Antônio Canuto, membro histórico da Comissão Pastoral da Terra, relembra as investidas dos latifundiários nos anos 70, apoiados pela ditadura militar, contra camponeses na região do Araguaia, no Mato Grosso; ele trabalhou ao lado de Dom Pedro Casaldáliga, figura central da resistência
Com 82 anos, o padre Antônio Canuto dedicou boa parte de sua vida à luta pelos direitos dos povos do campo, denunciando as violações e violências a que são sujeitados. É autor de dois livros dedicados ao que viu e viveu na região do Araguaia, no Mato Grosso, desde os anos de chumbo da ditadura iniciada em 1964, que impulsionou o latifúndio na Amazônia Legal. Nascido em Caxias do Sul (RS), em 1941, Canuto mudou-se para Mato Grosso aos 30 anos, para se unir aos sacerdotes da Prelazia de São Félix do Araguaia. Aposentado desde 2016, ele dedica os dias livres ao registro das experiências vividas naquele período, quando trabalhou ao lado do bispo Pedro Casaldáliga (1928-2020) na defesa de indígenas e posseiros. Naqueles tempos, os latifúndios iniciavam um processo violento de expansão, ignorando as pessoas que já habitavam aquelas terras. “Havia conflito pra todo lado”, conta. As histórias estão registradas nas obras “Resistência e Luta conquistam território no Araguaia Mato-Grossense” (Editora Outras Expressões, 2019) e “Ventos de profecia na Amazônia – 50 anos da Prelazia de São Félix do Araguaia” (Editora PUC Goiás, 2021). Nesta entrevista à repórter Carolina Bataier, em junho, Canuto contou, em detalhes, sua trajetória.
De Olho nos Ruralistas — Onde o senhor estava antes de ir para o Araguaia?
Antônio Canuto – Em Campinas (SP). Eu acompanhava um grupo de seminaristas de filosofia, eu era já padre. No fim de 1968, esse grupo foi expulso do seminário e eu fui junto. A gente criou uma casa onde morava essa turma, era uma república de uns 20; é aí o nosso começo de relação com o Araguaia. O Pedro (Bispo Pedro Casaldáliga) chegou lá em 1968. Em 1969, em São Félix do Araguaia, os padres resolveram fazer um prédio para a escola. Eles foram bater lá em casa, para ver se algum daqueles jovens não queria ir para São Félix para dar aula. Três rapazes que lá estavam se ofereceram, mais uma menina que trabalhava na paróquia onde eu atuava naqueles anos. Em 1970, eles foram e eu fui visitar. Depois, em 1971, foi mais um grupo. Fui visitar de novo. Na véspera de quando Pedro aceitou ser bispo, dia 8 de agosto de 1971, fizeram uma reunião com todo o grupo. Pedro até tinha feito uma carta renunciando à nomeação de bispo. E aí o pessoal falou: “Tem que aceitar!”. Eu fiquei lá pra ajudar no trabalho que ele ia fazer na ordenação de bispo, para preparar a carta pastoral Uma igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social. A carta tem um texto escrito e tem uma parte maior com os documentos que comprovam as denúncias feitas. Esses documentos eu que fui juntar e organizar.
E como foi o trabalho de reunir esses documentos?
Eu fui até Barra do Garças (MT), no cartório, pegar aquela lista de fazendas que estavam sendo apoiadas pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Fui até Santa Terezinha, onde o padre [François Jacques] Jentel (1922-1979) guardou muitos documentos, muitas cartas que ele escrevia sobre os problemas de lá. Já em São Félix tinha o início de um arquivo onde havia alguns documentos; eu andei por lá tentando juntar, juntei aquilo que dava. E aí saiu aquela carta que provocou muita reação no Brasil e no mundo.
Esses arquivos eram principalmente documentos que mostravam a relação dos fazendeiros com a Sudam ou tinha também denúncias de violência, coisas assim?
As denúncias de violência tinham muitas, mas eram denúncias feitas para a equipe da pastoral da Prelazia de São Félix. Então, por exemplo, tem muitas denúncias de trabalho praticamente escravo. A gente tem lá no arquivo da prelazia essas informações e os conflitos. Em Santa Terezinha, por exemplo, o conflito tinha começado em 1967. O padre Jentel sempre fazia cartas pedindo para que o governo interviesse para resolver e isso nunca acontecia.
