Estudo de viabilidade técnica não traz análise adequada dos impactos na área de influência da ferrovia, ignorando efeitos de outros empreendimentos, como rodovias e projetos logísticos
Não é “só” a exploração de petróleo na foz do Amazonas que ameaça a Amazônia. Outro projeto, elaborado nos mesmos moldes do modelo de desenvolvimento exploratório que imperou no século passado, também é um risco para o bioma: a Ferrogrão. Uma ferrovia de cerca de 900 km que pretende ligar Sinop, no Mato Grosso, a Miritituba, no Pará, para escoar a produção de commodities agrícolas do Centro-Oeste e que, se sair do papel, vai atravessar áreas da Floresta Amazônica e Terras Indígenas.
Várias pesquisas mostram os imensos impactos ambientais e sociais da Ferrogrão. Uma delas é o parecer técnico “Ferrogrão: avaliação de impactos cumulativos e projeção de desmatamento”, divulgado na semana passada. Os autores são cientistas da USP e da UFMG e especialistas do Observatório do Clima e do Instituto Socioambiental. O documento, ao qual André Borges e Vinicius Sassine, da Folha, tiveram acesso, aponta falhas e lacunas nos novos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA) do projeto.
Há problemas graves em relação às informações contidas no “Balanço de Emissões” e no “Caderno Socioambiental” que compõem os novos estudos da Ferrogrão, concluídos no ano passado, aponta o parecer. O EVTEA não apresenta uma análise adequada dos impactos cumulativos, limitando-se a listar impactos diretos e indiretos, sem considerar sua magnitude e significância. Assim, ignora efeitos acumulados de outros empreendimentos na região, como rodovias e projetos logísticos, subestimando o real impacto ambiental.
O documento menciona fatores como a pavimentação de trechos da BR-163, rodovia que liga os estados, e a expansão da hidrovia do rio Tapajós a partir de Miritituba. E avalia que a Ferrogrão pode induzir o desmatamento, facilitando novas frentes de ocupação agrícola e expansão da infraestrutura na Amazônia.
Outro parecer técnico foi feito pelo Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra) e apresentado na semana passada na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). E também apontou risco de ampliação de desmatamento, além de grilagem, em áreas adjacentes da Ferrogrão.
De acordo com o GT Infra, os estudos da Ferrogrão contam com “fragilidade da governança territorial”, o que representa um “risco significativo” para impactos socioambientais provocados pela possível instalação da ferrovia, relata o Valor. Para os técnicos envolvidos na iniciativa, o projeto “visa consolidar mais um corredor amazônico no modelo agro-mineral-exportador”.
Além do prejuízo socioambiental, a Ferrogrão ainda pode ser um péssimo negócio financeiro, detalha a Exame. Um estudo liderado pelo economista Claudio Frischtak, em parceria com o projeto Amazônia 2030, mostra que a construção da ferrovia exigiria um investimento inicial de R$ 11,45 bilhões. Porém, com os custos financeiros, operacionais e os desafios jurídicos envolvidos, sua Taxa Interna de Retorno (TIR) pode chegar a apenas 1,6% ao ano, muito aquém do esperado para atrair capital privado. Para que o projeto “feche a conta”, seria necessário um aporte público de R$ 32,5 bilhões, quase 90% do valor total.
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Foto: ANTT