Por Luciana Gaffrée, da Rel-Uita
Com relação ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff, da nomeação do ex-presidente Lula para ministro, os rumores de um possível golpe ameaçando a democracia brasileira, e uma nova onda conservadora onde movimentos de extrema direita estão ganhando voz, a Rel-UITA resolveu entrevistar o advogado e doutor Marco Aurelio Gonçalvez Ferreira*, especializado em Justiça Criminal, professor da Universidade Estácio de Sá, parecerista da Revista Eletrônica de Direito Processual da UERJ e membro fundador do Instituto Nacional de Difusão da Cidadania, para nos dar o seu parecer sobre a situação atual do Brasil.
Os escândalos de corrupção na Petrobrás Exxon, Chevron e Irmãos Roch
– Lula pode ou não ser ministro? Realmente há algo que o impeça?
– Ao meu ver não há nada que o impeça, uma vez que inexiste processo judicial formalmente instituído contra Lula, mas hoje há uma utilização política do poder judiciário que está sendo instrumentalizado a intervir juridicamente em um campo que é próprio da política. Como consequência, temos a judicialização das disputas políticas no pais. Assim, a viabilidade em Lula ser ministro atualmente é objeto de intenso debate no campo jurídico.
– Há denúncias contra a presidenta Dilma e contra o ex-presidente Lula que sejam motivo para vinculá-los com os escândalos de corrupção da Petrobrás, à Operação Lava Jato?
– Há acusações que buscam ligar a presidente Dilma à compra ilegal da Refinaria de Pasadena nos EUA. Contra o Lula a acusação seria de que foi gestor de um esquema de nomeação de diretores para a empresa. No entanto, não há provas contundentes nem contra Dilma e nem contra Lula quanto a isso!
Desde início do novo mandado da presidente Dilma que os meios de comunicação estão alardeando uma significante retração da economia do país. Tal fato tem criado uma insatisfação social. A oposição política associada a alguns segmentos da grande mídia se aproveitam da fragilidade econômica do país para atacar o governo. Até o momento não há provas contundentes de que Dilma participava ou mesmo tinha conhecimento dos esquemas envolvendo a operação Lava Jato. Já sobre o ex-presidente Lula as acusações versam sobre o suposto recebimento de “vantagens indevidas” por meio da destinação e reforma de um apartamento triplex e um sítio, imóveis de luxo em lugares nobres, além da armazenagem de bens do ex-presidente por uma transportadora, supostamente pago por empreiteiras envolvidas com irregularidades na Petrobras. Também pesa contra ele a suspeita de pagamentos feitos por cinco construtoras envolvidas na Lava Jato, por meio de doações ao Instituto Lula. O ex-presidente nega todas as acusações e afirma que os imóveis de luxo não lhe pertencem. Até o momento não há provas substancias que incriminem realmente o ex-presidente Lula. São apenas indícios.
– Há relação com a Exxon e com a Chevron, na questão da exploração do petróleo, como algumas teorias conspiratórias veiculadas pela internet, nessa conjuntura atual?
– Em momentos de crise as teorias conspiratórias são recorrentes. A que circula é que o apoio dos irmãos Koch a campanhas e institutos conservadores chega ao Brasil no financiamento a grupos como o Movimento Brasil Livre, e que tal fato visaria um cenário político que favoreceria a privatização da Petrobras e o acesso as reservas do pré-sal. Ocorre que o MBL não explicita com clareza quem são os seus financiadores, de modo que essa questão se mantém no campo da especulação.
– Paulinho da Força disse, em uma conversa vazada, que “tem muita gente querendo financiar o impeachment da Dilma” e que isso deve acontecer até o final de abril. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
– Antes de tudo o impeachment é um julgamento político, nesse momento os partidos negociam suas alianças e estabelecem posições. Ao olhar para o cenário atual, vejo que o impeachment de Dilma está iminente!
– O Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel orienta Lula pedir Asilo Político, porque compara o que o Brasil está vivendo hoje ao impeachment de Lugo, no Paraguai. Qual a situação atual de Lula?
– Em ambos personagens, Fernando Lugo e Lula, podemos encontrar pontos de convergência, como a origem humilde e carisma político. Não entanto, possuem trajetórias históricas bem distintas. Lugo foi eleito, mas sofreu um impeachment em 2012. Já Lula foi eleito, aproveitado uma onda positiva no mercado internacional e reeleito ampliando os investimentos sociais no Brasil. Ainda em seu último mandato tinha boa popularidade. Foi um dos governos mais bem aceitos. Por isso politicamente ainda tem força como articulador e bom negociador. A sua entrada como Ministro no governo Dilma seria para evitar a derrocada do PT. No entanto, forças de oposição, com braços no poder judiciário, estão tentando evitar que Lula entre para arrumar a casa, bem como visam impedi-lo de concorrer às eleições presidenciais em 2018. Creio que a situação de Lugo era bem mais tensa, tendo em vista as recorrentes ameaças de morte que sofria.