O que acontecia naquela região?
Nos anos 50, o governo do estado do Mato Grosso pegou aquela região toda, o norte, dividiu em quadradinhos que correspondiam a mais ou menos 10 mil hectares, que era o tamanho máximo que um estado poderia vender. Cada pessoa que quisesse comprar se inscrevia, solicitava e pagava uma taxa e se tornava dono de 10 mil hectares por lá. Acontece que poucas pessoas sabiam disso, então, houve várias empresas imobiliárias que tomaram conta da coisa e pegavam procurações, verdadeiras ou falsas, e em cima dessas procurações eles solicitavam e ganhavam esse pedaço.
Qual era o objetivo desses incentivos?
Era desenvolver a Amazônia, aquela imensidão vazia (risos). O governo militar criou um projeto para ocupar a Amazônia e ofereceu incentivos fiscais para quem quisesse investir na região. Então o que aconteceu? As empresas correram atrás e foram adquirindo terras e formando essas grandes fazendas. Todas essas empresas entraram na Amazônia com o discurso de desenvolver, mas o que eles queriam era pegar os recursos que o governo dispunha. O que essas fazendas fizeram foi imensas derrubadas para plantar capim para criar gado. Esse dinheiro da Amazônia, a maior parte foi para o desenvolvimento de São Paulo, do Sul, de onde essas empresas vieram.
Quem eram os latifundiários?
O Ariosto da Riva (1915-1992), me parece que junto com o Abelardo Vilela, fez um requerimento junto ao Estado. Conseguiram em torno de 1,2 milhão de hectares. O Ariosto é um desses grandes, que conseguiram essas terras como praticamente dadas. Quando nós chegamos, o Ariosto tinha vendido uns 800 mil hectares para o grupo Ometto, de São Paulo, donos do café Caboclo e do açúcar União, onde instalaram a Fazenda Suiá-Missu. Lá em Santa Terezinha, na região norte, já quase na divisa com o Pará, o Banco de Crédito Nacional, o BCN, adquiriu 370 mil hectares. Nessa fazendinha que eles compraram eles criaram depois a Codeara, a Companhia do Desenvolvimento do Araguaia. Adivinha o perímetro dessa fazendinha? É 540 quilômetros! Uma porcariazinha (risos). Estavam em todo o Vale do Araguaia, no Mato Grosso e no Pará também. No Pará teve a Volkswagen, onde depois houve denúncia de trabalho escravo. O Bradesco tinha uma grande fazenda no Pará. O Silvio Santos tinha a Fazenda Tamakavy, o Banco de Minas Gerais tinha terra…Esses dois últimos são na região da prelazia.
Quais eram os conflitos naquela região?
Essa fazendas chegavam e encontravam comunidades sertanejas, encontravam povos indígenas. E o Estado queria dividir tudo como se fosse mata virgem. Lá em Santa Terezinha, onde o conflito foi mais intenso nos anos de 1967 a 1973, tinha umas cem famílias de posseiros. O povoado começou a existir a partir de 1910, por aí. Em 1932 tinha sido inaugurada uma igreja em cima de um morro de areia e uma grande casa onde seria um convento. A Codeara, quando chegou, se declarou dona de tudo aquilo e criou um projeto de urbanização desconhecendo o que existia. Tem documentos em que eles declaram que a prelazia, a igreja e a casa estavam construídos dentro do território deles. O que houve no passado não interessava.
O senhor foi para Santa Terezinha para ficar alguns meses e acabou ficando anos?
