Qual o papel da educação e das escolas na construção da Reforma Agrária Popular?

Seminário Nacional “O MST e a Escola” aconteceu entre os dias 16 e 19 de setembro, na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP)

Por Maria Silva, na Página do MST

Entre os dias 16 e 19 deste mês, o MST realizou na Escola Nacional Florestan Fernandes (SP) o Seminário Nacional “O MST e a Escola”. A atividade tem um caráter interno, de estudos, debates e formulação coletiva de orientações e proposições a partir dos acúmulos de práticas, discussões e concepção dos processos educacionais no MST. Organizado pelo Setor de Educação do Movimento, o Seminário reuniu cerca de 70 pessoas, de 23 escolas e 18 estados em que o MST está organizado, entre educadoras e educadores de escolas com vínculo orgânico ao Movimento, convidados dos coletivos nacionais de Formação, Produção, Cultura, Juventude e Comunicação, além de instituições e organizações parceiras.

Todas as formulações, reflexões e proposições estiveram ancoradas na pergunta que permeou toda a atividade: “Qual é o papel da educação e das escolas na construção da Reforma Agrária Popular?”. Assim, buscou-se unificar e compreender a síntese atual do MST sobre os principais temas no campo da educação.

Os dias de debate e reflexões foram divididos por temáticas: Nossa Atualidade; Nosso Acúmulo (arsenal de luta e construção); Debate de Proposições; e Organização Coletiva e Linhas de Ação, para que todos os processos puxados pelo Setor de Educação ao longo dos anos, com seus avanços e limites, estivessem contemplados em todos os seus aspectos, mostrando um panorama geral da importância da análise, reflexão e projeção no conjunto das escolas e da educação no MST.

Para Sandra Scheeren, educadora dos anos iniciais na Escola do Campo Trabalho e Saber, do assentamento Eli Vive, no Paraná, é de extrema importância de se realizar um seminário como esse para pensar a escola no conjunto do MST. “Eu entendo que este seminário tem um peso muito grande e um sentido muito grande de compreender, de analisar os desafios da nossa atualidade, de nos posicionarmos e de reposicionar o nosso projeto educativo diante das inúmeras imposições neoliberais.” Desafios que, segundo a educadora, são enfrentados diariamente com as investidas do agronegócio na batalha das ideias a partir do tema da educação ou dos grandes conglomerados de mídias e plataformas digitais, presentes no campo e na cidade.

Além dos debates e reflexões proporcionados pelo Seminário, outro momento importante foi a socialização das experiências desenvolvidas em escolas nos diferentes estados e regiões em aspectos e trabalhos que iam desde a construção de iniciativas em agroecologia, arte, auto-organização dos educandos, entre outros.

“Com o Seminário eu percebo essa necessidade muito grande do abraço, do encontro, da mística, mas também de entender, de conhecer o que está acontecendo lá no Nordeste, por exemplo, como está sendo, como nós estamos fazendo. Além de nos reposicionar a partir da nossa práxis, reprojetar a nossa síntese”, avalia Sandra sobre a importância da atividade. “Tem nítido o nosso horizonte de sociedade e aí os caminhos a gente só constrói juntos. O Seminário Nacional tem esse sentido da construção coletiva, da projeção coletiva”, finaliza.

Roseli Salete Caldart, também participante do Seminário e autora do livro Pedagogia do Movimento Sem Terra (que teve sua primeira edição no ano de 2000), relembra por onde começou o trabalho da educação no MST, tendo a sistematização apresentada no livro sido construída praticamente 20 anos depois de ter iniciado a construção do MST.

O trabalho da educação começou pela escola, porque essa era uma necessidade objetiva das áreas, das famílias etc. E, com o passar do tempo, é que a gente foi entendendo que isso era uma coisa muito maior e essa elaboração da Pedagogia do Movimento como um todo, e do livro como resultado do esforço de uma sistematização teórica, foi nos mostrando o tamanho disso. Ao mesmo tempo em que a escola lá do começo foi o motor desse trabalho, ela continua mais importante do que nunca”, explica Roseli.

Porém, ao pensar o próprio termo pedagogia, é preciso considerar que nem sempre os entendimentos serão os mesmos. Ao dialogar sobre o tema, Roseli ajuda a elucidar o entendimento do MST sobre o mesmo. “Para a maioria das pessoas, se você falar em pedagogia, com o que associam? Isso pensando nas pessoas que estão acostumadas a esse termo. Vão associar apenas à escola, mas se você olhar na formulação soviética, aliás, nem precisa ir lá para os russos, no próprio Paulo Freire mesmo, a Pedagogia do Oprimido não é escola, é exatamente a formação do oprimido para se colocar contra a opressão”, e finaliza dizendo que “pedagogia significa a intencionalidade que você coloca em determinada prática, pedagogia é prática e teoria no sentido de compreensão, pedagogia é intencionalidade e essa intencionalidade está em qualquer das dimensões da formação”.

Assim, pensar a pedagogia do Movimento Sem Terra significa pensar para além das escolas em si, como reforçaram muitas das falas durante o Seminário. Ainda que estas sejam espaços fundamentais que precisam ser olhados com carinho e cuidado todo o tempo, é preciso aproveitar o espaço para ir além do próprio trabalho escolar ou do trabalho necessário com outros setores, como apresenta Barbara Loureiro, do Setor de Produção do MST. “Acho que tem algumas dimensões de como pensar agroecologia, cooperação, plano nacional nas escolas, na pedagogia do Movimento. Por exemplo, como a gente fortalece as experiências já existentes e contribui para massificar e construir outras ações que avancem o nosso projeto político”, reflete.

Para ela, é preciso “pensar a escola como esse elemento organizador e mobilizador dos assentamentos. Que essas práticas pedagógicas que as escolas já constroem, os viveiros dos Sistemas Agroflorestais (SAFs), o cuidado com as nascentes, possam ser espaços de promover um diálogo com a comunidade. E muito mais do que só também produtivo, mas também no âmbito cultural, como a gente posiciona as festas das colheitas, as festas das semeaduras etc., de como as escolas são esses espaços que ajudam a posicionar esses elementos”.

“A escola pode ter um papel muito central na formação e no nosso avanço de uma cultura política agroecológica, de uma cultura política ambiental, como uma ação do nosso cotidiano. As escolas, enquanto essas forças vivas que organizam o território que mobilizam, têm muito a contribuir também sobre a nossa concepção de questão ambiental, de ajudar a pensar linhas políticas também em torno desse debate”, finaliza Barbara.

Por fim, os participantes do Seminário reafirmam que a tarefa de pensar e projetar as formas organizativas para avançar nos debates é puxada também por esta atividade, a partir do Setor de Educação e outros, mas é uma tarefa do conjunto do MST. “Entendo que cabe a nós avançar na compreensão e na socialização das nossas teorias e práticas. A gente tem que olhar, pensar e reprojetar nosso projeto educativo com os vários olhares. A gente se aproxima da totalidade a partir de camadas e vai desvelando camadas que a gente olha desde a educação, desde a comunicação, desde a produção. Então, a totalidade não se alcança só entre um setor, entre um coletivo, né? As partes precisam olhar para ir construindo a totalidade”, finaliza Sandra chamando para a ação.

*Editado por Fernanda Alcântara

Foto: Júnior Antunes

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