Uma das demandas da comunidade é a ampliação do território para preservar a privacidade dos rituais secretos
Os indígenas da comunidade Aconã, em Traipu, deram as boas-vindas aos visitantes da Fiscalização Preventiva Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (FPI do São Francisco) com a dança do Toré, no coração do Ouricuri, onde realizam seus rituais sagrados, incluindo o ritual secreto de mesmo nome, que requer oito dias de total concentração da comunidade. Localizada no Sertão alagoano, a cerca de 200 km de Maceió, a comunidade é composta por 120 residentes distribuídos em 35 famílias e enfrenta desafios para a realização das práticas sagradas devido a questões territoriais.
O encontro da Equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural da FPI do São Francisco teve como objetivo promover a aproximação das instituições e acolher as demandas do povo indígena Aconã. A equipe é composta pelo Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) e Secretaria de Estado da Mulher e Direitos Humanos (Semudh).
Desafios e providências
Antes da recepção no espaço sagrado, a equipe se reuniu com a comunidade e suas lideranças, representadas pelo cacique Djalma Saraiva e pelo pajé José Reinaldo. As principais dificuldades enfrentadas pela comunidade envolvem infraestrutura básica, como acesso à água e transporte, além de deficiências na prestação de serviços de educação. Após 20 anos de espera, a construção de uma escola de educação indígena está em andamento, com previsão de entrega em dois meses.
Para o transporte de doentes, a comunidade conta apenas com um veículo disponibilizado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) AL/SE. A água utilizada é captada diretamente do Velho Chico, sendo consumida sem tratamento, o que representa um risco para a saúde da comunidade. No entanto, uma tubulação foi construída em direção à comunidade, faltando apenas 7 km para alcançar as moradias e o Ouricuri.
A questão territorial, mesmo após vinte anos de conquista da terra para preservar e transmitir as tradições, continua sendo um espaço de luta. Os Aconã reivindicam 21 hectares que foram adquiridos pela Funai na época da criação da reserva de 280 hectares, mais que jamais foi integrada ao território. O que foi confirmado pela própria Funai em estudos e medições recentes.
Além disso, os Aconã também a proteção para o Ouricuri, que depende da ampliação da área vizinha, onde existe uma fazenda de gado, separada apenas por um riacho. “O que mais incomoda é que quando estamos nas práticas religiosas, aparece gente ‘curiando’, inspecionando, ouvindo o som, a dança, e isso a gente não pode permitir”, insurge-se o Cacique Djalma Saraiva.
Todas as demandas serão incluídas no relatório da Equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural da FPI do São Francisco, orientando os próximos passos das instituições no atendimento aos pleitos dos Aconã.” O próprio MPF já possui procedimentos em andamento para acompanhar a efetivação de alguns serviços para a comunidade e está preparado para abrir novos procedimentos quando necessário,” afirmou o procurador da República Eliabe Soares, titular do 3º Ofício (Comunidades Tradicionais) do MPF em Arapiraca, que acompanhou a visita da equipe da FPI.
Presente e futuro
O povo Aconã, descendente dos Tingui-Botó, de Feira Grande, também no Sertão de Alagoas, ocupa uma reserva indígena às margens do Velho Chico há cerca de vinte anos. No entanto, sua história remonta ao século XVII, em Porto Real do Colégio. A partir dos anos 80 do século passado, sob a liderança do recém-falecido cacique José Saraiva, a comunidade obteve alguns benefícios do poder público antes de se estabelecer definitivamente em Traipu.
Após a partida do antigo líder, em março deste ano, aos 87 anos, a comunidade ainda sente sua presença espiritual, como relatou o líder religioso Pajé José Reinaldo, que se emocionou ao se aproximar da casa que era ocupada pelo antigo cacique, no centro do Ouricuri, quando dançava o Toré em homenagem à equipe da FPI do São Francisco.
Durante o encontro, a identidade Aconã se manifestou na participação ativa dos indígenas nas questões da comunidade e no empenho em preservar e transmitir sua cultura, como demonstrado pelo músico e artesão Gabriel Aconã, que produz instrumentos tradicionais, e pela jovem Yaranan, autointitulada “guerreira da mata”, cujo lema, segundo a própria jovem, é “preservar nossas matas acima de tudo”.
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Arte: Secom/MPF