Seminário sobre racismo ambiental encerra a agenda do Novembro Negro na Fiocruz

 “O racismo ambiental reflete escolhas políticas que concentram investimentos em áreas privilegiadas, enquanto negligenciam periferias, quilombos e territórios indígenas. Essa negligência perpetua desigualdades históricas”

Mario Junior, Cedipa/Fiocruz

As mudanças climáticas e a degradação ambiental agravam desigualdades históricas, afetando de maneira desproporcional negros, indígenas e moradores de periferias. Este cenário foi abordado no seminário Racismo Ambiental e Mudanças Climáticas: impactos na saúde da população negra, realizado na quarta-feira (27/11) pela Coordenação de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas (Cedipa/Fiocruz), no auditório da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). O seminário está disponível no canal da VideoSaúde, no YouTube.

Os participantes discutiram como a população negra, que representa 56% da população brasileira, de acordo com o IBGE, é afetada pelas transformações climáticas e pela falta de serviços essenciais, como saneamento básico, saúde e educação.

A coordenadora da Cedipa, Hilda Gomes, abordou a urgência do enfrentamento das desigualdades estruturais, destacando o racismo ambiental como reflexo de décadas de negligência institucional. “Embora o racismo ambiental seja frequentemente tratado como um tema recente, ele é a expressão das violências históricas que recaem sobre territórios e populações negras, sendo imperativo que continuemos a luta incansável por direitos que são garantidos pela Constituição”, declarou.

O representante do Coletivo Negro da Fiocruz e da Associação de Pós-Graduando (APG), Matheus Rodriguez, destacou a importância de integrar as vivências negras na pesquisa acadêmica. “Nós, negros, precisamos incluir nossas contribuições nas ciências. É urgente enfrentar o fato de que 24% da população brasileira ainda enfrenta sérios problemas com coleta e tratamento de esgoto, e precisamos buscar soluções abrangentes”, afirmou.

A urgência da criação de uma secretaria dedicada à saúde da população negra foi enfatizada pela integrante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, Mychelle Alves. “É fundamental que o Ministério da Saúde reconheça a necessidade de uma estrutura que aborde as particularidades da saúde dessa população, assegurando políticas públicas eficazes e inclusivas para enfrentar as disparidades existentes”, disse.

Já a vice-diretora da EPSJV/Fiocruz, Ingrid D’Ávilla, ressaltou a educação como uma poderosa ferramenta de transformação social, ao apresentar o curso de letramento racial para trabalhadores da saúde, disponível no Campus Virtual Fiocruz, com o objetivo de aumentar a conscientização sobre o racismo institucional. “A escola tem a responsabilidade de promover a luta antirracista de forma central, dando visibilidade e valorização às trabalhadoras negras e periféricas, frequentemente marginalizadas e inviabilizadas nas estruturas de poder”, ressaltou.

Raízes históricas do racismo ambiental  

O pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo, Victor de Jesus, contextualizou o racismo ambiental no Brasil a partir de suas raízes históricas. Durante a escravidão, negros realizavam trabalhos de saneamento básico, como carregar água e limpar cidades, mas eram excluídos das estruturas sanitárias que ajudavam a construir. Esse padrão persiste: dados do IBGE revelam que mais de 80% dos domicílios brasileiros sem acesso a banheiro são ocupados por famílias negras.

“O trabalhador negro sempre esteve à margem de ambientes saudáveis. Hoje, isso se reflete nas periferias insalubres e nas condições precárias de trabalho em atividades como coleta de lixo, majoritariamente ocupadas por negros”, afirmou Victor.  Ele explicou que o racismo ambiental vai além do preconceito individual: “Ele se configura como uma faceta do racismo institucional, afetando comunidades inteiras, perpetuando ciclos de exclusão e vulnerabilidade”.

Iniciativas comunitárias e transformações sociais  

A assessora parlamentar da Câmara Municipal do Rio de Janeiro Dara Sant’anna, destacou a invisibilidade das pessoas em situação de rua e a falta de dados para políticas públicas eficazes. Também mencionou a importância de iniciativas como o Cada Favela, uma Floresta, projeto com foco na construção de florestas e na restauração ambiental de comunidades, e o Hortas cariocas, que estimula a produção ecológica consciente e combate a insegurança alimentar com possibilidade de geração de renda. Segundo ela, as ações são “uma resposta concreta à fome e uma ferramenta de transformação social nos territórios mais vulneráveis”, disse.

Dara fez uma crítica ao título do Rio de Janeiro como uma das cidades que mais reciclam no mundo. “Esse mérito está vinculado à miséria. A reciclagem é sustentada por catadores, em sua maioria negros, vivendo em condições de extrema vulnerabilidade”.

Educação e justiça climática  

No campo da educação, a coordenadora do Instituto de Referência Negra Peregum, Maíra Silva, compartilhou o trabalho pedagógico realizado com jovens periféricos. “Educação ambiental é um ato de resistência. Conectar identidades e territórios é construir um futuro com justiça e equidade”.

O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) Paulo Bruno, compartilhou exemplos da ausência de saneamento básico e seus impactos. “No terreiro Ilha Assé, na Bahia, um lixão impede o acesso ao espaço religioso, violando direitos fundamentais. Em Marituba, no Pará, o crescimento descontrolado de lixões compromete a saúde da população. Já em Mato Grosso, o uso indiscriminado de agrotóxicos causa doenças e mortes”.

Paulo Bruno também chamou a atenção para a interseção entre racismo e práticas eugenistas. “O racismo ambiental reflete escolhas políticas que concentram investimentos em áreas privilegiadas, enquanto negligenciam periferias, quilombos e territórios indígenas. Essa negligência perpetua desigualdades históricas”, concluiu.

O seminário contou com a participação ativa do público, que enviou perguntas e comentários aos palestrantes, tanto presencialmente quanto pelo chat do YouTube. Além dos debates, o evento teve uma apresentação cultural do músico Rogério Rosário, com uma seleção de canções de resistência, que trouxe uma conexão entre a luta antirracista e o papel transformador da arte, inspirando e emocionando os presentes.

O encontro teve o apoio do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB), da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp) e do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN).

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