Fiocruz debate justiça climática e saúde nas periferias

Fernando Pinto, Fiocruz Brasília

No coração do poder, o céu pesava em nuvens densas. Era 5 de junho de 2025 e ecoavam os gritos silenciados das periferias. Na data em que o mundo celebra o meio ambiente, a emergência climática ganhou voz e rosto no Palácio do Planalto, em Brasília. Cerca de 200 pessoas se reuniram para debater o tema Justiça climática e saúde nas periferias, em um evento que entrelaçou ciência, ativismo e gestão pública. Promovido pela Fiocruz em parceria com o Ministério da Saúde e a Secretaria-Geral da Presidência da República, o seminário marcou a urgência de uma pauta que não pode mais esperar.

Com a proximidade da COP30, que será realizada este ano em Belém, o seminário reforçou a urgência de integrar saúde, justiça climática e direitos humanos como pilares de um futuro mais justo e sustentável. O encontro buscou também fortalecer o papel das comunidades periféricas, historicamente marginalizadas, no enfrentamento à crise climática.

Na mesa de abertura, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Valcler Rangel Fernandes, destacou o compromisso da instituição com os territórios mais afetados pelas mudanças climáticas. “Estamos tentando enxergar o Brasil pelas lentes das periferias. Isso significa ouvir os movimentos sociais e compreender como a crise climática atinge, de forma desigual, os moradores do campo, das florestas, das águas e das favelas”, afirmou. “Essas pessoas não surgiram ali por acaso, foram empurradas por processos históricos de exclusão”, complementou.

Fernandes reforçou que a Fiocruz está empenhada em gerar conhecimento, formar quadros e subsidiar políticas públicas para fortalecer o SUS diante da crise ambiental. “Esse é um dia para lembrar, mas também para se indignar. Indignar-se com o desrespeito à ministra Marina Silva no Congresso, com o projeto que fragiliza o licenciamento ambiental e com o fato de o Brasil ainda ser um dos países que mais mata defensores do meio ambiente. Nos últimos dez anos, foram 400 assassinatos, como se duas vezes esse auditório tivesse sido dizimado”, assinalou o vice-presidente.

A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Mariângela Simão, celebrou a presença de jovens ativistas na plateia e relembrou os aprendizados da pandemia de covid. “Durante a pandemia, eu dizia que precisávamos recuperar, na saúde, o ativismo que marcou a luta contra o HIV nos anos 1980. E alguém me respondeu: os jovens foram para o clima”, contou. Simão elogiou o protagonismo dos movimentos juvenis e fez um apelo à persistência: “A luta continua e a vitória é incerta. Por isso, não podemos baixar a guarda”.

A Fiocruz também esteve representada na mesa que discutiu a abordagem intersetorial das políticas públicas voltadas à saúde integral das periferias. O pesquisador da VPAAPS/Fiocruz Guilherme Franco Netto alertou sobre a frequência crescente de eventos extremos e a desconexão de muitas políticas públicas com essa realidade.

“Hoje, é raro passar um mês sem algum evento climático extremo. Não dá mais para planejar políticas no papel, ignorando essa realidade. As periferias são os territórios mais afetados, e é nelas que precisamos garantir proteção e direitos”, disse. Para o pesquisador, “incorporar a crise climática na luta política é condição para assegurar democracia e saúde”.

O coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Carlos Machado, apresentou dados alarmantes sobre a emergência climática no Brasil. “Em 2024, tivemos um aumento de 79% nos incêndios florestais em todos os biomas, atingindo 11,2 milhões de pessoas. Mais de 100 municípios enfrentaram pelo menos 150 dias de calor extremo, com cerca de 6 milhões de pessoas expostas”, detalhou.

Machado chamou atenção para o conceito de “emergências em cascata”, citando o caso do Rio Grande do Sul. “Após dois anos de seca histórica, o estado enfrentou, em 2023 e 2024, desastres que superaram os números de desalojados e mortos registrados em três décadas”, sinalizou.

Políticas públicas com equidade e protagonismo social

A crise climática aprofunda desigualdades estruturais, afetando de forma desproporcional comunidades negras, indígenas, ribeirinhas, quilombolas e periféricas. As estratégias de mitigação e adaptação precisam reconhecer essas vulnerabilidades e garantir a participação ativa desses grupos nos processos decisórios.

O Ministério da Saúde, em conjunto com a Fiocruz, tem desenvolvido iniciativas como o Plano Setorial de Adaptação à Mudança do Clima – Saúde (Adapta SUS), que propõe uma abordagem integrada de proteção à saúde com foco na equidade, articulando vigilância, atenção, promoção, ciência e tecnologia. A participação da Fiocruz também contou com as presenças da diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, dos pesquisadores Socorro Souza, Wagner Martins, Gabriel Veloso, Edward Torres e Andrey Lemos, e da equipe técnica do Colaboratório de Ciência, Tecnologia, Inovação e Sociedade (CTIS).

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