A atual distopia começa no sul da Amazônia

Mineração predatória de ouro para o Vale do Silício, hidrelétricas, disputa de terras em traçado de futura ferrovia e muito fogo: conheça o cinturão verde, hoje em chamas, que abriga duas das maiores terras indígenas do país

por Raphael Sanz, em Jacobina

“O abismo cognitivo foi instalado quando todos nós vimos que as coisas podem ser reproduzidas em série e que a caixinha do leite ou qualquer outro produto que está na gôndola do supermercado, aquela coisa apareceu ali (…) e não importa mais o processo. Então a caixinha de leite e toda essa facilidade da gôndola seriam coisas que aparecem na sua cara e você pode simplesmente consumir. É isso que o Davi Kopenawa Yanomami, nessa sua prospecção do mundo do branco que ele olha de dentro da floresta, dirá que é o ‘mundo da mercadoria’. Vamos imaginar que esse mundo da mercadoria é mágico. Ele faz aparecer água na torneira, leite na caixinha e coisas na gôndola. Quer dizer, é um pensamento mágico o desse mundo subalterno à ordem capitalista. É tão mágico quanto o pensamento de um xamã. O pensamento mágico de um escravo do capitalismo é tão fantástico que ele acredita que o capitalismo pode acabar com o mundo e criar outro. Eu me pergunto: por que um cara vai financiar o envio de um foguete para o espaço? (…) Perdemos a prioridade. Nesse mundo mágico do capitalismo, tudo pode. A Terra, inclusive, se acabar tem outra”, disse o pensador indígena Ailton Krenak, à TV Cultura, referindo-se ao pensamento de Davi Kopenawa Yanomami.

Em Não verás país nenhum, romance publicado em 1981, Inácio de Loyola Brandão imaginava um Brasil distópico, onde árvores e animais não existiam mais e uma sociedade autoritária se formava em torno de um mega complexo industrial que produzia “tudo” o que se necessitava, desde alimentos 100% artificiais a óleos essenciais com cheiros de espécies da extinta flora. A história, que se passa “num futuro não tão distante”, começa quando Souza, morador de um edifício no centro de São Paulo, desperta com um furo na mão.

Mas a distopia da vida real, aquela promovida por aquilo que Davi Kopenawa descreve como o “pensamento mágico do capitalismo”, é ainda mais cruel. E o furo na mão desta assustadora realidade pega a todos os despertos desprevenidos.

Nas últimas semanas os dias têm amanhecido acinzentados nas principais cidades do Brasil, com exceção da região Nordeste. A fumaça das queimadas que castigam o Cerrado, o Pantanal e, principalmente a Amazônia, no Norte, torna o ar espesso, difícil de respirar e dá um tom avermelhado ao sol – digno de um cenário de filme pós-apocalíptico. Nas redes sociais, sobram fotos desse “novo sol” com relatos indignados de que “muita gente está achando lindo”, ou “pensando que é apenas um dia nublado”.

A fumaça chega ao sul por conta do sistema climático continental, influenciado pela Cordilheira dos Andes que empurra os ventos que atravessam a Floresta Amazônica vindos do Oceano Atlântico. São os chamados “rios voadores” da Amazônia, responsáveis pela irrigação de boa parte da banda leste da América do Sul. Mas que, numa situação de recorde de queimadas, ao invés de chuvas, levará cinzas, ar seco e fumaça no seu leito gasoso.

A região chamada de “Amazônia Legal”, que abrange os Estados brasileiros com porções do referido bioma, registra o maior número de focos de incêndio em 19 anos. As causas são múltiplas: desde a multiplicação de pequenos incêndios comuns nessa época do ano de estação seca, até a ação humana, seja do agronegócio produzindo o desmatamento por meio das queimadas para ampliar suas fronteiras, sejam os garimpeiros que incendeiam terras indígenas a fim de controlá-las, ou as próprias mudanças climáticas que atingem o Brasil e o mundo. Nesse último quesito, a Amazônia vive uma seca fora do comum, o que também vai interromper ciclos de chuvas em todo o país, fazendo com que a fumaça das queimadas ganhe ares de cataclisma a milhares de quilômetros dos incêndios.