O impeachment da Dilma, Collor ou Getúlio?
– Em 18 de março de 2016, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por 26 votos a 2, decidiu apoiar o pedido de impeachment de Dilma, baseado no parecer do Erick Venâncio. O senhor pode nos explicar qual foi esse parecer e se o senhor está de acordo com ele?
– O Voto de Erick Venâncio baseou-se, principalmente, em uma questão de entendimento muito controvertido no direito, as chamadas “pedaladas fiscais” que supostamente teriam sido feitas pela presidente numa tentativa de, através de manobras contábeis, maquiar o orçamento federal. As outras questões envolveriam a renúncia fiscal concedida à FIFA na Copa do Mundo e também uma suposta intervenção na operação Lava Jato. Ocorre que nenhuma dessas questões estariam devidamente provadas.
– Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) mantém decisão sobre rito do impeachment, sendo que a decisão do Supremo seguiu o precedente no caso do impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Qual o parecer do senhor sobre a postura do STF?
– A atual composição do STF é formada por ministros que foram indicados pelo PT, acontece que ao longo dos julgamentos isso nem sempre se mostrou sinônimo de impunidade e acobertamento, veja que na decisão sobre o rito do impeachment o STF se posicionou favorável ao governo, vez que decidiram que a comissão de impeachment só poderia ser composta por parlamentares indicados pelos líderes partidários. Assim, impediu as candidaturas avulsas. O STF também decidiu que a eleição da comissão de impeachment só poderia ser feita em votação aberta, e não secreta como queria a oposição. Também afirmou que o Senado tem o poder para rejeitar e arquivar o processo de impeachment. Por outro lado, o mesmo STF determinou as prisões do Senador do PT Delcídio do Amaral, decidiu recentemente, em liminar, pela anulação da nomeação de Lula ao ministério do governo de Dilma e não podemos esquecer das condenações do caso do Mensalão.
Diante desses acontecimentos, somados a pressão dos meios de comunicação e os movimentos nas ruas, acredito que a partir de agora o STF buscará atuar com cautela e de forma mais legalista e menos política.
– Quais são os movimentos pró-impeachment?
– Diversos são os movimentos que se organizam, uns circunstancias e outros de tradição política mais consolidada. Assim, dois movimentos ditos populares estão ganhando visibilidade o “Movimento Vem pra Rua” e o “Movimento Brasil Livre”. Esses movimentos, apareceram de forma circunstancial e suas lideranças não possuem tradição de participação política. Estão mais ligados à direita e frequentemente são associados a um segmento social mais elevado. Estes contam com o apoio da grande mídia ligada à oposição.
– Quais são os movimentos contra o impeachment?
– Os movimentos organizados contra o impeachment mais significantes são a “Frente Brasil Popular”, composta por dezenas de outras entidades, a “Central Única dos Trabalhadores (CUT)” e “Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)”, o “Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)” e dos “Trabalhadores Sem Teto (MTST)” e a “União Nacional dos Estudantes (UNE)”. Estes são movimentos mais tradicionais ligados a esquerda e se declaram representantes de um seguimento social menos favorecido. Ambos os movimentos, de direita e esquerda, conseguem mobilizar quantidade significa da população. Ainda outros se constituem e se alinham ao cenário político.
– É possível comparar o momento atual com o impeachment do Collor?
– Ao final do mandato de Lula já se visualizava um movimento contrário à manutenção do PT no poder. Esse movimento foi ganhando corpo até que a eleição de Dilma se deu por um resultado apertado em relação ao outro candidato, Aécio Neves. Esse resultado eleitoral causou um racha na sociedade brasileira, essa divisão foi se acentuando e as posições de direita e esquerda foram se definindo de forma mais aguda no cenário político. Na época de Collor havia quase um consenso social a favor do seu impeachment. Não havia tamanha cisão percebida hoje.
– É possível comparar o movimento atual com os acontecimentos vividos prévios ao golpe de 64 e também com o suicídio de Getúlio?
– Creio que há aspectos distintos e outros semelhantes. Ainda que parte da máquina do Estado, em conjunto com determinados meios de comunicação, esteja sendo manipulada para derrubar um governo eleito, os caminhos utilizados são os previstos em lei. A atuação das instâncias de controle social, como a polícia federal e o poder judiciário, exercem sua autoridade. O impeachment é um instrumento previsto na Constituição Brasileira. Já os elementos de coincidência são as acusações de que o governo está envolvido em corrupção e o clima de insegurança e medo que se instalou, o que propicia o surgimento de personagens messiânicos com providencias autoritárias como solução.
Dilma denuncia ser vítima de golpe – Um novo Plano Condor?
– Hoje saiu a notícia de que a presidenta Dilma vai alertar ao mundo que está sendo vítima de uma tentativa de golpe. Essa denúncia procede?
