Jorge Bermudez fala sobre a construção da Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, que demonstra a retomada do pensamento científico à agenda do governo federal. O caminho ainda é longo, explica, e por isso é essencial a participação da sociedade civil
por Gabriel Brito, em Outra Saúde
O governo federal e algumas de suas principais lideranças gostam de se dirigir ao público em determinados eventos e ações com o mantra “a ciência voltou”. De fato, há argumentos favoráveis, desde o prestígio de questões básicas como apoio à vacinação da população à retomada de investimentos em saúde e pesquisa científica.
No entanto, parece consensual que ainda há um longo caminho a percorrer para que a ciência e a inovação ocupem lugares centrais no projeto de desenvolvimento social e econômico brasileiro. Neste momento, as Conferências de Ciência e Tecnologia, realizadas por todo o país e que culminarão num evento nacional em junho, parecem revestidas de importância especial.
“Temos a segurança de que estamos sendo partícipes da reconstrução das bases científicas e tecnológicas nacionais. É o nosso compromisso”, afirma Jorge Bermudez, membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do MCTI e da comissão organizadora da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Como já manifestado nas diversas etapas preparatórias, o campo da Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) brasileiro é importante plataforma de elaboração de políticas públicas, que devem se refletir no direito à saúde e no SUS, entre outros âmbitos. No atual contexto, está diretamente relacionada com a nova etapa do desenvolvimentismo elaborada pelo governo petista, que tenta incrementar uma indústria nacional de saúde, bioeconomia, inovação e sustentabilidade ambiental, conforme manifestado nas “missões” do projeto de Nova Industrialização.
“Corroborando a experiência das Conferências Nacionais de Saúde, o ministério deu partida à organização e debates prévios necessários para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, anunciada para 4 a 6 de junho deste ano em Brasília, com o objetivo principal de promover o diálogo entre o governo e a sociedade para ter um sistema de ciência e tecnologia, um planejamento estratégico e recursos para os dez anos seguintes”, elucida Bermudez.
Médico, pesquisador da Fiocruz e conselheiro da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) e da OMS (Organização Mundial da Saúde), Bermudez deposita esperanças de que, após anos de apagamento total de qualquer ideia razoável de progresso, quando o país orgulhosamente se afirmou um “pária internacional”, de acordo com as palavras do ex-chanceler Ernesto Araujo, o Brasil possa retomar um caminho condizente com os desafios do século 21. “Acredito que a liderança, experiência política, parlamentar e de gestão da ministra Luciana Santos e sua equipe colocam altas ambições na política nacional de CT&I”.
Em sua visão, a Conferência tem os méritos de ampliar vozes e atores participantes das inúmeras propostas que chegarão a Brasília no mês de junho. E aqui é valido destacar a construção de espaços institucionais de participação e escuta da sociedade. “A Conferência Livre se caracterizou como um espaço amplo de debate sobre a interação da C&T com a Saúde, questões de diversidade, iniquidades e desigualdades presentes no Brasil e dos desafios a superar”, destacou.
Caberá ao governo, suas lideranças, ministérios e também sociedade civil honrarem o lema oficial da conferência: “para um Brasil justo, sustentável e desenvolvido”.
Confira a entrevista completa com Jorge Bermudez.
O que esperar da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em junho próximo, e seus frutos posteriores?
Primeiramente, um mergulho total com objetivo de consolidar propostas e projetos existentes, a identificação clara de prioridades e diretrizes do Governo Federal e um trabalho integrado no contexto das Comissões Temáticas Setoriais recentemente aprovadas. Elas são, resumidamente: recuperação, expansão e consolidação do sistema de CT&I; reindustrialização e apoio à inovação; CT&I para programas e projetos estratégicos nacionais; CT&I para o desenvolvimento social.
Certamente, será um trabalho exaustivo, em que estaremos mobilizando nossas instituições e a sociedade em geral. Podemos afirmar que temos uma enorme jornada antes, durante e depois da 5ª Conferência Nacional, para incorporar as propostas e trabalhar em cima das prioridades estabelecidas, sob a orientação da equipe de gestão do MCTI.
De toda forma, temos a segurança de que estamos sendo partícipes da reconstrução das bases científicas e tecnológicas nacionais. É o nosso compromisso.
O que é o projeto Integra e qual sua função neste processo de elaboração de políticas de ciência?