Na última segunda-feira, a fumaça das queimadas já dominava toda a região Sul do Brasil e ameaçava avançar para Argentina e Uruguai, de acordo com o Instituto de Pesquisas Espaciais do Brasil (Inpe).

O sul da Amazônia é a área com mais focos de incêndio. Uma região que abrange as bacias dos rios Xingu e Tapajós, pegando porções de terras de quatro estados: Amazonas, Pará, Mato Grosso e Tocantins. Nessa área estão as terras indígenas Kayapó e Munduruku, que junto com a Terra Indígena Yanomami, estão entre as maiores do Brasil. Além delas, há uma série de outros territórios nesse bloco de áreas protegidas. Um pouco mais ao leste, a Terra Indígena Apiterewa é considerada a mais desmatada proporcionalmente nos últimos anos.

“A retirada dos garimpeiros ficou a cargo do Ministério da Justiça, por meio da Polícia Federal, e do Ministério da Defesa e de seus militares que, em sua formação, olham para as terras indígenas como ‘riscos à soberania nacional’.”

Juntos, esses territórios formam o chamado cinturão verde do sul da Amazônia. Em geral são territórios enormes demarcados no início dos anos 1990 a mando da Constituição de 1988. Logo que promulgada, com o fim da ditadura militar (1964-1985), a Carta Magna previa a demarcação dos territórios e houve pressa em fazê-las. O momento era favorável e ainda era possível delimitar territórios enormes como esses. O agronegócio ainda não tinha a força e a hegemonia que apresenta atualmente.

Graças àquelas demarcações existe esse colossal cinturão verde, que tem potencial para segurar o clima caso atendamos aos apelos dos cientistas, ambientalistas e povos indígenas, e encerremos o modelo extrativista. Toda a região ao redor desses territórios já está tomada por gado e o agronegócio tenta expandir suas fronteiras, ocasionando fogo e desmatamento nas bordas, enquanto no interior da mata a destruição é causada por garimpeiros, invasores de terras e outros grupos.

Se caem esses territórios, que só estão preservados pois são habitados e guardados pelos povos indígenas, estará dada a largada para o colapso climático de todo o Brasil – ao exemplo do que vimos recentemente no Rio Grande do Sul e que pode se espalhar para outras regiões do continente.

Lula, Bolsonaro, o Cacique Raoni e a Terra Indígena Apiterewa

ATerra Indígena Apyterewa, localizada no município de São Félix do Xingu, no centro-sul do Pará, abriga 729 pessoas do povo Parakanã em sua porção norte, próxima ao rio Xingu, além de povos isolados e recém contatados. A área de 777 mil hectares tem sido o alvo preferencial de invasores na Amazônia nos últimos 8 anos, com escalada registrada durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), entre 2019 e 2022, quando esteve em pauta a legalização da mineração e da agropecuária nas áreas protegidas.

Sua localização geográfica explica em parte o tamanho da invasão: está justamente em região onde a atual fronteira do agronegócio brasileiro busca se expandir. É ali que também estiveram os maiores focos de queimadas na Amazônia dos últimos anos. Está no leste do chamado cinturão verde do sul da Amazônia.

Em 2023, os serviços de inteligência do governo federal – já sob Lula (PT), que prometeu em campanha retirar garimpeiros e outros delinquentes ambientais de terras indígenas – apontavam cerca de 3 mil famílias não indígenas invadindo o território, que nos 7 anos anteriores já haviam erguido vilas inteiras com casas, igrejas, comércio, postos de gasolina e estradas que interligam essas localidades. Só na Vila Renascer, a principal, viviam mil pessoas, aproximadamente um terço dos invasores.

Segundo reportagem do The Intercept Brasil que obteve documentos desses órgãos de inteligência e da Polícia Federal, há ainda estradas, pistas de pouso e pontes irregulares, além da abertura de pasto para a criação de gado. Também foi registrada atividade de garimpo no local e muitos frigoríficos ao longo da rodovia que dá acesso à região. A atividade dos invasores recebe o apoio de políticos locais, como o prefeito de São Félix do Xingu, João Kleber de Souza Torres (MDB).

