“Depois da noite escura de Bolsonaro, continuamos esperando o amanhecer para as comunidades indígenas no Brasil”

  • Mãos Unidas: “Os povos indígenas são os que melhor protegem a terra e freiam as mudanças climáticas”, e relatou alguns dos trabalhos que a ONG da Igreja Espanhola realiza com os povos Guarani e Kaiowá da região”

  • “É o nosso território, queremos defendê-lo e promover a educação e a saúde, mas não constroem escolas ou centros de saúde para nós”.
  • “A luta indígena continua. Para cada indígena que morre surgem outros 300”

  • “As mulheres não têm mais medo de morrer. Damos a vida para que a terra seja assegurada”, revelou Vilma Vera, líder do povo Avá Guarani, com sua filha pequena. “Eles não serão capazes de nos matar duas vezes”

  • Matías Benno, missionário do Cimi: “Se a Lei do Marco Temporal for aprovada, essas pessoas perderão suas terras e, com elas, sua perspectiva de futuro e da natureza. É um momento muito frágil no Brasil”

Mais de vinte anos se passaram desde que o Guarani Kaiowá de Taquara, Rio Grande do Sul, Marcos Verón, foi espancado até a morte. Dias antes de sua execução, o líder mencionou palavras proféticas: “O que você vê aqui é minha vida, minha alma. Se você me separar da minha terra, você tira minha vida ”.

A reportagem é de Jesús Bastante, publicado por Religión Digital / IHU

Este é o leitmotiv que levou a Mãos Unidas a organizar esta quinta-feira, na sua sede em Madrid, a mesa redonda ‘Direitos humanos e territórios: a luta dos povos indígenas no Brasil’ , que contou com a presença de líderes dos povos Guarani Kaiowá e Pataxó, que ofereceram seu testemunho diante da violência e da tortura contra seu modo de vida e contra a casa comum em um Brasil que, apesar de ter deixado para trás a “noite escura” de Bolsonaro, ainda não vê o “amanhecer” que Lula prometeu.

O apresentador foi Juan de Amunátegui, coordenador dos Projetos Americanos de Mãos Unidas, que enfatizou como “os povos indígenas são os que melhor protegem a terra e detêm as mudanças climáticas”, e relatou alguns dos trabalhos que a ONG da Igreja Espanhola realiza com os povos Guarani e Kaiowá da região.

O debate foi aberto por Luis Ventura, missionário leigo e secretário nacional brasileiro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que destacou como “os povos indígenas oferecem respostas que não conhecemos daqui”. “Oferecem-nos a capacidade de gerar vínculos com a Casa Comum, numa perspectiva ética” que implica também uma responsabilidade. E dor, violência e morte.

Há poucos dias, o Cimi divulgou nota denunciando o assassinato de quatro pessoas, três mulheres e um homem, dos Avá Guarani de Tekoa Yhovy. Um dos dirigentes foi atingido na cabeça e continua internado. “Por que as terras indígenas não estão nas mãos das comunidades indígenas?”, lamentou Ventura, que denunciou como duas em cada três terras dos povos indígenas não estão sob seus cuidados, 35 anos depois da Constituição brasileira, que supostamente os protegeu.

Por quê? “Para um modelo capitalista, que precisa de controlar os territórios. E para isso precisa que as pessoas saiam de lá”, frisou. “O Brasil vive um momento delicado, depois de quatro anos de governo extremamente violento de Bolsonaro. Foi uma noite escura no Brasil, e naquela noite escura os únicos que seguraram velas acesas foram os povos indígenas”, lembrou. “Eles foram os únicos que não tiveram medo.”

Agora, depois da chegada de Lula, “a noite escura passou, mas estamos aguardando o amanhecer para os povos indígenas”, porque “os territórios não estão sendo demarcados”, e isso impede a soberania, a independência desses povos e dos casa comum. “É o direito de viver”, sublinhou. “E é também a nossa vida, porque é a proteção dos territórios”.

Simão Mendes, líder do povo Guarani Kaiowá, que sobreviveu a um massacre de indígenas em 2016, explicou a difícil situação que vive seu povo, à mercê de ataques de grupos armados enviados por proprietários de terras, ligados a madeireiras ou elétricas, “que devastam selvas inteiras”. “É o nosso território, queremos defendê-lo, e promover a educação e a saúde, mas não constroem escolas nem centros de saúde para nós”, lamentou. “Eles nos deixaram sem energia, sem comida”, situação vivida por mais de 3.000 indígenas em sua comunidade.

Nos últimos tempos, ocorreram 411 ataques a povos indígenas da região, por parte de proprietários de terras, sem a intervenção da polícia. Nestes anos, mais de mil mortes, devido à passividade das autoridades.

Uruba Erilsa, líder do povo Pataxó, está ameaçado e supostamente protegido pelo Estado, porque as lideranças indígenas “estão sendo criminalizadas”. Mas “no Brasil a justiça não funciona bem, porque boa parte dos juízes está relacionada com os proprietários de terras, e os poderes econômico, político e judicial estão no mesmo domínio”.

“Todos os territórios indígenas estão banhados em sangue, nossos direitos foram violados. No Brasil, a polícia mata: em 2022 mataram Gustavo; em 2023, Samuel e Naoil. Ninguém fez nada”, lamentou, apontando para as milícias que buscam intimidar os povos indígenas. “Muita gente não sabe o que está acontecendo no Brasil. Apesar de tudo, a luta continua”, finalizou.

Vilma Vera, líder do povo Avá Guarani, junto com sua filha pequena, explicou a “tentativa de extermínio” que seu povo continua sofrendo, mesmo alegando esperança. “As mulheres já não têm medo de morrer. Damos as nossas vidas para que a terra possa ser segura”, revelou ela. “Eles não serão capazes de nos matar duas vezes.”

Por fim, Matías Benno, missionário leigo do Cimi em Mato Grosso do Sul, que ofereceu seu testemunho de anos de trabalho junto às comunidades indígenas. “Todos os dias temos atos violentos como esse”, especialmente contra as mulheres. Porém, continuam lutando por cada planta, por cada ser vivo. “Eles começaram algo, que agora continua a crescer, há esperança”, embora devam lutar contra todos os poderes. “Se a Lei do Marco Temporal for aprovada, essas pessoas perderão suas terras e, com elas, sua perspectiva de futuro e da natureza. É um momento muito frágil no Brasil.”

Mesa Redonda no Mãos Unidas

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