Mulheres do Cerrado constroem Protocolos de Segurança de Gênero nas Comunidades e Territórios Tradicionais

“O medo não pode nos calar. Estamos aqui para nos fortalecer, trocar experiências e construir saídas que nos mantenham em segurança, vivas e firmes na luta pelo nosso pedaço de chão, pelo direito de permanecer nos nossos territórios”
(Dona Graça Lima, P.A Remansão – Nova Olinda -TO)

Por Teresinha Menezes, em CPT Piauí

A construção coletiva do protocolo de segurança de gênero de comunidades e territórios tradicionais, liderada por mulheres do Cerrado, representa um marco na luta pela garantia de seus direitos, na proteção e fortalecimento dos modos de vida ancestrais. Em um contexto de crescente ameaças aos direitos humanos, territoriais, ambientais e culturais, as mulheres assumem o protagonismo na formulação de estratégias que garantam não apenas sua integridade física, mas também a continuidade das suas tradições, saberes e relações com a terra e o território em que vivem.
Esse processo nasce dos diálogos e reflexões por meio do Projeto Gênero e Biodiversidade: Falas das Mulheres do Cerrado, realizado pela Articulação do Cerrado com o apoio do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e do Critical Ecosystem Partnership Fund (CEPF). A escuta entre diferentes vozes femininas que habitam territórios e comunidades ameaçadas pelo agronegócio nos estados do Tocantins, Goiás e Piauí tem construído o conhecimento sobre suas vivências e resistências na promoção do Bem Viver.

São mulheres que, ao identificarem e partilharem suas dores, as violências que as atravessam, experiências e vivências cotidianas de enfrentamento ao machismo, racismo e patriarcado constroem um conhecimento coletivo sobre o que significa “segurança”, observando os seus contextos de mulheres rurais e de povos tradicionais. Segurança, para as mulheres do Cerrado, vai além da proteção contra ameaças externas ao corpo físico, envolve também o direito de existir com dignidade, de permanecer e preservar seus territórios, de manter viva a memória ancestral e de garantir o futuro das novas gerações.

[O Protocolo de Segurança de Gênero] será muito bem vindo para a nossa comunidade, porque é uma conclusão de um trabalho de forma coletiva, onde pudemos participar e discutir diversos temas, e eu fiquei muito feliz em participar. Para mim, será um documento bem visível para nós devido a sua importância, inclusive para as mais jovens
 Madiam Ribeiro, do Assentamento Flores-Uruçuí-PI.

A metodologia adotada pela facilitação do projeto é profundamente  participativa e intercultural. Cada passo — durante as oficinas — foi guiado pelo princípio da educação popular, com uma abordagem que valoriza os saberes e experiências da comunidade, usando-os como ponto de partida para o aprendizado. As mulheres articulam suas demandas e saberes com instrumentos jurídicos e políticos, como a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), e referenciam suas estratégias de ação. Assim, os protocolos de segurança tornam-se não apenas um documento técnico, mas instrumentos políticos de resistência e afirmação identitária.

Entendemos como as pessoas se identificam e a respeitar toda essa diversidade. Descobrimos várias formas de violências entre as mulheres do grupo, desde a sua infância até hoje, com seus maridos. Essa construção do protocolo está sendo fundamental para a segurança de todas. Hoje, já noto a evolução dessas mulheres, elas estão mais conscientes de seus direitos e de como pedir ajuda, se sentem mais seguras e contam uma com a outra nessa rede de apoio”
– Neide Aparecida Ferreira – Assentamento Oziel Alves Pereira-Baliza- GO.

Os protocolos de segurança de gênero construídos pelas mulheres do Cerrado serão orientadores nas tomadas de decisão de seus corpos-territórios diante das situações de violências recorrentes sofridas por elas. Ao ocupar espaços de decisão e construir caminhos de proteção desde seus próprios referenciais, as mulheres reafirmam que a defesa da vida  é inseparável da defesa dos territórios tradicionais. Seu protagonismo transforma o cuidado em ação política, a solidariedade em estratégia de resistência e o território em espaço de esperança.

Oficinas realizadas no Piauí para a construção dos protocolos de segurança na comunidade Cabeceira do Rio, em Gilbués-PI, e no Assentamento Flores em Uruçuí-PI. Fotos: Teresinha Menezes/CPT Piauí.

Edição: Júlia Barbosa | Comunicação nacional da CPT

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