Brasil em chamas: o preço da inação diante da catástrofe

Queimadas terão impacto intenso no SUS. O momento exige decisões rápidas, drásticas, eficientes e duradouras. Elas são necessárias, possíveis e estão ao alcance – mas, para colocá-las em prática, Lula precisa abandonar com urgência a conciliação

por Ubiratan de Paula Santos, em Outra Saúde

Há décadas, cientistas do mundo todo, muitos e entre os mais competentes estão em nosso país, têm alertado sobre as mudanças climáticas provocadas pela ação do homem. Ações emitindo poluentes que agridem a saúde humana e aquecem a superfície da terra, eliminado florestas e matas, contaminando e secando rios em superfície e aéreos (como os da Amazônia), comprometendo todos os nossos biomas, numa grande combinação que favorece a ocorrência de eventos climáticos extremos – secas e enchentes, frio e principalmente muito calor, além de agredir a saúde humana.

Nestes dias o eminente cientista Carlos Nobre, um dos maiores estudiosos e conhecedores do tema e da Amazônia emitiu, em entrevista, mais um alerta: ninguém havia pensado que chegaríamos tão rápido a uma condição tão assustadora como esta que estamos vivendo. Diz sentir-se apavorado. Afirmou o cientista que estamos com a maior temperatura na Terra desde que existem civilizações.

Focos de incêndios são observados e progridem em todo país e com maior intensidade, desde há dois meses, sobretudo nas regiões Norte/Amazônica, Centro-Oeste – Cerrado, Pantanal – áreas da Caatinga e em São Paulo. Tudo indica serem provocados pelos interesses dos donos e dos querem ter terra ou mais dela, para os mais variados fins, mas todos voltados para o ganho fácil à custa da população, do país e da piora do clima.

Esses incêndios liberam, entre outros, um poluente chamado material particulado e no caso bem pequeno, fino (menor do que 2,5 micrometros) e ultrafino (menor do que 0,1 micrometro – 1000 vezes menor do que a espessura de um fio de cabelo) como são denominados, que entram mais fácil nos pulmões e provocam mais danos ao organismo.

Essas partículas, por serem muito pequenas, são muito leves e ficam em suspensão dias, semanas, condição prolongada com o ar mais seco, como tem acontecido. O tempo seco ajuda a mantê-las mais tempo em suspensão, pois não adsorvem água, o que as tornaria mais pesadas e assim cair ao solo.

No caso de São Paulo, além de receber poluentes que viajam centenas e milhares de quilômetros dos focos de origem e de queimadas do entorno, uma pluma permanece estacionada a 2-3 km acima da superfície, com pouca dispersão, pelas parcas correntes de ventos registradas atualmente. Por outro lado, as partículas que vão se depositando no solo são ressuspensas, em boa parte, pelo movimentar dos veículos.

Todos esses fatos vêm mantendo, em centenas de cidades de vários estados do país, concentrações muito elevadas desses poluentes. A previsão é de que esta situação persista, sem melhora significativa, pelo menos para os próximos 20 dias.

A poluição do ar foi responsável por mais de oito milhões de mortes em todo o mundo, em 2020. Estimativas sugerem que ela superou as mortes pelo tabagismo.

O que está acontecendo agora no Brasil está levando a um aumento em milhares/milhões na demanda por atendimentos por saúde. Será responsável por milhares de internações e mortes, muitas observadas neste período e outras tantas nos próximos meses, mas decorrentes da inalação atual dos poluentes. Elas ocorrem fruto das complicações geradas pelas alterações induzidas pelo poluente agora inalado, um efeito subagudo, digamos assim.

Essas partículas quando entram nos pulmões pelo nariz e pela boca provocam danos. Um adulto inala 10 mil a 15 mil litros de ar por dia para ter oxigênio, o comburente necessário para produzir energia, a partir dos alimentos que ingerimos, e assim continuarmos vivos.

Num ambiente com ar poluído, com o oxigênio entra nos pulmões todo tipo de porcaria, como essas partículas. Nos pulmões elas provocam reações químicas, induzem a formação de milhões de radicais livres, consomem as defesas antioxidantes existentes nos pulmões e induzem uma inflamação continuada em todo seu encanamento – os brônquios e bronquíolos – aumentando o risco de descompensação ou agravamento em pessoas que tem enfisema, bronquite crônica, asma, bronquiectasias ou fibroses pulmonares.

Esse processo também reduz a capacidade de defesa contra infecções, o que predispõe a pneumonias virais e bacterianas. Os bebes e crianças, com menos defesas do que um adulto, têm maior risco de sintomas como tosse, sibilos, roncos, catarro, de infecções respiratórias e de otites.