Não. Eu fui para ficar quatro dias enquanto o padre Jentel saía, porque em 1972 teve um tiroteio dos posseiros com a fazenda e a polícia. Nesse braseiro todo, muitas vezes a fazenda dizia que as famílias estavam dentro das terras delas e estavam atrapalhando o trabalho, e o Estado sempre mandava policiais para defender a fazenda. Na área urbana em Santa Terezinha, o padre Jentel tinha uns lotes no povoado perto das casas, porque a escola paroquial e o atendimento à saúde eram feitos no morro de areia e era mais difícil de lá chegar. Nestes lotes ele estava construindo um predinho para a escola e um predinho para um posto de saúde. No fim de fevereiro, a Codeara chegou com um trator de esteira, derrubou os alicerces daquele prédio onde seria o ambulatório de saúde e tapou o poço que tinha sido aberto para puxar água. O padre não estava naquele dia. Quando ele voltou, os posseiros disseram: “Tem que levantar aquilo, porque se a Codeara conseguir derrubar você, o que não vai fazer conosco? Pode levantar que a gente vai defender”. Então, recomeçou a construção. No dia 3 de março de 1972 chegou um avião com um capitão e cinco soldados. Foram lá para embargar a obra, mas eles não foram sozinhos. Desceram na pista da Codeara, lá fizeram uma lista das pessoas que deveriam ser presas e foram acompanhados de um grupo de funcionários da Codeara, possivelmente jagunços, e um gerente. Deram ordem de prisão para os pedreiros que já estavam saindo. Era fim da tarde, entraram com arma na mão. Os posseiros passaram fogo e o negócio esquentou. Nenhum posseiro ficou ferido. Ficaram feridos oito da Codeara. Naquela noite, o padre Jentel saiu para contar a versão do lado dos posseiros e o bispo Pedro me pediu: “Vai lá para Santa Terezinha, fica lá uns quatro, cinco dias, até o Jentel voltar”. Eu fui ficando, enquanto ele estava em Goiânia e Brasília. Acabei ficando treze anos.
E como foram esses primeiros dias?
Eu cheguei no dia 4. No dia 5 chegou um avião búfalo da FAB (Força Aérea Brasileira) com o secretário de segurança, capitães e qurante soldados. Eles foram lá para ver o que tinha acontecido, mas já sabiam quem eram os responsáveis: era o padre e os agentes de pastoral que moravam com o padre. Eu tinha chegado no dia anterior, não sabia de nada, eles me convidaram para acompanhá-los, para ver as trincheiras que os posseiros tinham feito, que isso precisava ser de alguém com um conhecimento militar muito avançado. Sabe o que eram as trincheiras? Cova de banana. Cova para plantar bananeira. E depois mandaram que eu contratasse um rapaz para fechar tudo ainda (risos). No dia 6 chegou outro avião com mais 40 soldados e foram buscar os responsáveis pelo conflito. Os posseiros tinham uma roça grande, de uns cinco alqueires, que corresponde mais ou menos a 25 hectares, era uma roça coletiva, onde estavam colhendo arroz. O padre Jentel estava abrindo uma estrada para essa área e o trator quebrou. Ficou um trecho de uns 500 metros sem abrir. Os posseiros se esconderam na mata e os soldados não se atreveram a entrar.
Os posseiros eram quantos?
Uns vinte, possivelmente, que enfrentavam. Os posseiros todos eram uns 100, 120, mas os que enfrentavam eram uns 20, 25. Prenderam umas quatro, cinco pessoas, para justificar uma movimentação de tropa tão grande. Pegaram pessoas que não tinham praticamente nada a ver com nada, levaram pra Cuiabá, ficaram presos um tempo, depois devolveram. Um deles morreu em decorrência da situação da cadeia, viagem etc.
As investidas policiais continuaram?
Em junho teve a Aciso, uma operação cívico social. O exército baixou lá em Santa Terezinha com um contingente grande. Eles levavam médico, dentista, então faziam atendimentos ao povo para dizer que eram bonzinhos, mas a tropa ia fazer um levantamento da área porque eles tinham a suspeita de que aquilo tivesse ligação, por exemplo, com a guerrilha do Araguaia. Contavam que a gente estava estabelecendo lá um novo foco de guerrilha. Eles ficaram lá um tempo e foram embora. Em outubro, outra operação cívico social. Quem estava comandando essa operação era um general lá de Corumbá, não vou me lembrar exatamente o nome dele. Um dia me chamaram pra receber os generais que iriam chegar. E sabe quem foi lá em Santa Terezinha, um povoadozinho de 2 mil habitantes? O general Humberto de Souza e Melo (1908-1974), que era o comandante do segundo exército, o general Reinaldo de Almeida (1914-2006), que era comandante da nona região militar, com sede em Campo Grande, esse general que já estava lá (não lembro o nome) e era de Corumbá, e tinha mais um general. Em um povoadozinho perdido na Amazônia, quatro generais? Me convidaram para receber esses generais e lá também estava um dos donos da Codeara. Quando os generais iam descendo, ele ia saudando um por um dizendo: prazer em revê-lo. Naquele momento, a prefeitura e a Câmara de Luciara, que era sede do município ao qual Santa Terezinha pertencia, tinham aprovado a desapropriação de 2,6 mil hectares para a área urbana de Santa Terezinha, para ficar independente da Codeara. A Codeara tanto fez, tanto bateu, que esses generais forçaram o prefeito a anular esse decreto e no fim exigiram que a Codeara doasse 250 hectares para a área urbana. Não era nem 10% do que tinha sido desapropriado. Era pra mostrar que aquilo lá era um dos projetos do governo e que ninguém poderia levantar a cabeça contra. Era impressionante.
