Nesta sexta, quase ao mesmo tempo em que Jair Bolsonaro sentiu o desconforto dos réus, o trabalhador senegalês Ngange Mbaye foi morto pela PM de Tarcísio com um tiro na barriga.
No Come Ananás
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi internado no Rio Grande do Norte no início da tarde desta sexta-feira, 11, horas depois de virar oficialmente réu por tentativa de golpe de Estado e após sentir “forte desconforto abdominal”. No mesmo dia, quase ao mesmo tempo, o imigrante senegalês Ngange Mbaye foi assassinado em São Paulo, com um tiro à queima roupa no abdômen, pela Polícia Militar de Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite – pela hidra do bolsonarismo.
O réu por golpe de Estado passou mal quando fazia, despudoradamente, um “tour pelo Nordeste”. O trabalhador senegalês, que era vendedor ambulante, foi morto porque tentou salvar a mercadoria de uma outra vendedora – uma senhora – da apreensão por agentes do Estado brasileiro que se prestavam, no Brás, ao papel de fiscais de originalidade de companhias transnacionais de sportswear.
Ngange Mbaye trabalhava há oito anos no Brás e foi morto pela hidra do bolsonarismo quase um ano após outro imigrante senegalês, Serigne Mourballa Mbaye, “cair”, pois sim, do sexto andar do prédio onde morava, na região da Cracolândia, bem na hora em que a PM de Tarcísio e Derrite invadiu seu apartamento, no meio da noite, sem mandado judicial.
Talla, como Serigne Mbaye era conhecido na comunidade senegalesa de São Paulo, teve na hora o “CPF cancelado”, se é que tinha um. Ele estava há sete anos no Brasil e, como seu compatriota assassinado nesta sexta, sequer tinha aquela marca do herege que a hidra gosta de exibir quando atira na barriga de um preto ou atira um preto pela janela: “passagem pela polícia”.
Nesta sexta, falando à imprensa, um primo de Ngange Mbaye protestou: “não somos bichos”.
O aceno, a senha, porém, no estado de São Paulo governado pela hidra, no Brasil envenenado pelo bolsonarismo, é mesmo a do controle de pragas, da dedetização à bala da arraia-miúda. Jair Bolsonaro já se declarava candidato à Presidência da República quando, no dia 18 de setembro de 2015, numa entrevista ao jornal Opção, de Goiás, comentando notícia sobre eventual redução de efetivo das Forças Armadas, declarou:
“Caso venham reduzir o efetivo, é menos gente na rua para fazer frente aos marginais do MST, que são engordados agora por senegaleses, haitianos, iranianos, bolivianos, e tudo que é escória do mundo, né, e agora tá chegando os sírios também aqui. A escória do mundo tá chegando aqui no nosso Brasil como se nós já não tivéssemos problemas demais para resolver. Esse é o grande problema que nós podemos ter”.
Dez anos depois, mesmo depois de tudo, a escória do Brasil segue ao lado de Bolsonaro. Na avenida Paulista, nos hospitais, na anistia, no Brás.
Cúmplices, todos, do sangue no Brás.
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Ilustração: Junião, na Ponte