Posicionamento do Fórum Socioambiental do Rio Grande do Sul sobre a recuperação ambiental e a reconstrução do Estado

Ao Núcleo de Defesa Ambiental

Defensoria Pública Estado do Rio Grande do Sul

As organizações e militantes ambientalistas, abaixo-assinados, integrantes do Fórum Socioambiental do Rio Grande do Sul, vêm apresentar princípios e diretrizes que devem ser observadas na recuperação ambiental e reconstrução do estado do Rio Grande do Sul. Leva-se em conta também o conteúdo do “Relatório da Missão-denúncia sobre os impactos das tragédias climáticas no Vale do Taquari”, de 27 e 28 de novembro. Desta forma, pontua-se:

  1. Os reassentamentos devem ser realizados observando a dignidade e proteção a riscos da população atingida, evitando e prevenindo que essas novas obras coloquem em risco outros grupos populacionais. Para tanto é condição imprescindível que esses observem rígidos padrões e a totalidade da legislação atinente ao regramento ambiental, ordenamento territorial, padrões de saneamento, diretrizes de gestão de recursos hídricos advindos dos planos de bacias hidrográficas e de proteção e prevenção a riscos a vidas humanas – com vistas à redução de vulnerabilidades;
  2. Faz-se necessária a revisão das flexibilizações ocorridas, por meio da Lei 15.434/2020, no Código Estadual de Meio Ambiente e no Código Florestal do Estado, e em processos mais recentes, de iniciativa do executivo, nas regras ambientais para facilitação da construção de barragens em áreas de preservação permanente, inclusive considerando seus riscos atuais e anunciados de ruptura de suas estruturas e consequentes calamidades às populações em caso de chuvas torrenciais como aquelas de maio de 2024 no vale do rio Taquari-Antas, e na anulação do Decreto nº 51.595, de 23 de junho de 2014, que instituía a Política de Desenvolvimento de Regiões Afetadas por Empreendimentos Hidrelétricos – PDRAEH, e a Política Estadual dos Atingidos por Empreendimentos Hidrelétricos no Estado do Rio Grande do Sul;
  3. Importante realizar as políticas de uso e ocupação do solo nas bacias mais afetadas pelas enxurradas e enchentes, necessitando-se de uma Revisão da Política Ambiental de Preservação e Restauração de Áreas Úmidas, Matas Ciliares, Matas de Encosta e Outras Zonas Naturais de Defesa Contra Enchentes. É imperativo realizar uma revisão abrangente da política ambiental voltada para a preservação e restauração de áreas úmidas, matas ciliares e outras zonas naturais que funcionem como barreiras naturais contra enchentes. Esta revisão deve incluir a recuperação imediata da vegetação nativa desde as cabeceiras dos rios, restaurando-se a mata ciliar ao longo de todas as margens de cursos d’água e encostas, tanto em áreas rurais quanto urbanas, especialmente nos rios afetados, como é o caso dos rios Taquari e Antas. A restauração deve ser realizada em conformidade com os limites mínimos estabelecidos pelo Código Florestal Brasileiro, pela Lei da Mata Atlântica e pela legislação específica de proteção contra riscos à vida humana. Essas ações são fundamentais para a mitigação de desastres naturais, promovendo a resiliência dos ecossistemas e a proteção das comunidades locais contra eventos de inundação;
  4. Deve haver recuperação imediata da vegetação nativa ciliar e de encosta em todas as margens dos cursos de água e encostas, nas áreas rurais e urbanas dos rios atingidos, como no caso do Taquari – Antas, nos limites mínimos estabelecidos pelo Código Florestal brasileiro, pela Lei da Mata Atlântica e pela legislação de proteção a riscos a vidas humanas;
  5. Importante que o reflorestamento observe as áreas que não mais serão reconstruídas, bem como as ainda ocupadas de forma irregular, sendo estas gravadas nos planos diretores como Zonas de Restrição Ambiental e de Riscos;
  6. A semeadura deve observar critérios técnicos de viabilidade e gradiente de sucesso baseados em estudos de campo. Tanto na semeadura como no plantio, deve ser obrigatoriamente observado a sucessão vegetal correta dos extratos florestais, da vegetação primária à terciária, e a manutenção permanente durante o desenvolvimento das coberturas vegetais implantadas, além, é claro, de basear-se em estudo completo da geografia, geologia, e levantamento da fauna e flora local pretérita. Nada feito açodadamente, devendo se considerar o conhecimento científico e a complexidade da Natureza. A presença dos professores, e professoras, pesquisadores e pesquisadoras das faculdades, universidades e institutos federais e comitês de bacias hidrográficas, botânicos, zoólogos, biólogos, viveiristas, etc., é imprescindível;
  7. Revisão de critérios de Diagnóstico Socioambiental com vistas a redefinição de faixas mínimas de APPs em áreas urbanas consolidadas, incorporando a integralidade das áreas inundadas e, também, daquelas de passagens de enxurradas como de preservação permanente e de exclusão à edificações;
  8. As prefeituras municipais, governo do estado do RS e o governo federal devem garantir a participação da sociedade na destinação e no uso de forma transparente dos recursos municipais e a divulgação imediata dos planos aprovados. Recomenda-se a realização de reuniões de prestação de contas à sociedade civil, onde informações claras sobre a aplicação dos recursos sejam disponibilizadas pelas prefeituras;
  9. As prefeituras municipais, governo do Estado do RS e o governo federal devem garantir a participação ativa e informada da população nos processos decisórios enquanto componente essencial dos direitos humanos e como direito fundamental consagrado na Constituição Federal de 1988. Garantir que os afetados participem do planejamento das ações de reparação é crucial para respeitar o direito à participação e assegurar que suas necessidades sejam consideradas, sendo aconselhável a criação de conselhos e fóruns de participação social com categorias previamente definidas e que incluam todos os segmentos, além daqueles legalmente previstos em instâncias participativas e deliberativas – como conselhos de desenvolvimento rural, plano diretor, meio ambiente, comitês de gerenciamento de bacias hidrográficas e outros;
  10. Os planos de bacia hidrográfica devem ter as suas diretrizes internalizadas e implementadas, com estímulo à participação social, fortalecendo os Comitês de Bacia, e disponibilização de estrutura técnico-administrativa e recursos, já previstos em lei, para sua implementação – traduzida na implantação das agências de região hidrográfica. Importante que estas diretrizes não sejam ignoradas e sejam observadas pelos planos diretores, de saneamento, ordenamento territorial e no licenciamento ambiental dos municípios e do Estado;
  11. Incluir necessariamente as universidades e outras instituições de pesquisa do Estado – cuja expertise é reconhecida internacionalmente – e os comitês de gerenciamento de bacias hidrográficas – instâncias de participação social e multisetorial com atribuições legalmente definidas na gestão também de riscos hidrológicos – nos programas de reconstrução, evitando a contratação de consultorias externas para diagnósticos que já foram feitos por diferentes instituições técnicas do Rio Grande do Sul;
  12. A oitiva e a construção participativa deve também ser realizada, para além das pessoas atingidas e da sociedade civil organizada, dos conselhos municipais e estaduais competentes;
  13. Revisão imediata das leis que representam retrocessos socioambientais e alteração de todos os planos, programas e projetos urbanos e ambientais, incluindo nos planos urbanísticos os planos de prevenção previstos no artigo 42-A do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) que diz respeito aos municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos;
  14. Imediata identificação e realocamento de empreendimentos danosos ao meio ambiente, que se encontrem nas áreas das cheias, como curtumes e indústrias químicas e seus armazéns;
  15. Garantir a atenção integral à saúde, incluindo apoio psicológico, das vítimas das enchentes de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde;
  16. Criação de estratégias completas para a mitigação e prevenção de problemas de saúde mental durante desastres naturais, tendo em vista o risco de morbilidade psicológica e de mortes aumentado com a deslocalização e a interrupção de serviços essenciais à saúde mental da população atingida;