Segundo levantamento da MapBiomas, 98% da área florestal destruída deu lugar à criação de gado. E foi ali que o Governo Lula empreendeu uma verdadeira “operação de guerra”, conforme nominado em matéria da Repórter Brasil, com o objetivo de promover a desintrusão do território.

O governo progressista tentava mostrar serviço, mas esbarrava em dois problemas. Um externo, o boicote que os parlamentares bolsonaristas da chamada Bancada Ruralista faziam em relação às operações. Outro, interno, diz respeito aos limites do próprio progressismo e sua aposta numa conciliação de classes ampla, geral e irrestrita que envolva setores do extrativismo, como o agronegócio e a mineração. Nesse contexto político, ministérios criados por Lula como o dos Povos Indígenas, ou recriados, como os do Direitos Humanos e do Meio Ambiente, são postos em segundo plano. Em outras palavras, a retirada dos garimpeiros ficou a cargo do Ministério da Justiça, por meio da Polícia Federal, e do Ministério da Defesa e de seus militares que, em sua formação, olham para as terras indígenas como “riscos à soberania nacional”.

Sem soltar-se dessas amarras, o progressismo apresentou morosidade para lidar com a questão ambiental e indígena. Além disso, a despeito da campanha eleitoral, seu projeto para a Amazônia é o mesmo das demais forças políticas brasileiras: exploração de petróleo, mineração, obras de infraestrutura como ferrovias e, quando muito, algum turismo ecológico nas reservas. Enquanto isso, as bordas da floresta vão queimando ao passo que são transformadas em mais soja e gado pelo agronegócio, repetindo ciclos de monocultura característicos do período histórico colonial.

A operação de desintrusão da Apiterewa começaria em 27 de setembro de 2023, mas acabou adiada para 2 de outubro devido às pressões dos grupos interessados. Naquela data, tropas do Exército e da Força Nacional, além de agentes da Polícia Federal (PF), da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), cercaram o território. No início da operação uma aeronave sobrevoou a região a fim de mapear as áreas desmatadas para a criação gado, enquanto agentes promoveram um cerco às estradas e outras vias de acesso a Vila Renascer. Com tudo controlado, oficiais de Justiça foram levados ao local para entregar ordens de despejo.

Em seguida, estava prevista a entrada em cena de servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que iriam cadastrar os moradores da vila para que pudessem aderir programas sociais do Governo Federal de assentamento, longe dali. Mas foi nesse momento que as coisas começaram a dar errado.

A primeira manifestação em Brasília foi registrada em 5 de outubro. Na ocasião, o deputado federal Delegado Caveira (PL-PA) afirmou na tribuna da Câmara dos Deputados que “eles [o governo progressista] vão ter que matar muita gente para desobstruir essa pretensa área indígena”.

Em 16 de outubro, a Agência Pública noticiou que famílias do povo Parakanã já abandonavam suas casas para se esconder na mata por medo da retaliação dos invasores alvos da operação de desintrusão. As aldeias Tekatawa e Kaeté foram evacuadas e os Parakanã afirmaram que só voltariam aos locais após a operação ser concluída por questões de segurança.

Na mesma data, o garimpeiro Oseias dos Santos Ribeiro foi morto na Vila Renascer atingido por um tiro de fuzil da Força Nacional durante uma operação. Foi a deixa para os setores interessados começarem uma verdadeira campanha para barrar a operação. Horas depois da notícia da morte de Oseias, o prefeito de São Félix do Xingu, João Cléber (MDB), apareceu nas redes sociais defendendo que os invasores só deixassem o território se tivessem direito a indenização. E os militares, que deveriam tirá-los, olharam para o lado sob a supervisão conivente do ministro da Defesa, José Múcio.

Assim, a retirada dos garimpeiros foi sendo adiada. Em dado momento chegaram a sair, mas retornaram sem causar grande alarde nos meios de comunicação, o que torna ainda mais lenta a nova retirada. Enquanto isso, vão destruindo a mata, poluindo os rios da região com mercúrio, ameaçando os povos Parakanã e… incendiando a mata.

