Após os resultados insatisfatórios da COP 29, principalmente em termos de financiamento climático, os olhos do mundo já se voltam para o Brasil, que sediará a COP 30 em 2025, em plena Amazônia, em Belém do Pará. A próxima Conferência do Clima recebe como herança uma responsabilidade ainda maior de pressionar os países para atingirem metas de financiamento mais condizentes com a realidade da emergência climática que o mundo enfrenta. Até lá, é importante que o país trabalhe para fortalecer suas próprias iniciativas de adaptação, mitigação climática e transição energética, principalmente na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, que já se encontra num limite perigoso para sua sobrevivência e a dos povos que a habitam.
Ainda durante a COP, foi justamente este o tema da mesa apresentada pela Gota e seus parceiros, com a participação de lideranças indígenas e cientistas. Com o título de “Infraestrutura sustentável na Amazônia: caminhos para a transição energética e ecológica”, o painel contou com a presença de Alessandra Munduruku (na foto), presidente da Associação Indígena Pariri; Sineia do Vale, liderança do povo Wapichana, de Roraima, e co-presidente do Caucus Indígena na COP; a cientista Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM; o gerente de projetos do IEMA, Ricardo Baitelo; e Cleidiane Vieira, representando a Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
O debate girou em torno da necessidade de se estabelecer uma infraestrutura que seja sustentável para a Amazônia, incluindo sempre a perspectiva dos povos locais e já considerando a adaptação aos graves efeitos da crise climática. Por dois anos seguidos, 2023 e 2024, a região amazônica viveu uma crise humanitária, hídrica e de logística causada pela seca extrema dos rios, o calor intenso e o aumento das queimadas. O receio é que a floresta atinja um ponto irreversível de destruição e não consiga mais se recuperar.
“Precisamos realmente começar a nos planejar para enfrentar diretamente a mudança climática. Nós (povos indígenas) somos parte dessa solução, mas se esta variação no clima continuar ocorrendo, sabemos que não temos o poder de fazer o rio se encher novamente de água”, ressaltou Sinéia do Vale, que também atua como coordenadora do Comitê Indígena das Mudanças Climáticas (CIMC) no Brasil.
A cientista Ane Alencar apresentou dados alarmantes sobre os incêndios registrados no Brasil neste ano: de 27 milhões de hectares queimados de janeiro a outubro, 55% foram só na Amazônia. Segundo Ane, especialista em estudos sobre fogo, a infraestrutura disponível para o uso do solo pela agricultura no país precisa levar em conta que o clima já mudou e a temperatura na Terra não é mesma.
Outro tema abordado durante a mesa foram as consequências da instalação de usinas hidrelétricas na Amazônia, com inúmeros impactos de violação de direitos e exclusão social, beneficiando pouco quem vive na região e desconsiderando as mudanças climáticas. Segundo Ricardo Baitelo, a melhor infraestrutura de energia para a região não tem a ver com a geração e distribuição nos moldes atuais. O investimento em energia solar e eólica, segundo ele, é uma boa alternativa que vem ocorrendo no Brasil, principalmente para melhorar os índices socioeconômicos no Norte do país e democratizar o acesso à saúde educação.
“As hidrelétricas foram feitas para atender a demanda de geração de energia do país, nunca para atender a demanda dos povos”, completou Cleidiane Vieira.
Além das hidrelétricas, a construção de ferrovias e estradas, mineração, expansão de hidrovias e portos, exploração de gás e monopólios da agropecuária previstos para a região amazônica são vistos como sérias ameaças à floresta e seus habitantes, já que passam por cima dos direitos e das terras dos povos tradicionais.
Lembrando que esses povos precisam ser consultados em qualquer projeto para a região, Alessandra Munduruku foi enfática: “A gente não precisa da riqueza da mineração, de crédito de carbono, mas sim da riqueza do conhecimento, do rio limpo, da floresta em pé”, disse ela, criticando especificamente a ferrovia Ferrogrão, projetada pelo governo federal para rasgar quase mil quilômetros de floresta amazônica entre Sinop, de Mato Grosso, e Miritituba, no Pará – atingindo unidades de conservação e terras indígenas para escoar milho e soja do agronegócio do Centro-Oeste até as saídas portuárias pelo Rio Amazonas rumo ao Atlântico.
A ferrovia deve atingir em cheio as terras do povo Munduruku situadas no Médio Rio Tapajós, já impactadas por hidrovia, portos, invasão de territórios e garimpo ilegal. “Não adianta o governo falar sobre mudanças climáticas e liberar mineração e a Ferrogrão. Só no Rio Tapajós há 41 portos planejados e 27 já em operação. Vários rios e igarapés estão sendo destruídos para tirar ouro. Não comemos ouro, comemos peixe, raízes, frutos”, criticou Alessandra, finalizando: “Não tem planeta dois”.