Jamil Chade: Com pedido de perdão histórico, Catedral da Sé ecoa grito pela democracia

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Numa Catedral da Sé lotada, não era o passado que estava sendo lembrado. De branco e empunhando flores, milhares de brasileiros transformaram a igreja numa ato ecumênico-político de defesa da democracia.

Neste sábado, o local foi, de novo, o palco para marcar a morte de Vladimir Herzog pela ditadura militar.

E assim como ocorreu há 50 anos na Sé, uma vez mais não cabia qualquer dúvida de que a mobilização não se referia apenas ao jornalista assassinado.

Na energia que brotava pelo local protegido pelos mosaicos das paredes não era o passado que predominava nos discursos. A nostalgia é para a extrema direita. A defesa da democracia olha para o presente, na esperança de inventar um novo futuro.

Assim como ocorreu há 50 anos, o monumento da cidade de São Paulo foi palco de um gesto histórico. Naquele ano de 1975, o culto ecumênico marcou uma virada no destino da ditadura, com 8 mil pessoas pedindo paz.

Em 2025, ele foi uma vez mais histórico. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, presidente do Supremo Tribunal Militar, pediu perdão pelos crimes cometidos pela ditadura, o que fez toda a Igreja se levantar em um longo aplauso emocionado. Ela nomeou as vítimas, um gesto de dignidade. E, acima de tudo, usou um dos instrumentos mais fundamentais para qualquer processo de transição: o pedido de desculpas.

Ao contrário do que ocorreu em 1975, quando os militares tinham cercado a Igreja, desta vez o estado estava de mãos dadas com as vítimas na Catedral da Sé, inclusive na presença do presidente em exercício, Geraldo Alckmin.

Poucas vezes foi tão necessária a resposta que a Sé promoveu como hoje. Levantamentos de instituições como a Universidade de Gotemburgo revelam que apenas 16% da população mundial vive em democracias liberais. A democracia, portanto, é um luxo de poucos. E, pior, está encolhendo.

Na Sé, entre artistas, intelectuais, políticos, ativistas de direitos humanos e personagens da história recente do país, um Brasil intolerante aos ventos do autoritarismo se dava as mãos.

Um país que usa as armas que violadores de direitos humanos e assassinos de sonhos rejeitam: a Justiça, a memória e a verdade.

Um país que reconhece que a violência de estado contra seus jovens negros é uma realidade nas periferias, onde a ausência de garantias fundamentais de direitos humanos ainda é uma realidade.

Sabemos como morrem as democracias. Mas no julgamento de militares condenados por golpe de estado, na reafirmação do estado de direito ou num ato ecumênico no centro de São Paulo, começamos a ver a silhueta de como sobrevivem as democracias.

Ecoava pela Catedral o grito de “sem anistia”. E, ao longo do ato, uma palavra se repetia nos diferentes discursos: resistir. Ou a simples declaração de que, todos os dias e numa obra sem fim, a democracia precisa re-existir.

Encaminhada para Combate Racismo Ambiental por Adelaide Lobo.

Ato interreligioso por Vladimir Herzog reuniu 8 mil pessoas na Praça da Sé, seis dias após seu assassinato no DOI-Codi de São Paulo, em 25/10/1975. Fonte: Instituto Vladimir Herzog

 

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