A Terra Indígena Apiterewa é uma das que ardem nesse exato momento, alvo de uma série de incêndios criminosos. No último domingo (8 de setembro de 2024), equipes do Ibama combatiam o fogo na região. São as próprias equipes de fiscalização que apontam os garimpeiros invasores – que já deveriam ter sido retirados pelo governo Lula – como autores dos incêndios. As autoridades investigam. Eternamente.

Ao sul dali, e também em região de expansão das fronteiras do agronegócio sobre o cinturão verde, está a Terra Indígena Capoto-Jarina, no norte do estado de Mato Grosso, lar do Cacique Raoni Metuktire. Famoso mundialmente pela defesa dos povos indígenas e de suas terras, Raoni esteve na posse de Lula em janeiro de 2023. Subiu a rampa do Palácio do Planalto ao lado do presidente e ganhou as páginas da imprensa. Ele hoje luta pela sua vida enquanto o progressismo se mostra inerte frente aos problemas ambientais e sociais da região.

Com mais de 640 mil hectares de Floresta Amazônica intacta, a Capoto-Jarina pede ajuda desde o final de agosto para apagar os incêndios. Em vídeo publicado nas redes sociais do Instituto Raoni, o Cacique Megaron Txucarramãe pede socorro. O território de enorme dimensão dispõe de apenas 42 brigadistas anti-incêndio.

“Está pegando fogo. Ontem, quando o fogo estava mais para cá, eu passei um documento, pedindo bombeiro, pedindo apoio para apagar esse fogo. O bombeiro chegou hoje. Eu pedi avião que joga água. Então, se a autoridade puder me ouvir, mande o avião que apaga fogo”, implora o cacique.

Um negócio bilionário

Se nas bordas do cinturão verde é o agronegócio quem toca fogo nos biomas brasileiros a fim de expandir suas fronteiras agropecuárias, nas entranhas dos territórios, no meio da floresta, estão os garimpeiros, como esses que invadem a Terra Indígena Apiterewa e tantas outras.

São verdadeiras vilas de mineradores construídas às margens dos rios de onde extraem ouro e outros metais da forma mais devastadora que se possa imaginar: a céu aberto, represando os leitos dos rios e enchendo-os com mercúrio para extrair o produto final. Para isso, além do pesadíssimo material para o garimpo em si, também demandam, como visto acima, infraestrutura urbana, de transportes aéreos e fluviais, lazer, entre outras. Há, inclusive, esquemas de prostituição, como verificados no caso dos invasores das terras Yanomami.

Mas quem banca uma atividade ilegal, altamente destruidora e que custa milhões de dólares para operar?

A resposta está no Vale do Silício, em plena Califórnia: Apple, Microsoft, Amazon, entre outras “big techs”. É o que revelou uma reportagem de Daniel Camargos, do Repórter Brasil, em julho de 2022.

O jornalista obteve documentos que comprovam que essas empresas compraram ouro proveniente de garimpo em terras indígenas em 2020 e 2021. Entre as refinadoras investigadas pela PF está a italiana Chimet, que teria sido o primeiro destino do ouro surrupiado da Terra Indígena Kayapó – vizinha da Apiterewa e da Capoto-Jarina no cinturão verde. Outra refinadora é a brasileira Marsam, acusada pelo Ministério Público Federal (MPF) de provocar danos ambientais justamente por causa da aquisição de ouro ilegal.

As refinadoras recebem o ouro extraído pelo garimpo e, ao processá-lo, o certifica, torna-o legalizado. Ambas as empresas estão na lista de fornecedores entregues à época pelas gigantes de tecnologia à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (Securities and Exchange Comission). Há uma série de outros casos semelhantes, uma vez que o ouro, assim como outros minérios extraídos da região, são fundamentais para a montagem de equipamentos eletrônicos como computadores e telefones celular.

Ferrogrão e hidrelétricas

Por fim, se a região será um campo de extração de minérios, soja e gado, é preciso que haja uma infraestrutura mínima para que isso aconteça. Para garantir a produção de energia, há uma série de hidrelétricas que podem ser construídas. Entre esses projetos está a conclusão do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, que no passado já causou a destruição de uma importante área na Terra Indígena Munduruku – localizada na divisa entre Pará e Mato Grosso. Recentemente o projeto voltou a ser discutido. Há ainda a Usina Hidrelétrica Tabajara, em Rondônia, que deverá causar impactos em 9 territórios indígenas, atingindo 7 povos isolados.

