“Fundos verdes” do BNDES financiaram R$ 1,8 bilhão para empresas multadas pelo IBAMA

Lista de beneficiados com empréstimos “sustentáveis” do BNDES que foram multados pelo IBAMA inclui gigantes envolvidas em escândalos ambientais, como a Vale e a Braskem.

ClimaInfo

De um lado, a legislação ambiental dá uma base ampla à fiscalização para punir empresas que não cumprem as regras. Nesse ínterim, as companhias abusam de recursos administrativos e processos judiciais para protelar o pagamento de multas pelo maior tempo possível, preferencialmente até a prescrição. E do outro, essas mesmas empresas vão aos cofres públicos buscar dinheiro destinado a projetos “sustentáveis”. Que, por falta de mecanismos de controle que conversem com os órgãos ambientais, concedem empréstimos a juros camaradas e prazo idem.

De forma simplificada, essa é a lógica por trás de um levantamento feito por Rafael Oliveira na Agência Pública com base em dados do BNDES. A apuração revela que o “banco nacional do desenvolvimento sustentável” – como se autointitula a instituição financeira em seu site – emprestou mais de R$ 1,8 bilhão oriundo de instrumentos financeiros sustentáveis para empresas que somam R$ 590 milhões em multas aplicadas pelo IBAMA. A lista de beneficiadas com esses empréstimos “sustentáveis” que foram multadas inclui gigantes envolvidas em escândalos ambientais, como a Vale e a Braskem. E também Anglo American, Mineração Rio do Norte, Pedra Agroindustrial, O Boticário e Suzano.

Ao todo, o BNDES liberou R$ 5,6 bilhões em financiamentos verdes, dos quais R$ 1,8 bilhão se destinaram a empresas multadas pelo IBAMA. O total de infrações emitidas a essas companhias pelo órgão ambiental é de R$ 590,9 milhões. Mas apenas R$ 46,6 milhões desse valor, correspondente a 7,6% do total, foram pagos.

Os quase R$ 2 bilhões destinados pelo banco por meio de instrumentos sustentáveis a empresas multadas representam cerca de um terço do total despendido entre 2006 e novembro de 2023 com o Fundo Clima e com os instrumentos financeiros “Meio Ambiente” e “Meio Ambiente – Incentivada A”. Do valor total contratado, as empresas multadas desembolsaram R$ 976 milhões até a publicação da reportagem. O levantamento não considerou as multas canceladas, prescritas, suspensas sem depósito judicial, ou que foram baixadas por conta de recursos deferidos.

As regras do BNDES impedem apoio a quem cometeu crimes contra o meio ambiente. Na página “Atividades, empreendimentos e itens não apoiáveis pelo BNDES”, a instituição afirma não fornecer “apoio financeiro a clientes condenados, seja na esfera administrativa ou judicial, por atos que envolvam: […] crime contra o meio ambiente”. Afirma ainda que, “no caso de ter havido uma condenação pelos atos acima, a contratação ficará impedida até a comprovação da regularização da situação pelo cliente”. Dentre as multas analisadas pela Pública, a maior parte ainda está em fase de contestação e análise de recursos, sem condenação definitiva.

Para Luciane Moessa, diretora executiva e técnica da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), a despeito dos autos de infração ainda serem passíveis de reversão, os dados são “preocupantes” e as operações de crédito dessa natureza “deveriam estar vinculadas a compromissos de regularização ambiental”.

“A gente está falando de produtos verdes, que buscam gerar impacto ambiental positivo. É muito importante ter indicadores objetivos e ter monitoramento para garantir que isso vai ser gerado. Isso implica que uma empresa com irregularidades ambientais jamais vai receber crédito com essas características? Não. Mas, se os recursos são limitados em uma linha de crédito verde, o agente financeiro deveria premiar empresas com melhor performance ambiental”, destacou.

Antonio Cruz / Agência Brasil

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