Esse levante dos posseiros, apoiado pelo padre, foi o momento que iniciou a perseguição por parte da ditadura contra os padres ali?
Tinha conflito em todo lado. E aí, em 1973, em cima de um pequeno conflitozinho no ginásio estadual do Araguaia, em São Félix… o diretor da escola correu atrás de um menino com uma vara, porque o menino estava jogando pedra nos vidros da escola e o pai, um comerciante, disse que ia matar o diretor. E aí, diz que o sujeito não era gente de duvidar. Então os pais, professores e alunos decidiram suspender as aulas, fazer uma greve, enquanto não tivesse segurança. Por causa disso, chegou um batalhão da polícia e com gente do Exército também, prenderam alguns agentes da pastoral que estavam lá no povoado de Serra Nova. Obrigaram o pessoal a reiniciar as aulas com soldados com metralhadora na porta. Isso em junho de 1973. Em julho, teve outra operação dessas e prenderam mais gente. Nesse conflito aí, o comandante da operação apareceu numa reunião lá da escola abraçado com o comerciante que havia prometido matar o diretor. Então, o que se suspeita é que esse comerciante fez parte de uma estratégia para fazer a repressão bater na região e dizer: olha, nós estamos aqui. Eles não tinham algum motivo mais sério para ir, mas, a partir desse momento, eles se deslocaram e prenderam três agentes da prelazia, que foram levados ninguém sabia pra onde, ficaram mais de um mês completamente sem nenhum contato. Em julho voltou a repressão, prenderam mais três agentes, um líder do povoado de Serra Nova e uma senhora que foi aluna do ginásio estadual do Araguaia, que tinha uma atuação mais intensa.
De que forma a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e, antes da fundação da CPT, os padres e os bispos auxiliavam os posseiros?
Por exemplo, isso tudo aconteceu antes de existir a CPT. O que os padres faziam era dizer pros posseiros: vocês têm que resistir, vocês têm direito. A partir de 1973, o atendimento que a igreja dava consistia em um grupo formando por um padre, um professor, alguém da saúde — umas quatro pessoas —, que ficavam uns quatro meses e nesse período o que acontecia? Faziam alfabetização de adultos, atendimento à saúde e reunião com os posseiros no sentido de dizer: vocês têm que estar unidos para defender, vocês isolados não têm força nenhuma. Era essa a atuação da equipe de pastoral lá da Prelazia de São Félix.
E por isso a prelazia foi bastante perseguida pela ditadura?
Isso, por causa da carta pastoral, que denunciava o que estava acontecendo, por causa desses conflitos que estavam acontecendo em Santa Terezinha, quando os posseiros enfrentaram com tiro o poder da Codeara e da polícia e a repressão bateu feia. Esses, que foram presos em 1973, foram torturados com choques elétricos, tentando tirar informações sobre a que organização eles pertenciam, porque eles não entendiam que podia ter jovens que por ideal de solidariedade estivessem naquela região. Como jovens universitários lá de Campinas vão se meter neste fim de mundo aqui? A que organização eles pertencem? Queriam descobrir ou criar ligações com algum movimento de guerrilha. Era isso que eles queriam tirar na marra com choques elétricos e tal, só que não havia nada.
A sede da fazenda Agropasa foi usada para tortura?
