A COP29 já seria difícil se estivesse limitada à negociação, mas o contexto tornou a tarefa de uma solução multilateral para o clima ainda mais desafiadora.
O final dramático e frustrante da Conferência do Clima de Baku (COP29), realizada no mês passado no Azerbaijão, deixou ainda mais evidente o cenário desafiador enfrentado pelo sistema multilateral atual para entregar soluções viáveis e efetivas para a crise climática. O contexto global, marcado pelos interesses conflitantes das grandes potências e do Big Oil, torna hercúleo um esforço que já seria difícil se fosse limitado à complexidade técnica das discussões sobre clima.
O Valor publicou um especial – ou, mais adequadamente, um “obituário” – sobre os resultados finais da COP29. Três elementos marcaram o fracasso dos países em chegar a um acordo efetivo sobre o financiamento climático. Primeiro, a geopolítica climática, bagunçada pelas disputas entre Estados Unidos, União Europeia e China pela supremacia tecnológica verde.
Uma dificuldade adicional emergiu pouco antes da COP29: a reeleição do negacionista Donald Trump à presidência dos EUA. Mesmo com as promessas de representantes norte-americanos em Baku de que o país não dará as costas ao mundo na questão climática, a saída de Washington do Acordo de Paris (ou pior, da própria Convenção do Clima) já é dada como certa.
Por um lado, a saída dos EUA pode resultar em um efeito cascata de queda da ambição climática dos países, já que a maior potência do planeta não se envolverá (ao menos, pelos próximos quatro anos) com o esforço global pelo clima. Por outro, essa ausência abre espaço para que outros governos, como China e até mesmo o Brasil, assumam a dianteira do debate internacional.
Soma-se à bagunça geopolítica o lobby cada vez mais agressivo da indústria dos combustíveis fósseis nos fóruns de negociação climática. A presença crescente de representantes do setor nas COPs, que ficou ainda mais visível em Baku, é favorecida por uma indisposição dos governos em confrontar os interesses dessa indústria, especialmente entre os maiores produtores de energia suja.
O resultado disso está nos textos finais da COP29. O compromisso assumido pelos países na COP de Dubai (COP28), no ano passado, de “se distanciar” dos combustíveis fósseis praticamente sumiu na declaração de Baku. Ao mesmo tempo, as vozes políticas favoráveis à manutenção do Big Oil na mesa de negociação perderam o que restava de vergonha nesta COP, com direito a elogiar o petróleo como “presente divino”.
O terceiro ingrediente do fracasso de Baku é um reflexo do contexto global tumultuado e da onipresença do Big Oil: a desconfiança generalizada entre os países, especialmente entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Esse é um problema antigo das negociações climáticas, mas que se tornou dramático neste ano por conta da pauta principal das conversas de Baku, que trataram do futuro do financiamento climático.
Na COP29, os países pobres queriam que os ricos ampliassem a oferta de ajuda financeira para US$ 1,3 trilhão anuais, baseados principalmente em recursos públicos e doações. Essa ideia era refutada pelos países ricos, que exigiam que a base de doadores fosse ampliada para incluir as economias emergentes e que o setor privado, a filantropia e os bancos multilaterais de desenvolvimento também desempenhassem um papel nesse esforço.
Ao final, a presidência da COP29, liderada pelo Azerbaijão, tomou a dianteira e impôs (bem ao estilo da ditadura que governa o país) um acordo que desagradou aos países em desenvolvimento, definindo a nova meta financeira em US$ 300 bilhões anuais até 2035. Os países desenvolvidos se comprometeram a liderar esse esforço, mas não se obrigaram a cumprir sozinhos qualquer cifra de financiamento.
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