Mais de 90 mulheres dos povos Guarani Nhandeva, Kaiowá, Kinikinau, Terena, Kadiweu, Ofaié e Chiquitanos participaram do Encontro de Mulheres Indígenas do Mato Grosso do Sul
Entre os dias 14 e 17 de novembro, mais de 90 mulheres indígenas do estado de Mato Grosso do Sul se reuniram no Centro de Capacitação e Pesquisa Geraldo Garcia (Cepege), no município de Sidrolândia (MS) para participar do primeiro Encontro de Mulheres Indígenas do estado.
Mulheres e crianças de sete povos – Guarani Nhandeva, Kaiowá, Kinikinau, Terena, Kadiweu, Ofaié e Chiquitano – participaram da atividade, cuja organização foi realizada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Mato Grosso do Sul, com especial apoio e participação das mulheres da instituição.
Com o objetivo de fortalecer as mulheres indígenas sul-matogrossenses, o Encontro foi conduzido por quatro eixos norteadores: raiz ancestral, corpo, memória e território. Para isso, foram realizadas rodas de conversa, grupos de trabalho e momentos de convivência e partilha entre as participantes.
Fortalecimento e conexão
Segundo Lídia Farias, missionária do Cimi Regional Mato Grosso do Sul, “foi quase o ano inteiro de 2024 pensando esse Encontro”, que buscava formar mulheres lideranças para incidir politicamente em outros espaços de representação, que não só locais.
“A gente tem sentido uma ausência das mulheres indígenas do Mato Grosso do Sul nas instâncias nacionais, das quais elas estão de alguma forma desconectadas”, considerou a missionária que junto a outras mulheres do Cimi Regional Mato Grosso do Sul organizaram o evento.
O Encontro, nesse sentido, buscou incentivar o processo de formação política dessas mulheres, facilitando a interlocução e a organização entre elas, bem como na incidência sobre seus direitos.
O Encontro “foi muito importante para nós do povo Kinikinau que estamos lutando pelo território”
Para Luciana Kinikinau, que participou da atividade, o Encontro “foi muito importante para nós do povo Kinikinau que estamos lutando pelo território. Outras mulheres de outras etnias compartilharam sua história de resistências, desafios e serviu para incentivar as mulheres indígenas a continuarem lutando”.
A experiência de Ester Salinas, do povo Guarani, foi de aprendizado. A professora da aldeia Pirajuí, no município de Paranhos (MS) considerou o Encontro uma oportunidade de dialogar com outras mulheres sobre os impactos que a falta de providência quanto a demarcação de suas terras tem causa do a seus corpos e territórios.
“Saímos de lá [do Encontro] muito mais fortalecidas, animadas e esperançosas. Nos sentimos felizes de ser mulher e com certeza vamos querer ter outros encontros e poder dividir mais. Para nós, mulheres atrás e nunca mais”, destacou.
Com o mesmo desejo de evidenciar a atuação e o protagonismo das mulheres na luta indígena, em outubro deste ano, as mulheres missionárias que integram o Cimi também realizaram, pela primeira vez, o I Encontro de Mulheres da instituição. O Encontro buscou promover um espaço de escuta e confiança entre as mulheres no Cimi, que durante os quatro dias do evento, partilharam suas experiências, anseios e motivações para fortalecer a caminhada do Cimi junto aos povos indígenas.
“Mulheres atrás nunca mais”, um grito de guerra
O primeiro Encontro de Mulheres Indígenas do estado de Mato Grosso do Sul foi um momento de partilha e fortalecimento para as lideranças indígenas, mas também uma oportunidade para as missionárias do Cimi Regional Mato Grosso do Sul escutarem e conhecerem mais profundamente as demandas e os desafios vividos pelas indígenas em seus territórios. Confira o depoimento das mulheres que participaram do Encontro:
Mulheres indígenas dos povos das águas, da terra, das matas, da cidade reuniram-se para se encontrar com sua essência mais profunda, o “ser mulher indígena”. Assim a grande ciranda de corpos, memórias, ancestralidades, territórios, foi sendo plasmada no útero da Mãe Terra. As sementes boas germinaram, floresceram, deram frutos, afinal somos mulheres fecundas. Atravessamos a noite escura e do profundo silêncio do ventre da Mãe Terra, nascemos como sinal de luta e resistência. Somos mulheres de amanheceres grávidos de esperança. Avançamos os passos vacilantes, porém determinados, dissipamos as sombras do medo, do sofrimento, o lamento por encontrar ao longo do caminho corpos feridos, sem vida. Não se apaga o sorriso do lábios, a alegria de viver, de ser mulher indígena, vigilante e sempre pronta para a luta.
