Famílias moradoras da comunidade Marielle Franco, localizada entre os municípios de Lábrea e Boca do Acre, no sul do Amazonas, fecharam nesta segunda-feira (22) um trecho da BR 317 em protesto, com o objetivo de chamar à atenção das autoridades para a extrema violência no campo na região. As famílias estão revoltadas com uma decisão da Justiça Federal, publicada na terça-feira (16), suspendendo os efeitos da Portaria nº 1.003/2025, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que havia declarado a arrecadação da área da antiga Fazenda Palotina, para incorporá-la ao patrimônio da União, e assim destiná-la para assentamento.
Segundo a magistrada Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas, a medida do Incra era “indevida, imprudente e desproporcional”, diante da existência de dois processos judiciais em andamento: um de natureza possessória, no qual foi reconhecido que a posse da área remonta à década de 1970, exercida pelo fazendeiro Sidnei Sanches Zamora, e outro movido pelo próprio Incra, que questiona a legitimidade da posse e alega tratar-se de bem público. O Incra tem um prazo de dez dias para apresentar documentação comprovando a área como propriedade da União, e assim o fazendeiro poderá ter até 2.500 hectares em sua propriedade.
O bloqueio da estrada é o último recurso que as famílias encontraram depois de várias denúncias, pedidos, envio de documentos e outras formas de reivindicação sem respostas do poder público. Nas faixas e cartolinas, os gritos são pela regularização de terras, pelo fim da violência no campo, contra a grilagem e a pistolagem, pela atuação mais efetiva da Justiça e a maior presença do Incra. “É inadmissível uma única pessoa concentrar este absurdo de terras, e retirarfamílias que estão há muitos anos produzindo para o seu sustento”, afirmou uma das manifestantes.
Na decisão, a juíza ressaltou que o conflito fundiário se agravou após a edição da portaria, gerando episódios de violência, como invasões, incêndios e confrontos com uso de armas brancas e até disparos de arma de fogo. Contudo, a comunidade afirma que as famílias já são vítimas dos conflitos durante os últimos dez anos por parte dos fazendeiros, que usam seus poderes econômicos e influências, enquanto do outro lado, as famílias tentam permanecer na terra, onde vivem e produzem.
A comunidade também se sente incriminada com a alegação dos fazendeiros, de que cercas da fazenda foram derrubadas para o roubo de gado. As acusações não se sustentam, uma vez que as famílias próximas da fazenda não criam gado e se dedicam à produção de hortaliças e criação de pequenos animais.
O processo envolve também o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e o governo do Amazonas, que informou estar monitorando a área em conjunto com outros órgãos federais. A decisão judicial determina que a suspensão da portaria vale até que sejam reunidas provas suficientes sobre a titularidade da terra e a boa-fé dos envolvidos.
As famílias da comunidade estavam bastante animadas desde o mês de julho, quando o Incra promoveu várias reuniões e garantiu a arrecadação da terra para torná-la em assentamento. Mas a revolta com a decisão desfavorável não deve impedir a continuidade da luta pela terra e pelo fim da violência na região.
Famílias já vêm denunciando vigilância ilegal e impedimento de ir e vir
Dentre outras violências mais recentes, as famílias denunciam fazendeiros e grileiros da região, que têm fechado os ramais públicos de acesso às suas comunidades com portão, cadeados e guaritas com seguranças armados da empresa Bastos. A empresa particular seria contratada pelos fazendeiros para impedir o acesso às terras e áreas coletivas de coleta de frutas, pesca e outras atividades extrativistas, e também espionar as trabalhadoras e trabalhadores rurais com drones.
Por outro lado, as falhas na fiscalização de órgãos públicos como o Ibama acabam favorecendo a impunidade no desmatamento ilegal, na retirada e no transporte de madeira destas áreas. As quatro comunidades mais afetadas estavam unidas no protesto: Marielle Franco, Irmã Dorothy, Recreio do Santo Antônio e Seringal Entre Rios, todas do sul de Lábrea e Boca do Acre.
Durante a tarde, em reunião com o Ministério Público Federal (MPF), Ouvidoria Agrária Nacional, procurador e superintendente do Incra e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os/as representantes das comunidades decidiram suspender o protesto e acampamento na rodovia, mas aguardam o encontro marcado para a próxima semana, com órgãos estaduais e federais, incluindo a Corregedoria da Polícia Militar, Secretaria de Justiça e representações de Brasília, do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Uma grande queixa das comunidades é de que esses órgãos do Estado e da União ficam sempre jogando a responsabilidade uns para os outros, e com isto as famílias são as mais prejudicadas. As famílias reivindicam a retirada da empresa dos locais de acesso às comunidades e a liberação do acesso, por se tratarem de áreas públicas.
Conflitos se estendem há mais de dez anos na área da antiga Fazenda Palotina
A comunidade Marielle Franco está inserida em uma área de aproximadamente 50 mil hectares, pertencente à antiga Fazenda Palotina. Deste total, cerca de 200 famílias ocupam 20 mil hectares desde o ano de 2015, na região que fica localizada no sul de Lábrea com acesso pelo Ramal do Garrafa (BR 317 – KM 93), Sentido Boca do Acre / Rio Branco.
Além das dificuldades para se garantir o direito à terra devido ao conflito com os fazendeiros, a comunidade também sofre com o contexto de tensão na região Sul do Amazonas, próxima à divisa com os estados do Acre e Rondônia, conhecida por AMACRO.
*Com informações da CPT Regionais Acre e Amazonas
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
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No protesto, as famílias pretendem chamar à atenção das autoridades para a extrema violência no campo na região da antiga Fazenda Palotina. Foto: registro da comunidade
