Dia da Consciência Negra: a questão racial na luta pela terra

O fracasso do projeto de modernização no Brasil na década de 1980 gerou pobreza e conflitos fundiários, marginalizando principalmente negros e negras. O MST surge nesse contexto, defendendo a luta contra a desigualdade racial e social.

Por Coletivo de Comunicação do MST em São Paulo
Da Página do MST

No início da década de 1980, o projeto de modernização conservadora implementado pelos militares no Brasil revelou-se um verdadeiro fracasso. Como resultado, milhões de pessoas foram empobrecidas, expulsas do campo e obrigadas a viver em condições precárias nas periferias das cidades, muitas vezes sem emprego ou em empregos precários.

Em São Paulo, esse projeto excludente gerou uma explosão de conflitos fundiários e intensificou as lutas dos trabalhadores rurais. Exemplos disso incluem a região de Andradina, com a Fazenda Primavera; o Pontal do Paranapanema, onde os desempregados da construção da barragem da CESP (Cia Energética de São Paulo) se organizaram; e a região de Itapeva, com a ocupação da Fazenda Pirituba. Outros processos de luta aconteceram em municípios como Sumaré, Promissão e em diversas outras regiões do Estado.

Negras e negros foram protagonistas nessas lutas. Historicamente, eles foram os primeiros a se tornarem Sem Terra e, também, os últimos a conseguir um trabalho assalariado. Em momentos de crise econômica, sempre foram os primeiros a perderem seus empregos. Essa realidade reforça a ideia de que a luta pela terra, no Brasil, está diretamente ligada à questão racial.

A fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aconteceu nesse contexto de efervescência de lutas. Ela se deu poucos anos antes da comemoração dos 100 anos da abolição da escravatura (1888). Nos anos 1980, negros e negras, junto com outros trabalhadores, ousaram ocupar as terras latifundiárias, heranças do período escravocrata, buscando transformá-las em territórios livres para a reforma agrária. A terra, que sempre foi negada a esses povos, só foi conquistada com luta — uma luta que remonta aos Quilombos e segue até as ocupações atuais.

É fundamental entender que a desigualdade racial no Brasil é uma das várias formas de violência social. Essa violência é imposta pela apropriação privada da terra, que gera uma concentração fundiária que, historicamente, favoreceu a exploração da mão-de-obra negra. Esse processo envolveu repressão, tortura e até etnocídio, excluindo negros e indígenas tanto social quanto territorialmente.

Portanto, a luta pela terra no Brasil deve ser compreendida dentro do contexto da luta de classes. O sistema de colonização que se instaurou no país a partir da questão racial ainda persiste em estruturas econômicas, políticas e culturais que mantêm a divisão sócio-racial da população.

Da Lei de Terras à Luta pela Terra

A Lei de Terras de 1850 é um marco fundamental na história da segregação social no Brasil. Ela determinou quem teria acesso às terras e quem seria excluído desse direito. Na prática, a lei garantiu a regularização das terras dos proprietários que já as possuíam até a promulgação da legislação. Os barões de terra, grandes proprietários, e os que receberam terras da Coroa, tinham suas posses regularizadas. Já os que não possuíam terra – como os negros que se libertaram da escravidão – nunca teriam acesso à terra, a não ser que possuíssem grande quantidade de dinheiro para comprar.

Isso garantiu a perpetuação das péssimas condições de vida dos ex-escravizados. Esses trabalhadores eram forçados a aceitar condições de trabalho precárias, tanto no campo quanto nas cidades. Em São Paulo, isso também abriu portas para a grilagem de terras. A partir desse processo, o Pontal do Paranapanema se consolidou como uma área ocupada por grileiros brancos, e o mesmo ocorreu em regiões como Iaras (450 mil hectares) e Itapeva, onde a Fazenda Pirituba foi grilada por colonos holandeses.

Assim, o projeto de colonização foi, ao mesmo tempo, um projeto de criação de grileiros e de exclusão daqueles que, historicamente, foram marginalizados da terra. Essa exclusão não se limitou ao campo. Mesmo quando os negros e negras saíam para as cidades, enfrentavam dificuldades em se firmar legalmente e, por isso, se viam obrigados a ocupar terrenos nas periferias.

Para Gerson de Souza, da Direção Estadual do MST em São Paulo, a base do movimento encontra, justamente, os descendentes de pessoas que foram escravizadas. A luta deles é marcada por essa estrutura histórica. Por isso, a Reforma Agrária Popular deve ser vista como um projeto de unidade, capaz de alterar essa estrutura herdada da sociedade escravocrata.

Para aprofundar essa reflexão, foi criado no interior do MST um Coletivo para estudo das questões étnico-raciais e a questão agrária, o coletivo “Terra, Raça e Classe”, que propõe uma análise mais profunda sobre a estrutura agrária no Brasil e como ela se relaciona com a questão racial e o racismo. Superar tanto a estrutura do latifúndio quanto o racismo estrutural é fundamental para garantir justiça social.

Dos quilombos aos acampamentos, a luta pela terra é a luta de uma nova Palmares, com o objetivo de transformar o Brasil.

*Editado por Leonardo Correia.

Foto: Filipe Augusto Peres

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