Em 1973, quando teve esse movimento da segunda fase da repressão, lá foi estabelecida a sede da operação. A Agropasa cedeu toda a estrutura, certamente cedeu os carros, coisas deles… Foi pra lá que foram levados aqueles que eram presos. Em uma noite de julho, todos os padres da Prelazia de São Félix fomos presos lá pela meia-noite, levados para a sede dessa fazenda. Eu tava lá na casa do Pedro quando um pessoal invadiu a casa, me puxaram, me botaram no carro, tinha um outro padre lá da Serra Nova, tiraram ele da rede onde ele estava dormindo, botaram ele do meu lado no carro, algemados atrelados um no outro; deram um cutucão no estômago, ele cuspiu sangue. Eu só levei uns tapas na cara (risos).
O senhor tinha quantos anos?
Eu tinha 32… Aí os padres foram devolvidos umas cinco da manhã lá pra cidade para evitar que o povo se agitasse, né. Já pensou se alguém resolvesse ver: cadê os padres? Os leigos que estavam presos lá ficaram, na noite seguinte foram levados para Santa Isabel do Morro (TO), na Ilha do Bananal, onde tinha pista de avião asfaltada e tudo. E lá eles passaram a noite amarrados no avião, um com o outro, para no dia seguinte levantar voo para Cuiabá e depois Campo Grande.
A relação entre os agentes da ditadura e os latifundiários era explícita?
Praticamente era. Por exemplo, aquele fato que contei de Santa Terezinha, em 1972, do gerente da fazenda dizer “prazer em revê-los”… Existia já uma relação muito clara. E o fato de naquela operação terem forçado o prefeito a anular o decreto de desapropriação de Santa Terezinha, que era de 2,6 mil hectares, para ficar com 250, isso significa que era uma relação muito clara, né? Todas as forças militares que apareceram lá era para garantir a presença do governo e a ação das fazendas, porque as fazendas estavam lá para cumprir uma determinação do governo, que era ocupar a Amazônia.
Qual foi o resultado das estratégias de resistência junto com os posseiros?
Em Santa Terezinha, a Codeara foi obrigada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a dar 100 hectares para cada família, lotes demarcados e titulados. Onde os posseiros resistiram, praticamente todos ganharam. Houve desapropriação das áreas para criar assentamentos. Aquela região é praticamente a região com mais assentamentos do estado do Mato Grosso. Onde houve resistência, o pessoal conseguiu. Muitos desses assentamentos aconteceram na década de 1980, no governo Sarney, com a redemocratização.
O que mudou ao longo dos anos na atuação da CPT?
A CPT também tem trabalhado lá na região na tentativa de o pessoal melhorar a produção. É uma tentativa pequena, frágil, mais no sentido de criar essas áreas agroflorestais onde você planta e preserva o meio ambiente. E a CPT no resto do Brasil apoia todas as lutas pela conquista da terra, mas também trabalha para que o pessoal produza de modo mais sustentável. Agora, lá na região, o avanço do agronegócio é violentíssimo e a maior parte daqueles assentamentos, o pessoal assentado acabou sendo obrigado a vender os espaços que tinham ou arrendar para plantio de soja. Então, é uma tristeza. Esse é um impacto posterior. Havia imensas áreas florestadas, hoje você anda lá não vê um pé de árvore, tudo é soja. E aquelas famílias que querem resistir acabam tendo que sair por causa do veneno que é borrifado e prejudica a saúde. Não conseguem sobreviver por causa do veneno e a produção que eles têm, que é pequena, acaba sendo prejudicada por causa do veneno, mata tudo. A saúde da pessoa também fica prejudicada por causa do veneno.
A agricultura familiar naquela região ficou inviável?
Tem tentativas de continuar fazendo. Estabeleceram lá agora um instituto federal, o Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT) que tem tentado trabalhar com indígenas, com pequenos posseiros, para ter uma agricultura sustentável. Mas é ainda frágil, pequeno. E cria-se todo um cenário em volta em que a sociedade toda apoia o agronegócio, né? O agronegócio traz progresso, traz desenvolvimento…Hoje a hegemonia do agro é um negócio.
Foto principal (Amanda Costa/CPT Nacional): Antônio Canuto tem dois livros sobre a história dos conflitos agrários no Araguaia