Mulheres Sem Terra mobilizam Jornada Nacional em defesa de seus corpos-território

Com o lema: “Lutaremos! Por nossos corpos e territórios, nenhuma a menos!” milhares de mulheres Sem Terra se mobilizam entre os dias 6 a 8 de março

Da Página do MST

Entre os próximos dias 6 a 8 de março, a Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra 2024 ocupará todas as grandes regiões do país, entoando as mobilizações e atos no campo e cidade, com o lema: “Lutaremos! Por nossos corpos e territórios, nenhuma a menos!”

As mobilizações acontecem em denúncia às violências estruturais do sistema capitalista que afetam diretamente a vida das mulheres, por meio da instituição do patriarcado, do  racismo e LGBTQI+fobia.

Além de protestar contra uma série de outras violações, como as desigualdades sociais, a fome e a pobreza, criadas a partir da mercantilização da vida, dos bens comuns e da natureza.

Destacando a denúncia da violência cotidiana enfrentada, tanto nos territórios como nas esferas doméstica e política.

Dessa forma, a convocatória da Jornada se destina às mulheres trabalhadoras do campo e da cidade para unirem-se na luta em defesa da Reforma Agrária Popular, na produção de alimentos saudáveis no combate à fome e na construção do Feminismo Camponês.

Em defesa da Reforma Agrária Popular como medida contra a violência no campo e contra a fome garantindo trabalho, renda e dignidade, com reconhecimento e demarcação de terras indígenas e tradicionalmente ocupadas, além de acesso às políticas públicas.

Na promoção da agroecologia para produção de alimentos saudáveis, contribuindo para equilíbrio ambiental, para o enfrentamento às mudanças climáticas e as mazelas da insegurança alimentar.

E na construção do Feminismo Camponês Popular como estratégia de combate ao patriarcado e ao racismo, combatendo toda forma de violência contra os corpos-território das mulheres e contra a população LGBTI+.

Lucineia Freitas, da coordenação nacional do Setor de Gênero do MST, conta que durante a Jornada haverá ações diversas, com acampamentos de formação, marcha e negociação a níveis regionais, seja em órgãos federais ou em órgãos estaduais.

Dessa forma, a Jornada se faz em diálogo com a sociedade, diálogo com o governo e em ações de solidariedade, trazendo a importância de recolocar a reforma agrária na pauta política brasileira, para o enfrentamento das violências estruturais no contexto agrário e que fomentem também políticas públicas considerando a interseccionalidade das questões raciais e de gênero.

“Enfrentar as violências cometidas contra as mulheres, seja no campo ou na cidade, tem uma centralidade nessa perspectiva e perpassa por enfrentar a fome, aumentar os aparelhos sociais de atendimento às mulheres” – entre outros fatores, conta a coordenadora.

Essa jornada traz uma pauta longa que dialoga com as mulheres da classe trabalhadora como um todo, ou seja, não só denunciando as violências contra as mulheres e seus territórios, contra as expropriações de comunidades, mas em apelo ao interesse geral; reivindicando o acesso à alimentação e a comida saudável, luta que está intrinsecamente ligada a resistência coletiva dos territórios tradicionais, e modos de produção, seja dos povos do campo, das águas e das florestas, que resguardam a sustentabilidade e a soberania no eixo central de sua coletividade e modos de vida.

“Quando a gente fala desses efeitos [das violências], quando a gente fala dos dados da fome, tanto no campo quanto na cidade, isso está vinculado à crise climática, mas também aos conflitos. [..] E esse enfrentamento passa necessariamente pela garantia dos territórios e pela implementação da Reforma Agrária Popular.” – destaca Lucineia.

E toda essa luta perpassa também em celebração aos 40 anos do MST, considerando que o Movimento nasce nesse enfrentamento dessa violência da expropriação. E continua construindo a partir do Feminismo Camponês, mas também levando esse diálogo com as mulheres urbanas e a classe trabalhadora de forma geral, na prática do enfrentamento à violência e ao avanço do neofascismo, que tem como base fundamentalista o fascismo, o racismo e o patriarcado.

Violência estrutural no campo

A mobilização das Mulheres Sem Terra se levanta em Jornada contra a crescente violência estrutural no campo, especialmente em relação aos assentamentos e acampamentos e territórios de comunidades tradicionais e indígenas. Denuncia também a paralisação da Reforma Agrária, que não avança desde 2018,  durante os governos de Temer e Bolsonaro, e ainda o sucateamento de políticas para a agricultura familiar.

Enquanto isso, a violência vem aumentando, mobilizada principalmente, a partir da atuação de grupos de milícias rurais organizadas pelo “Movimento Invasão Zero”.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), mais de 100 mil famílias sofreram com a violência no campo no último período, somente durante o primeiro semestre de 2023, houveram 973 conflitos. Os conflitos, que seguem se agravando, continuam sendo, em sua maioria, conflitos pela terra (791), seguidos do trabalho escravo rural (102) e conflitos pela água (80).

No segundo semestre de 2023, a violência no campo permaneceu aterrorizando as famílias do campo, que lamentavelmente, resultou no assassinato de três Sem Terras no Nordeste.

Em 2024, o recente assassinato da Pajé Pataxó Hã Hã Hãe, na Bahia, evidencia a continuidade da violência que tem ceifado os corpos-território daquelas/es que lutam contra a concentração de terras e a sanha do capital.

Neste cenário de terror, as mulheres são particularmente afetadas, tanto pela violência do capital quanto pelo patriarcado, sofrendo impactos cotidianos, em que a face mais cruel se concentra na violação e morte daquelas que ousam existir e resistir.

