24 omissões no julgamento do golpe

Sem as torres de transmissão, o sistema elétrico não funciona. Entre 8 e 9 de janeiro de 2023, no mesmo dia em que ocorreram os atos golpistas em Brasília, quatro delas foram derrubadas. Por que, então, os três inquéritos abertos pela Polícia Federal sobre esses ataques não são considerados parte da tentativa de golpe de Estado?

Por Silvio Caccia Bava, em Le Monde Diplomatique

Torres de transmissão de energia elétrica são grandes estruturas metálicas que sustentam cabos de alta-tensão, os quais levam energia elétrica das usinas geradoras até as subestações e os consumidores finais. Elas permitem a distribuição de energia por longas distâncias. Sem elas, o sistema elétrico não funciona.

Há todo um cuidadoso serviço de manutenção dessas torres, pois a iluminação do país e o funcionamento das máquinas e de nossa sociedade dependem da energia elétrica. No entanto, em janeiro de 2023 ocorreu algo inédito: 24 torres de transmissão foram sabotadas em seis estados do país.

Todas foram sabotadas da mesma forma: os grandes parafusos foram desparafusados do concreto de sustentação e de suas estruturas; em seguida, foram cortados os cabos de aço que também seguram essas enormes torres, para que elas viessem abaixo. É algo que requer ferramentas específicas e um trabalho profissional. Segundo relatório da Aneel obtido pelo jornalista Lúcio de Castro, da Agência Sportlight, foram “sabotadores profissionais” que realizaram esses ataques, com o mesmo método em todos os casos.[1]

Entre 8 e 9 de janeiro de 2023 foram derrubadas quatro dessas torres de transmissão. No dia do ataque à Praça dos Três Poderes, às 21h30, caiu a primeira torre em Rondônia, na cidade de Cujubim. A segunda torre caiu à 0h13 do dia 9, em Medianeira, no Paraná. A terceira torre caiu à 0h40 do dia 9, em Rolim de Moura, Rondônia. E os ataques não pararam aí. De 8 a 30 de janeiro de 2023 foram sabotadas 24 torres de transmissão elétrica em seis estados: Rondônia, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Piauí e Pará.[2]

Os Kids Pretos, forças especiais do Exército treinadas para atuar em operações contra forças irregulares, missões sigilosas e contraterrorismo, são os principais suspeitos dessas sabotagens e de outras iniciativas para a promoção do golpe de Estado. Agiram para influenciar os acampados em frente aos quartéis por meio de seu batalhão de Operações Psicológicas. Segundo o Exército, esse batalhão atua “para influir nas emoções, nas atitudes e nas opiniões de um grupo social, com a finalidade de obter comportamentos predeterminados”.[3]

Esse grupo também é suspeito de participação ativa na organização e no ataque à Praça dos Três Poderes, facilitando a invasão dos prédios públicos. Entre seus principais quadros está o general Braga Netto, mentor do projeto “Punhal Verde e Amarelo”, que visava assassinar o presidente, o vice e o ministro Alexandre de Moraes, membro do STF.

Além disso, os Kids Pretos pressionaram altas patentes do Exército para que aderissem ao golpe. “Esse grupo da organização criminosa [‘kids pretos’] atuou para pressionar o comandante do Exército e o Alto Comando, formulando cartas e agitando colegas em prol de ações de força no cenário político, tudo para impedir que o candidato eleito Lula da Silva assomasse ao [entrasse no] Palácio do Planalto”, informou a Procuradoria-Geral da República.[4]

A derrubada das torres, logo após a invasão das sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, pretendia gerar uma crise por falta de energia, provocando caos. Diante dessa situação, só restaria ao presidente Lula decretar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e transferir o poder para os militares. O golpe estaria consumado.

O que surpreende é que, até agora, ao menos pelo que a imprensa publica, os três inquéritos abertos pela Polícia Federal sobre os ataques às torres de transmissão não são considerados parte da tentativa de golpe de Estado. O inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado correu em paralelo, não incluindo a sabotagem que teve como objetivo produzir um apagão no Brasil.

 

[1] https://iclnoticias.com.br/documento-revela-sabotagem-em-torres-de-energia/.

[2] Lúcio de Castro, “Documentos revelam métodos de sabotadores profissionais em ataques contra torres de energia”, Agência Sportlight, 24 abr. 2024.

[3] Octavio Guedes, “Exército muda estrutura e tira poder dos kids pretos”, G1 Política, 22 jul. 2025.

[4] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pgr-kids-pretos-foram-escalados-para-convencer-comandantes-de-golpe/.

Ilustra: © Claudius

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