(Irmã Zélia, catequista franciscana)
No Encontro de Mulheres Indígenas eu pude aprender mais sobre os meus direitos como mulher, como mãe e como liderança indígena. Também pude dividir com outras mulheres, de outras etnias. Fortalecemos umas as outras. Juntas, nós aprendemos que o nosso lugar é lutando lado a lado. Nosso espaço não é atrás, nem a frente, e sim juntas. Saímos de lá [do Encontro] muito mais fortalecidas, animadas e esperançosas. Nos sentimos felizes de ser mulher e com certeza vamos querer ter outros encontros e poder dividir mais. Para nós, mulheres atrás e nunca mais.
(Ester Salinas, liderança do povo Guarani)
Foi muito emocionante escutar as falas das mulheres que, aos poucos, foram se soltando, provocadas pelas mulheres do Cimi. Elas partilharam suas experiências e o sofrimento com o machismo dos maridos que, muitas vezes, as impedem de participar das atividades. Elas são discriminadas no sistema de saúde, principalmente nas maternidades onde vão ter os filhos Muitas vezes as crianças morrem e são devolvidas às famílias sem as mães terem o direito de vê-las antes. Elas também falaram das violências e abusos sofridos, que são minimizados nas delegacias, onde lhes dizem que a única coisa que podem fazer é ir ao hospital para serem atendidas. No final, percebemos que essas mulheres despertaram e se encorajaram para enfrentar tanto esse sistema de discriminação, como o machismo. Foi emocionante ouvir brotar o grito de guerra no final do encontro: “Mulheres atrás, nunca mais!”.
(Irmã Rosa, servas da Santíssima Trindade)
O Encontro de Mulheres Indígenas foi uma reunião muito importante para nós da etnia Kinikinau que estamos lutando pelo território. Outras mulheres, de outras etnias também compartilharam suas histórias de resistência e desafios. Foi um encontro para nos fortalecer, para nos dar esperança para continuar no movimento. Estamos procurando incentivar jovens a participar desses encontros, assembleias e reuniões.
(Luciana, liderança do povo Kinikinau)
O primeiro encontro estadual das mulheres indígenas com as mulheres do Cimi foi uma vivência de sinodalidade, onde tudo está interligado nas partilhas profundas de resistência e comprometimento na luta. Mulher é semente, ser geradora de vida que como a terra Mãe fecunda e com sua garra contagia as jovens que vão chegando. É preciso cuidar da vida que há na terra e no mar . É preciso cuidar destas guardiãs da aurora que com seu vigor e ternura sabem caminhos de novos amanheceres. Gratidão foi a palavra chave do encontro, que já projeta um próximo.
(Irmã Solange, franciscana de Nossa Senhora Aparecida)
Poesia e realidade se fundem harmoniosamente, corpos e territórios, lutas e esperanças no sonho de bem viver. As memórias da ancestralidade perpassam sobre os corpos que trazem as marcas das violências, mas também o desenho da resistência.Vidas que desafiam, que se alegram com as danças, passos indeléveis que como a divina Ruah sopra as bençãos, o som do maracá que anuncia que os povos ali presentes estavam interligados, em sintonia com a natureza e com o Encantado. Agora só nos resta sonhar e planejar o próximo Encontro . Vai ser desafiador, sabemos disso, mas com a união de todas o difícil se tornará fácil. As mulheres do Cimi também são guerreiras, guardiãs que sempre anunciam a chegada de um novo amanhecer”
(Lara Menegazzo,indígena Chiquitano e aspirante à missionária do Cimi)
Um encontro de espiritualidade e de muita conexão com a vida,onde a voz das mulheres indígenas foi exclamada com a força da ancestralidade que cada uma traz dentro do seu corpo.
(Irmã Andrea, catequista franciscana)
O Encontro com as mulheres indígenas nos possibilitou adrentrar na vida cotidiana e na dimensão política da defesa da cultura tradicional e dos territórios dos povos indígenas. O corpo traz a relação com a mãe terra e o empoderamento de seus conhecimentos e saberes ancestrais. Independente de etnia, a luta é comum para todas na defesa de seus territórios com coragem e esperança.
(Irmã Maria Adinete, catequista franciscana)
Durante o Encontro, as mulheres indígenas manifestaram as perdas na luta pelo território. As mulheres indígenas em contexto urbano também manifestaram que sua territorialidade é pouco conhecida. Elas moram nas periferias da cidade e são invisibilizadas pela sociedade que gera exclusão e negação da existência indígena. Elas revelam que a resistência e a luta vem da força de seus ancestrais.
(Irmã Elsa, lauritas)
O encontro de mulheres foi para nós do Cimi, um espaço de aprendizado e escuta das mulheres indígenas. Elas carregam consigo as marcas de uma violência sistêmica que é cometida contra os seus corpos. Elas trazem também o espírito da resistência e da resiliência. As mulheres indígenas são as principais responsáveis pela manutenção da vida, das línguas e culturas indígenas. Elas carregam em seus corpos sementes milenares de vida em abundância para os povos indígenas.
(Lidia Farias, missionária leiga)
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Mulheres indígenas sul matogrossenses se reúnem, pela primeira vez, em encontro estadual.Foto: Andréa Moratelli