Agronegócio revela seu apartheid na capital brasileira da soja

De um lado da rodovia que corta Sorriso, pujança se mostra em condomínios de luxo; do outro, trabalhadores e pequenos produtores vivem em moradias precárias.

ClimaInfo

Sorriso, no Mato Grosso, orgulha-se de ser a “capital brasileira do agronegócio”. Com 2,1 milhões de toneladas de soja, é o município que mais contribui para o país ocupar a liderança no ranking global de produção do grão, com um total de 320 milhões de toneladas na safra de 2022/23. Mas, quando vista de cima, a cidade escancara sua imensa contradição social e econômica. E a BR-163, rodovia que atravessa seu território, é uma fronteira que divide duas realidades opostas, mostra o Mongabay, em matéria reproduzida pelo UOL.

Na margem oeste da BR-163, uma economia pujante enfileira lojas de marcas de luxo, ocupa as ruas com caminhonetes que custam centenas de milhares de reais e erguem mais e mais casas e condomínios de alto padrão. Já no lado leste, carros fabricados há décadas circulam por ruas asfaltadas pela 1ª vez há menos de 5 anos, numa paisagem composta por construções simples de tijolos à mostra e placas de excursões para o Maranhão – que levam e trazem de lá os trabalhadores anônimos que atuam na cadeia de produção da soja.

A geração de riqueza e de desigualdade no Centro-Oeste são faces do mesmo projeto de desenvolvimento colocado em prática a partir da década de 1970. Baseado numa lógica de ocupação de terras da Amazônia e Cerrado por colonos oriundos do Sul do país, este projeto foi turbinado pela globalização das commodities alimentares e consolidou a vocação brasileira de fazendão do mundo – e também sua incapacidade de alimentar a própria população.

“O projeto de colonização foi uma iniciativa do governo federal (nos anos de ditadura militar), que permitiu que empresas comprassem grandes quantidades de terra e organizassem comercial e estrategicamente a venda dessas terras”, contextualiza Vitale Joanoni Neto, professor pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

A estratégia foi criar grandes lotes rurais conectados a lotes urbanos. Assim, a empresa colonizadora tornava seu produto mais atraente, prometendo aos futuros fazendeiros do Cerrado de que cidades planejadas seriam criadas. Em Sorriso, urbanizada por uma colonizadora, floresceram bairros que oferecem alta qualidade de vida. O problema ficou para quem não coube nesse projeto de desenvolvimento. Os trabalhadores do agro chegaram depois, ficaram sem terras, sem casas e apartados das oportunidades de progresso.

A região, de acordo com Atlas do Espaço Rural Brasileiro, é a de maior concentração de terras de todo o país. E quem luta por terra vive na pele uma outra face do apartheid social imposto pelo agro, que reivindica para si áreas que vêm sendo ocupadas por assentamentos rurais. Em uma área onde suas terras fazem limite com essas ocupações, no lugar do muro, os fazendeiros abriram uma valeta de 2 m de profundidade entre os dois territórios – um buraco intransponível onde já caíram e morreram animais que ajudam no sustento das famílias assentadas.

Em tempo: Um levantamento da ONG Environmental Investigation Agency (EIA) mostra que, entre janeiro de 2020 e o início de 2023, a JBS teria comprado gado criado em fazendas ilegais na Terra Indígena Apyterewa. Além dela, a FriGol também teria recebido animais de fazendas na Amazônia utilizadas para burlar as regras ambientais, relata a Agência Pública. Os casos envolvem fazendas em São Félix do Xingu (PA), onde está a TI. De acordo com dados do INPE, entre 2008 e 2023 o território foi o mais desmatado das áreas indígenas da Amazônia e já perdeu mais de 476 km² de florestas.

Reprodução vídeo Mongabay YT

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