AZIZ
Além de administrar as reservas do “Chalé de Pedra”, Luciana Alencar trabalha como assistente parlamentar no gabinete do senador Omar Aziz (PSD-AM), recebendo salário de R$ 15.200,24. Nas eleições de 2018, Aziz foi o maior doador da campanha de Plínio Valério, contribuindo com cinco fretamentos aéreos que totalizaram um valor de R$ 17.750,00.
Mas a grande paixão de Luciana parece ser o wakeboard, uma espécie de ski aquático com manobras aéreas. Ela é presidente da Federação de Wakeboard do Amazonas e costuma promover encontros e competições pelo estado.
Outras duas filhas de Plínio Valério foram contratadas por políticos aliados do senador. Alana Barbosa Valério Tomaz é assessora na Secretaria da Fazenda do governo do Amazonas, do seu aliado Wilson Lima (União Brasil). Ganha um pouco mais que a meia-irmã: R$ 16 mil.
Camila Valério Tomaz Soares ganha R$ 9 mil como assessora do deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM). Ela é funcionária desde abril de 2021, quando ganhava R$ 5 mil.
CASA DE PEDRA ESTÁ DENTRO DA RESERVA SUSTENTÁVEL DE TUPÉ
O terreno na RDS aparece nas declarações de bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de Plínio desde 2006, quando ele disputou o cargo de senador pelo PV. Em 2010, quando concorreu para deputado federal pelo DEM, o terreno apareceu na declaração acrescido de uma casa, com valor total de R$ 30 mil. Na declaração de bens mais recente, de 2018, há somente a indicação de um terreno no valor de R$ 30 mil, sem informações sobre a localização.
A RDS do Tupé está inserida na Gleba Federal Cuieiras-Tarumã e foi criada por meio do Decreto Municipal 8044, de 25 de agosto de 2005. Em 2008, a prefeitura de Manaus formalizou um processo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) solicitando à autarquia o repasse das terras para o município, ação que ainda não foi concluída.
De acordo com o Incra, por se tratar de uma gleba federal, não há lotes à venda por ali. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade de Manaus (Semmas), responsável pela administração da área, reforça a informação. “É ilegal a aquisição de terras no interior da reserva por terceiros, pessoas que não são da comunidade”, informa, via e-mail.
De acordo com a Semmas, a RDS foi criada com o objetivo de preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, compreendidas como “o conjunto de pessoas residentes e domiciliadas nos limites da Reserva, no seu ato de criação, cujas práticas estejam de acordo com os objetivos de conservação”.
SÉRIE DE REPORTAGENS E VÍDEO MOSTRAM A FARSA DA CPI DAS ONGS
Além do “Chalé de Pedra” de Valério que invade reserva ambiental, os outros membros da CPI das ONGs têm claros interesses para atacar as organizações não-governamentais que protegem indígenas e reservas ambientais.
O vice-presidente da comissão é um dos exemplos mais eloquentes: “Senador Jaime Bagattoli admitiu possuir fazenda em terra indígena em Rondônia”. Ele foi um dos 42 políticos identificados pelo De Olho nos Ruralistas com fazendas incidentes em TIs. Os dados integram a segunda parte do dossiê “Os Invasores“, que detalha a face política das sobreposições, lançado em junho.
O relator Márcio Bittar também tem seus interesses: “Relatório da CPI das ONGs favorece projeto de rodovia que corta ao meio a Serra do Divisor, no Acre“. Pecuarista, o senador faz campanha pelo asfaltamento da BR-364 até o Peru, cortando o Parque da Serra do Divisor, considerada a maior reserva da biodiversidade da Amazônia, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan). Bittar é um dos proponentes do Projeto de Lei (PL) nº 6024/2019, apresentado pela deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC), que visa derrubar o status de proteção integral do Parque Nacional (Parna) da Serra do Divisor.
O senador Chico Rodrigues (PSD-RR), um dos titulares mais ativos da comissão, foi autuado por desmatar 629 hectares de floresta na Fazenda Cacimba Nova, no município de São Luiz do Anauá (RR), em maio de 2006. De acordo com informações disponibilizadas pelo Ibama, a área foi convertida em pastagem. A multa de R$ 189 mil nunca foi paga pelo senador, que ficou famoso por esconder dinheiro na cueca. O processo está ajuizado. Corrigido pelo IGP-M, a multa já está em R$ 629.508,23.
Com essa composição de fazendeiros da Amazônia, a CPI das ONGs acabou seus trabalhos sugerindo a mineração e pecuária em terra indígena, menos poder para o Ministério Público Federal (MPF) e afrouxamento do licenciamento ambiental.
Para saber mais sobre a “CPI das ONGs, a Farsa”, assista ao vídeo do De Olho no Congresso e leia as matérias listadas abaixo.
Imagem principal (Reprodução/Airbnb): o presidente da CPI das ONGs, senador Plínio Valério, aluga seu “Chalé de Pedra”