– Há uma célebre frase atribuída a Karl Marx que diz: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.” Os discursos de apoio ao governo são dizeres que alarmam pela existência de um golpe. No entanto, em muito se difere do golpe de Estado ocorrido em 1964 no qual um governo foi tomado mediante força pelos militares. A atual atribuição da categoria “golpe” se relaciona à tentativa de retirada de um governo que foi legitimamente eleito. No entanto, não através da força, mas no uso da própria máquina estatal e seus poderes constituídos, seja judiciário ou legislativo.
– Há realmente uma mídia golpista, como é denunciada não só pelo governo brasileiro, mas também pelo governo uruguaio, nas vozes de Tabaré Vazquez, da Frente Ampla e de Mujica, alertando para um golpe principalmente midiático?
– A grande mídia em todos os lugares do mundo tenta manipular as pessoas, seja para direcioná-las ao consumo, seja para influências políticas. Observe que nos EUA a CNN tende aos democratas e a FOX News tende aos republicanos. No Brasil a maior emissora de TV, a Rede Globo, está claramente a favor do impeachment, bem como a REVISTA VEJA, também de grande circulação. Essas instituições no Brasil visam unicamente atender seus interesses econômicos, ainda que para isso direcione seus esforços a destituir alguém do poder.
– O presidente do Equador, Rafael Correa, disse hoje [18/3] que a América do Sul está sendo ameaçada por tentativas de desestabilização dos governos progressistas da região e comparou o processo a um novo Plano Condor. O que o senhor opina sobre isso?
– Acho que a ascensão da direita é um fenômeno mundial. Veja que na AL tivemos a vitória de Maurício Macri na Argentina, nos EUA estamos acompanhando a ascensão de Donald Trunp como representante do partido republicano, na Europa em razão da crise migratória os movimentos de extrema direita têm ganhado voz, a exemplo, o aumento da popularidade de Björn Höcke na Alemanha. Não acredito que seja resultado de um plano conspiratório, mas de um fenômeno cíclico.
– A democracia e a legalidade do Brasil estão em risco?
– Creio que sim! O próprio poder judiciário tem sido instrumentalizado para intervir nas questões políticas e assim violado regras processuais e princípios constitucionais. Tal atitude, vinda do juiz federal Sérgio Moro, encontra respaldo e apoio por parcela da sociedade. Tal fato tem produzido uma explicitação na aplicação seletiva da justiça penal, que antes recaía somente contra os miseráveis e agora atinge os poderosos. No entanto, não podemos defender a noção de Democracia Republicana e ao mesmo tempo aceitar suas violações, sobre qualquer que seja a classe social! Não podemos dizer que somos a favor dos direitos fundamentais se no exato momento de sua violação criamos justificativas para excepcionar sua aplicação por questões políticas! É justamente no momento da ameaça ou concreta violação dos direitos que devemos reivindicar o respeito, sua validade e sua aplicação!
– Para o senhor, o Brasil ganha ou perde com a saída da Dilma? Por quê?
– O Brasil perde, pois enfraquece suas instituições democráticas, sendo uma das mais relevantes o voto popular que assegura a legitimidade de um governo. Não é em razão de uma má gestão econômica que podemos fazer um impeachment contra um presidente. As instituições democráticas devem prevalecer e, ao final do mandato de Dilma, deve-se usar o voto como a mudança que cada um espera para o país.
– Finalmente, tirar o PT do governo é acabar com a corrupção?
– Em hipótese alguma! Seria uma ingenuidade acreditar que a corrupção no Brasil está a cargo de um único partido! A linha sucessória em caso de impeachment é rodeada de personagens envolvidos em escândalos de corrupção. Na verdade, a corrupção no Brasil é histórica e endêmica, e atinge todas as instituições públicas.
– O senhor quer acrescentar alguma coisa?
– Nesse embate estou inserido em um grupo que está na luta pela permanência da democracia e suas instituições! Agradeço o convite para a entrevista e espero que ao final as vias legais tenham sido respeitadas, independentemente do resultado com impeachment ou não! Obrigado a todos e em especial à Rel-UITA!
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*MARCO AURÉLIO GONÇALVES FERREIRA é advogado desde 2002 e possui título de doutor em Direito em 2009 pela Universidade Gama Filho com estudos realizado parte na Universidade de Buenos Aires-Argentina e parte também na Universidade de Ottawa-Canadá, obtendo o título de Mestre em Direito pela UGF no ano de 2005 e Pós-Graduação pela Universidade Federal Fluminense em Justiça Criminal. Formado em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis no ano de 1999 é professor do curso de graduação em Direito Universidade Estácio de Sá (UNESA) e professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, (UFF) no Departamento de Segurança Pública. Parecerista da Revista Eletrônica de Direito Processual da UERJ e autor de artigos e livros e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia por meio do INCT-InEAC, sendo também membro fundador do INDICI (Instituto Nacional de Difusão da Cidadania). Foi Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ-Petrópolis.