Patriarcado, racismo e capitalismo

Existe uma interconexão entre violência contra as mulheres, patriarcado, racismo e capitalismo. E afirmamos que toda violência contra mulheres é política, enraizada em relações de poder naturalizadas e perpetuadas a partir de uma matriz ideológica machista, fascista e fundamentalista-religiosa, que precisa ser combatida com urgência e em estado permanente.

Segundo o levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no último ano houve um crescimento dos casos de feminicídio e de estupro.

Apenas no primeiro semestre de 2023, 1.902 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que representa um aumento de 2,6% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Quando o crime é estupro, o número de casos saltou ainda mais, são mais de 34 mil casos registrados nos primeiros seis meses de 2023, aumento de 14,9% em comparação com o mesmo período de 2022. Isto significa que, a cada 8 minutos, uma menina ou mulher é vítima desse tipo de crime no país.

Há ainda a preocupação com a subnotificação, quando a vítima não detém de meios e ou não tem coragem de denunciar, e as autoridades não ficam sabendo do caso, que não é contabilizado. De acordo com os dados do Mapa Nacional da Violência de Gênero, mais de 60% das mulheres que sofreram violência em 2023 não procuraram uma delegacia para registrar a ocorrência.

No levantamento do Mapa, na categoria de feminicídios, foram registrados 1.127 nas delegacias do país, até outubro de 2023. Em 2022, segundo os números mais atualizados, ainda preliminares, foram registradas um total de 3.423 mortes violentas de mulheres no país.

Além da violência fatal, 202.608 mulheres sofreram algum tipo de violência em 2022, dados mais recentes, ainda preliminares, disponibilizados pelo Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Já em 2023, 529.690 mulheres recorreram às medidas protetivas de urgência.

Nos últimos anos, até 2022, nós tivemos uma redução bastante expressiva nos investimentos federais no combate à violência contra a mulher. E recursos são muito importantes para que se possa produzir políticas públicas pra combater a violência contra as mulheres.

As estatísticas da CPT também demonstram um aumento da violência contra mulheres no campo, passando de 94 registros, em 2022, para 107, em 2023, um número que vem crescendo desde 2021. O destaque foi para os estupros de 30 adolescentes yanomami por garimpeiros ilegais no mês de fevereiro. Contudo, as mulheres também sofrem com intimidação (20), ameaças de morte (16), agressão (6), criminalização (5), cárcere privado (5), dentre outros, lembrando que a mesma pessoa pode sofrer mais de uma violência numa mesma ocorrência.

Durante o primeiro semestre de 2023, também foram registrados 18 assassinatos em contexto de conflitos no campo. Quase 80% dos casos ocorreram na Amazônia Legal (11), o que torna a região a mais vulnerável para a violência que dizima a vida de pessoas no campo brasileiro, sendo cerca de metade desse número relacionada à contaminação por agrotóxicos. Os povos indígenas ainda são os maiores afetados por esta violência fatal (6), seguidos dos trabalhadores sem terra (5), posseiro (1), quilombola (1) e funcionário público (1).

Em relação à categoria que sofre a violência por terra, os povos indígenas e suas comunidades são as mais atingidas com 38,2% dos casos, seguida dos trabalhadores rurais sem terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%).

A luta contra a violência é uma luta política e social, essencial para a emancipação das mulheres e a construção de uma sociedade mais igualitária.

Sobre essas interseccções, o racismo alicerça a formação das instituições públicas e privadas brasileira, também é matriz de violência, é a base que justifica o processo histórico de expropriação das terras e o genocídio das populações tradicionais e indígenas, além do ecocídio nos diferentes biomas. O racismo é estrutural no Brasil e conforma os desenhos do racismo ambiental e fundiário. A força de trabalho no campo é negra, mas a propriedade é privada e branca.

Crise ambiental e a ofensiva do agronegócio contra corpos-territórios indígenas e campesinos

As mulheres Sem Terra enfatizam também, a denúncia de diversas questões urgentes, como a crise ambiental, e o avanço do agronegócio em ofensiva contra corpos-territórios indígenas e campesinos.

Quando se analisa quem foram os maiores causadores das violências no campo, os fazendeiros (19,75%) se colocam um pouco acima do Governo Federal (19,33%) e seguidos por empresários (16,95%), governos estaduais (13,31%) e grileiros (8,54%).

Mesmo com a criação de ministérios como o dos Povos Indígenas, Igualdade Racial, e o restabelecimento do do Ministério do Desenvolvimento Agrário e outras medidas do governo Lula, a força política do agronegócio impede uma maior  efetividade de políticas públicas para as populações do campo.

Além do agronegócio, que gera alta contaminação por agrotóxicos, os empreendimentos de mineração, usinas hidrelétricas e também energias renováveis, como a eólica, são apontados como fatores de conflitos que impedem o bem viver de comunidades tradicionais em todo o país.

Há ainda violências decorrentes dos poderes públicos a partir, principalmente, da não garantia dos direitos previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais, em empreendimentos públicos ou privados que poderão afetá-los diretamente.

A omissão e conivência do Governo Federal se manifesta também na não demarcação de territórios de povos originários e tradicionais, impedindo-os de permanecerem nestes locais. Além disso, os Governos Estaduais intensificaram, por meio do aparato policial e pseudo-jurídico, a perseguição aos movimentos organizados de luta pela terra em alguns estados no Brasil.

Dessa forma, as mulheres Sem Terra protestam pela realização imediata da Reforma Agrária e a demarcação de territórios indígenas e quilombolas, garantindo a integridade das comunidades que protegem o campo, as águas e as florestas.

E destacam a importância da mobilização contínua, não apenas no Dia Internacional da Mulher, mas todos os dias, encorajando a persistência nas lutas por justiça social, igualdade e dignidade, com esperança e determinação.

*Editado por João Carlos

Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra. Foto: Matheus Alves

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