Mas não é apenas nos pulmões os efeitos. A inflamação pulmonar estimula terminações nervosas intrapulmonares, fibras do sistema nervoso autônomo, provocando alteração do seu balanço – o que aumenta o risco de arritmias e de morte súbita. Nos vasos, aumenta a pressão arterial e a ruptura de placas de ateroma e com isso maior risco de infarto do miocárdio e de acidente vascular cerebral.

Por outro lado, o processo inflamatório pulmonar libera mediadores para a corrente sanguínea que altera a viscosidade do sangue bem como induz a formação de outros fatores envolvidos na coagulação, aumentando o risco de eventos tromboembólicos – e com isso o risco de infarto do miocárdio e de acidente vascular cerebral. Pessoas com diabetes, com anemia falciforme, talassemia e doenças autoimunes também são mais afetadas.

Esses fatos e mecanismos vêm sendo estudados há muito tempo e, na maioria dos países, têm sido adotada legislação impondo cada vez limites menores como aceitáveis para os poluentes. Essas regulações são possíveis através de medidas como uso de outros combustíveis, de motores mais eficientes, incentivo à bicicleta, ao transporte público, restrições à circulação de veículos ou mais áreas verdes. E isto vinha ocorrendo vagarosamente no Brasil. Mas, nos últimos 10 anos, estacionou a queda dos níveis de poluentes e agora vem aumentando vertiginosamente em grandes cidades do Brasil. Não falo da Amazônia e Cerrado que não vivem refresco há tempo.

A gravidade do problema, agora exposto e percebido por todos, exige medidas urgentes. A situação é muito mais grave, em perdas temporárias ou definitivas de vidas e no impacto do clima, do que o que ocorreu no Rio Grande do Sul com as chuvas. Entretanto,  não vem merecendo por  parte do Estado um  décimo da atenção e dos recursos para o enfrentamento dessa emergência climática e humana.

Negacionismo não se aplica apenas aos que negam a existência dos problemas, mas também aos que, embora admitindo-os, pouco fazem.

O momento é de um chamamento à mobilização nacional, dos jovens, das universidades, de toda rede escolar, de saúde, de cultura, do povo, numa cruzada contra os incêndios, para identificar focos e suas origens, conter a sanha dos botadores de fogo, de seus mandantes. É momento de encher o Maracanã, do Itaquerão e tantos outros, no mesmo sentido pedagógico e mobilizador de Vila Lobos ao reger um coral de 40 mil vozes no Estádio do Vasco da Gama, em São Januário, no sete de setembro de 1940. Agora com outro maestro e música, mas com a mesma preocupação.

É momento de o Governo Federal se pronunciar e agir com vigor, um chamamento à mobilização, de disponibilizar todos os recursos necessários (não os que Planejamento e Fazenda acham possíveis – pois de onde menos se espera é que não sai nada mesmo, já dizia o Barão). Passados meses e 52 inquéritos da PF, sem resultado público conhecido, o fogo persiste alimentado. E, com ele, a sensação de impunidade, de falência do Estado.

Em cada cidade do Brasil, brigadas contra o fogo e os incendiários devem ser incentivadas, ampliando as já nascentes e bravas iniciativas locais e os poucos heroicos que atuam como bombeiros. Envolvimento dirigido, maciço e determinado das forças de segurança para apoiar e garantir toda mobilização nacional em defesa da vida e do clima.

Na anunciada criação da Autoridade Nacional do Clima não cabe conciliação. O Clima só tem saída com a derrota da política de queima, de grilagem de terras, de desmatamento, cujos representantes têm nomes e não devem ser eles ou seus prepostos – mesmo os que ostentem no nome alusão à áreas verdes – a serem designados para tal atribuição. Este cargo cabe um radical defensor da vida e do clima. Um inconciliador.

É meritório um governo de cunho democrático dar representação, na sua composição, a setores antes excluídos ou poucos levados em conta na formulação e execução de políticas públicas. Assim, a criação de ministérios, como o dos povos indígenas, do meio ambiente, da igualdade racial, da mulher pareceu ser um passo adiante, com coragem, sem se preocupar com os sempre críticos à ampliação da estrutura do Estado.

Mas a inclusão dessas representações em ministérios não representou a inclusão de políticas na dimensão que o governo informava querer dar voz, repartir o poder de decisão. Estão hoje mais para pinguins de geladeira.

Nossa ministra do Meio Ambiente, com ares de cansada de guerra, precisa se inspirar no seu saudoso primo, o santista, Lamir Vaz de Lima, e puxar a faca. A ministra dos Povos Indígenas precisa descansar o pesado cocar sobre a cadeira e sair junto aos seus povos, a fazer a dança da guerra. O Ministério da Saúde tratar o problema também como seu na dimensão posta, com orientações, boletins diários e providencias para a melhor coleta de informações e ações em tempo real. E o presidente a COMANDAR.

*Publicado originalmente no site Página 13

Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

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