Mas a cereja do bolo do agronegócio e dos garimpeiros e mineradores é uma ferrovia, ainda um projeto, batizada de Ferrogrão. Caso saia do papel, serão 933 km de estrada de ferro ao longo do traçado da já existente estrada BR-163. A ferrovia rasgará o sul da Amazônia ao meio, saindo de Sinop (norte de Mato Grosso) rumo ao porto de Miritituba (no Pará).

De interesse do agronegócio e mineradoras, seu principal objetivo é levar as commodities produzidas na região até a via fluvial para abastecer os grandes navios graneleiros que chegariam à Foz do Amazonas, no Atlântico, e em seguida atravessariam o Canal do Panamá rumo à China e a costa oeste dos EUA.

Com orçamento previsto para sua conclusão de R$ 3,7 bilhões de dólares, o projeto foi idealizado em 2014 por uma série de tradings do agronegócio (ADM, Cargill, Bung, Louis Dreyfus e Amaggi) e ganhou força em 2017 durante o governo Michel Temer. O principal padrinho da obra, desde os tempos do governo Bolsonaro (2019-2022), é Tarcísio de Freitas – à época ministro da infraestrutura e atual governador de São Paulo. Mas não pense que o atual governo Lula não está tentando empurrar essa obra goela abaixo, assim como fez com Belo Monte – no Xingu – no passado.

“Ao todo, são 48 povos indígenas em risco e 436 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica que podem simplesmente se transformar em soja.”

Revoltados com a falta de diálogo com o governo federal, os povos indígenas que já estão sendo afetados antes mesmo do projeto sair do papel, se retiraram do grupo de trabalho que discutia o projeto no último mês. Eles pedem que a Ferrogrão seja barrada.

Ao todo, são 48 povos indígenas em risco e 436 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica que podem simplesmente se transformar em soja. A principal preocupação é que a ferrovia atraia ainda mais grileiros de terra para a região – o que já ocorre com a mera discussão acerca do projeto, conforme aponta a pesquisadora e ambientalista Telma Monteiro, uma das que trabalhou nos antigos estudos dos impactos da ferrovia.

“São 436.691 quilômetros quadrados em perigo. Só o anúncio da possibilidade da construção da Ferrogrão bastou para aquecer o marcado ilegal de terras, ampliou o número de queimadas e colocou em risco os assentamentos rurais, unidades de conservação e terras indígenas”, explicou Telma.

E além de todo esse impacto aos povos e à já queimada floresta, a crise do Canal do Panamá – que se arrasta desde 2020 por conta da crise climática – coloca em xeque o próprio objetivo comercial da Ferrogrão.

Os navios sobem o canal através de uma hidrovia para atravessar do oceano Atlântico [via Mar do Caribe] ao Pacífico, ou vice-versa. Acontece que o canal está secando, e o lago não está dando conta. Há filas imensas de navios de grande porte, e as autoridades do Canal do Panamá já desde 2022 vêm reduzindo o número de navios que o cruzam diariamente. Existe uma demanda de água para cada comporta por onde esses navios passam que é de 200 milhões de litros d’água e o sistema não está dando conta.

“O lado de cá da questão é o seguinte”, indaga a ambientalista, “como é que eles vão partir de Sinop, levando todos os grãos do norte do Mato Grosso, com saída pelo canal do Panamá, se o canal do Panamá já está tendo problemas? Temos um problema que pode ter reflexos muito graves para o consumo mundial, para a distribuição de minérios, grãos e commodities em nível global. Então como é que você planeja uma ferrovia que vai ligar o Mato Grosso ao arco norte, uma vez que não vai ter saída pelo canal do Panamá?”

Agente da brigada anti-incêndio do Ibama tenta conter chamas na terra indígena Tenharim Marmelos, no Amazonas Foto: BRUNO KELLY / REUTERS

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