Dos R$ 1,6 bilhão em emendas de parlamentares do estado, apenas R$ 2,5 milhões se destinaram a prevenção de desastres climáticos e mitigação.
Não param de crescer os números de mortos [95], desaparecidos [131], afetados [1,4 milhão] e desalojados [207,8 mil] pela tragédia climática que há mais de uma semana atinge o Rio Grande do Sul e que deve se estender por mais dias, chegando a mais regiões do estado. A solidariedade e a mobilização, tanto nas cidades inundadas e destruídas como em todo o país, multiplicam-se na velocidade do desespero das pessoas que sofrem com as chuvas extremas e seus efeitos. Os prejuízos materiais e financeiros aumentam na mesma medida.
Diante do imenso drama, dói saber que parte disso poderia ter sido evitado se governantes e parlamentares levassem a sério os efeitos das mudanças climáticas e agissem para mitigá-los, adaptar cidades para esse “novo anormal” e eliminar os combustíveis fósseis, o desmatamento e as práticas predatórias de parte do agronegócio brasileiro. Mas não é o que acontece.
A equipe da coluna de Malu Gaspar, d’O Globo, consultou os programas de governo submetidos pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de 2022 e 2020, respectivamente. E constatou que a prevenção a desastres e a possibilidade de eventos climáticos extremos não foi mencionada nenhuma vez nos documentos.
Nas 58 páginas do plano de governo de Leite, reeleito em 2022, a referência mais próxima a adaptação e mitigação climáticas é uma menção genérica à implementação de um “planejamento metropolitano e das aglomerações urbanas” no tópico de infraestrutura. O programa de Melo é mais enxuto – 17 páginas – e também não trata de prevenção de desastres naturais. No campo do meio ambiente, ele se limitou a defender a despoluição das águas do Guaíba.
A ausência da prevenção a eventos extremos decorrentes da crise climática não ficou só nos documentos. Segundo o UOL, a Prefeitura de Porto Alegre comandada por Melo – que é pré-candidato à reeleição neste ano – não investiu um real sequer em prevenção a enchentes em 2023. A situação ocorre mesmo com o departamento que cuida da área tendo R$ 428,9 milhões em caixa. Os dados foram retirados do Portal da Transparência da capital gaúcha.
Mesmo sem colocar um tostão em adaptação, no ano passado a prefeitura começou a elaborar seu plano de ação climática, que estava previsto para ser apresentado em julho próximo. A equipe que conduz o programa fez a análise de seis ameaças: inundação fluvial, deslizamentos/erosão, ondas de calor, secas meteorológicas, vetores de arboviroses e tempestades. Traçou cenários de médio (2030) e longo prazos (2050). Mas as descrições e projeções de risco que o plano faz para o futuro são quase um retrato fiel do que está acontecendo hoje na capital gaúcha, destaca o Capital Reset.
Deputados federais e senadores do Rio Grande do Sul também ignoram as mudanças climáticas e o meio ambiente na hora de despachar verbas para seu estado. Para 2024, os parlamentares gaúchos destinaram quase R$ 1,6 bilhões em emendas individuais e de bancada, em 408 aportes diferentes. Mas a equipe da coluna de Juliana Dal Piva no ICL Notícias localizou apenas 4 repasses, totalizando R$ 2,5 milhões – 0,15% do total –, em emendas individuais, de bancada ou de comissão para prevenção de desastres, defesa civil, ações de cunho ambiental ou de mitigação das mudanças climáticas no orçamento. São duas emendas da deputada Fernanda Melchionna (PSOL), somando R$ 1,7 milhão, uma de Reginete Bispo (PT), de R$ 500 mil, e outra de Maria do Rosário (PT) de R$ 300 mil, ambas também deputadas.
No ano passado não foi diferente, mostra o SBT. Além de Fernanda Melchionna, com R$ 488,76 mil, e Maria do Rosário, com R$ 407,30 mil, apenas o deputado Alceu Moreira (MDB), com R$ 814,60 mil, direcionou recursos do Orçamento da União para a prevenção, de forma direta ou indireta, dos desastres. São ao todo R$ 1,71 milhão – 0,14% dos R$ 1,17 bilhão das dotações de todas as emendas dos parlamentares do Rio Grande do Sul em 2023.
Não é exclusividade dos congressistas gaúchos. De acordo com o UOL, desde o início de 2023, apenas uma dos 513 deputados da Câmara – Célia Xakriabá (PSOL-MG) – indicou recursos para ações relacionadas à mudança do clima no Ministério do Meio Ambiente. E nenhum destinou verbas ao Ministério da Integração para recuperação das cidades após desastres naturais.
A inação parlamentar quanto às verbas se converte em ação anticlimática quando se trata de apoiar e votar a favor de projetos que destroem o meio ambiente, flexibilizam a legislação ambiental e aceleram as mudanças climáticas, desabafou Marcio Astrini, secretário-Executivo do Observatório do Clima. Um movimento liderado pela bancada ruralista, que, mostra Míriam Leitão n’O Globo, não para sua sanha por destruição nem diante da tragédia.
“A emergência é tentar mitigar as perdas e as dores dos gaúchos, mas é preciso ir além, porque o clima continuará superando os cenários. Nada impressiona, contudo, os ruralistas. A CCJ do Senado colocou em pauta para amanhã [hoje, 8/5] proposta para reduzir a reserva legal na Amazônia com o relatório favorável do senador Marcio Bittar (União-AC)”.
Na Folha, Vinicius Freire Torre reitera essa avaliação: “A gente pode lembrar ao deputado e ao senador em quem votou como eles estão dilapidando recursos em nada ou em obrinhas do curral onde querem pastar votos. Pode mandar um telegrama também para seu prefeito, governador ou presidente ‘passa boiada’; perguntar quantas pessoas as emendas parlamentares e gastos inúteis deles mataram em ‘desastres naturais’”, provocou.
Valor, Estadão, O Globo, BBC, Metrópoles, CNN, g1, Climatempo, Canal Rural e diversos veículos nacionais e internacionais continuam repercutindo a tragédia climática no Rio Grande do Sul.
Em tempo: Mais eventos climáticos extremos no mesmo nível ou piores que o atual devem atingir o Rio Grande do Sul, dizem cientistas brasileiras que colaboraram com o IPCC. Em um relatório publicado em 2023, os especialistas do painel apontaram pela primeira vez uma relação entre as fortes precipitações observadas na região que engloba o Rio Grande do Sul desde a década de 1950 e as mudanças climáticas, destaca a BBC, em matéria reproduzida pela Folha. Segundo a pesquisadora Thelma Krug, vice-presidente do órgão entre 2015 e julho de 2023, a constatação é apenas reforçada pelas fortes chuvas e a tragédia que afeta o estado. “Infelizmente, acredito que há uma probabilidade muito grande de que esses eventos voltem a ocorrer de forma mais frequente e intensa”, ressaltou Thelma.
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Ricardo Stuckert/PR