Assinam o documento:

Felisberto Seabra Luisi – Conselheiro da Região gestão de planejamento RGP1 do conselho municipal de desenvolvimento urbano/ambiental.

Rodrigo de Medeiros Silva- Ouvidor-Geral da DPE-RS.

João Telmo de Oliveira Filho – Advogado, doutor em Planejamento Urbano e Regional, pós doutor em direito, Professor Ufsm, Conselheiro Titular Sul do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU.

Jacqueline Custódio – Advogada, Conselheira Titular do Conselho Nacional de Políticas Culturais e Coletivo Cais Cultural Já.

Rafael José Altenhofen – Biólogo, mestre em Diversidade e Manejo da Vida Silvestre, coordenador da União Protetora do Ambiente Natural – UPAN e presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Caí – Comitê Caí.

Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico- Seção Sul.

Roselaine Murlik – Médica de Família a Comunidade – Grupo Hospitalar Conceição.

Maximiliano José Limbacher – Movimento Não ao Lixão Metropolitano de Viamão e Coletivo Preserva Redenção.  Acesso- Cidadania e Direitos Humanos.

Francisco Milanez, biólogo, arquiteto e urbanista. Especialista em análise de impacto ambiental, mestre e doutor em Educação em ciências.

Paulo Brack- Biólogo e Mestre em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Participa ou participou em Conselhos de Meio Ambiente (COMAM, CONSEMA e CONAMA), representando voluntariamente o InGá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais nestes espaços de representação da sociedade.

InGá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais nestes espaços de representação da sociedade.

Foto: Reprodução Agência Pública

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