Ausência das Forças Armadas facilita a volta dos garimpeiros, dificulta ações do governo federal e mantém comunidades Yanomami expostas a riscos de conflito e doenças
Passado um ano da declaração de emergência humanitária na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, a situação in loco mudou pouco. Mesmo com a saída da maior parte dos quase 20 mil garimpeiros que ocupavam ilegalmente o território, as atividades criminosas seguem acontecendo no território. Pior: muitos já retornaram à reserva, aproveitando a inexplicável indisposição das Forças Armadas a se envolver nas ações de fiscalização e proteção dos indígenas.
Nos últimos dias, a imprensa repercutiu sobre a ausência dos militares na Terra Yanomami. Além de não dar apoio logístico às ações de fiscalização da FUNAI e do IBAMA, as Forças Armadas também esvaziaram os esforços do governo federal para a distribuição de cestas básicas, o que manteve diversas comunidades Yanomami em situação de insegurança alimentar.
O Estadão destacou as queixas de servidores da FUNAI e de lideranças indígenas contra a lentidão e a insuficiência do apoio militar na Terra Yanomami. Isso vem sendo sentido de forma mais crítica nas áreas mais distantes do território, próximas da fronteira do Brasil com a Venezuela. Não coincidentemente, essas áreas se tornaram hotspots do garimpo ilegal nos últimos meses.
A região da fronteira também vem servindo como um novo hub para o transporte aéreo ilegal dentro do território Yanomami. De acordo com o UOL, citando informações da Hutukara Associação Yanomami e do Instituto Socioambiental, diversas pistas clandestinas de pouso foram abertas nos últimos meses do lado venezuelano.
“Os garimpeiros estão tentando se adaptar para burlar a fiscalização. Isso já ocorria, mas o IBAMA detectou um aumento do fluxo aéreo para driblar o bloqueio dos rios”, explicou Jair Schmitt, chefe de fiscalização do IBAMA. A retomada dos voos ilegais pelo garimpo acontece a despeito de a Aeronáutica impor uma “restrição total” à circulação de aeronaves não autorizadas no espaço aéreo sobre a Terra Yanomami. A Agência Brasil abordou esse problema.
A persistência da crise humanitária e as críticas públicas, inclusive de representantes indígenas, à omissão dos militares causou incômodo dentro do governo federal. Em reunião recente, o presidente Lula cobrou mais alinhamento entre os ministérios nas ações de fiscalização e de proteção do território.
Como resultado, o Exército e a Aeronáutica anunciaram novas medidas para apoiar as operações antigarimpo e de ajuda aos Yanomami. O portal Metrópoles informou que uma equipe de 50 oficiais deve reforçar o batalhão da 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada para ajudar na fiscalização e no policiamento da região da fronteira.
Já a Aeronáutica iniciou a distribuição de 15 mil cestas básicas a aldeias Yanomami, em uma operação que deve seguir até o dia 31 de março. A medida é curiosa, especialmente porque, em novembro passado, o Ministério da Defesa justificou ao Supremo Tribunal Federal (STF) sua inação por não ser o responsável “primário ou imediato” pela distribuição das cestas básicas. A Agência Brasil e a Agência Pública reportaram o vai-e-vem da Força Aérea.
Enquanto isso, a Folha mostrou como a presença do garimpo segue adoecendo a população Yanomami. Mesmo com as operações emergenciais e de segurança, a incidência de malária aumentou no território em 2023. Segundo o Ministério da Saúde, 25 pessoas morreram pela doença no ano passado, quatro mais do que em 2022 (alta de 19%); o número de casos subiu ainda mais, saltando de 15.824 no ano retrasado para 25.895, um aumento de 64%.
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Rovena Rosa/Agência Brasil