O Projeto INTEGRA, do qual participo como membro da Comissão Organizadora, consiste numa parceria entre o Conselho Nacional de Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Escola Nacional dos Farmacêuticos. Conta com o apoio da Federação Nacional dos Farmacêuticos, do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde. Seu objetivo principal é promover a integração de políticas públicas, notadamente a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, a Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde e a Política Nacional de Vigilância em Saúde, promovendo a capacitação de lideranças, profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS.
O que pode nos falar sobre as etapas que antecedem a Conferência Nacional, nas suas etapas regionais e a Conferência Livre de 12 de março, já em Brasília?
A Conferência Livre foi organizada e promovida pela Comissão Organizadora do Projeto INTEGRA e a Secretaria Nacional de Participação Social da Presidência da República, como parte integrante da etapa preparatória para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, e obedece a toda uma regulamentação para sua estruturação e agendamento.
Com cerca de 300 pessoas inscritas, a metade delas de maneira presencial, a Conferência Livre se caracterizou como um espaço amplo de debate sobre a interação da C&T com a Saúde, questões de diversidade, iniquidades e desigualdades presentes no Brasil e dos desafios a superar.
Foram elaboradas uma série de propostas e recomendações que estão sendo consubstanciadas em relatório a encaminhar com vistas à Conferência Nacional. Todas as pessoas presentes foram unânimes em concordar com a oportunidade e a riqueza dos debates e a importância das contribuições para futuras ações nos campos da Saúde e da CT&I.
Qual é a importância política do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia nesta construção aqui descrita?
De acordo com a regulamentação, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT/MCTI) é um órgão consultivo de assessoramento superior do Presidente da República, tendo a seu cargo propostas de formulação e implementação da política nacional de CT&I, como um dos eixos estruturantes do desenvolvimento econômico e social do Brasil.
O CCT é composto de 67 membros, incluindo 17 ministros de Estado, 8 membros entre produtores e usuários de ciência e tecnologia, 9 representantes de entidades, todos eles com seus suplentes. A presidência do CCT cabe ao presidente da República e a vice-presidência à ministra de Ciência Tecnologia e Inovação, Luciana Santos. E acredito que a liderança, experiência política, parlamentar e de gestão da ministra Luciana Santos e sua equipe colocam altas ambições na política nacional de CT&I.
Uma das competências do CCT é opinar sobre programas ou propostas que possam impactar a política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico, de maneira que podemos ver um panorama fértil pela frente. Adicionalmente, a diversidade e solidez nos membros do CCT permitem pensar numa interação altamente positiva e inovadora, ainda mais em se tratando do ano da Conferência Nacional.
Por que as autoridades vêm colocando que a “Ciência está de volta” e “o Brasil de volta ao mundo”? O que é discurso oficial e o que é realidade?
As políticas implementadas pelo governo anterior tentavam desacreditar as evidências científicas como essenciais na Medicina, implementando o que podemos denominar do Negacionismo com a Ciência e a Medicina, expressado na negação da necessidade de vacinar a população no auge da pandemia de covid-19 e propagação de medicamentos sem nenhuma eficácia comprovada.
Mesmo nessas circunstâncias adversas, as iniciativas da Fiocruz e do Instituto Butantan conseguiram superar as dificuldades e incorporar as tecnologias para a produção de vacinas para atender as necessidades do nosso SUS. Hoje, é possível fazer esse tipo de afirmação não apenas pela ocupação da liderança no G20, no Mercosul e na ampliação do escopo dos BRICS, mas pela dinâmica e integração entre os diversos ministérios.
Neste curto espaço de pouco mais de um ano de intenso trabalho e compromisso social, realizamos a 17ª Conferência Nacional de Saúde, em julho de 2023, com ampla participação social, onde se pregou o fortalecimento do SUS e se fez um relatório repleto de propostas que refletem a maturidade do nosso Conselho Nacional de Saúde.
Corroborando a experiência das Conferências Nacionais de Saúde, o MCTI deu partida à organização e debates prévios necessários para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, anunciada para 4 a 6 de junho deste ano em Brasília, com o objetivo principal de promover o diálogo entre o governo e a sociedade para ter um sistema de ciência e tecnologia, um planejamento estratégico e recursos para os dez anos seguintes.
Uma série de reuniões preparatórias certamente irão enriquecer o diálogo e as discussões durante a etapa nacional, incluindo Conferências Livres, reuniões temáticas, conferências municipais, estaduais e distrital e conferências regionais.
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Jorge Bermudez. Créditos: Viomundo