No blog do Sakamoto
“Japonês, combater corrupção é mais importante que combater trabalho escravo.”
Acho que estou ficando velho para ouvir certas coisas. Pois, nesse momento, passou pela minha cabeça um tratado sobre o maniqueísmo das coisas e a natureza sui generis do pensamento humano. Mas, felizmente ou infelizmente, tudo o que saiu como resposta foi algo do tipo “Miga, sua lôka, sem competição de desgraça, plis!”
Devo confessar que tenho mais horror a esse tipo de coisa do que aos companheiros semoventes que ousam empregar catchup e mostarda na pizza. O horror… O horror!
Mesmo que utilizar trabalho escravo também não estivesse ligado a diversas formas de corrupção, ao subverter instituições em proveito da evasão fiscal, do lucro pessoal e do aumento do poder de competitividade de uma empresa, já seria um crime contra a humanidade, uma das piores formas de degradação.
Esse tipo de pensamento “a minha desgraça é mais importante que a sua, então tem que ser resolvida antes” me lembra muito o velho e bom “vamos primeiro fazer crescer o bolo, mas depois dividi-lo”, muito em voga na última ditadura civil-militar. Mas também sua versão revolucionária: “primeiro, alimentar o proletariado, depois combater o machismo”.
Dois equívocos históricos que ainda não foram devidamente esmiuçados e compreendidos. Pois o bolo crescido nunca é dividido. E a vitória do proletariado é vazia se for construída com base na violência de gênero.
A reflexão que envolve apenas um Tico e um Teco não admite a possibilidade de múltiplas frentes atacando vários problemas políticos, econômicos e sociais simultaneamente. Não consegue ou não quer compreender a complexidade da sociedade em que vive. Irrita a esse tipo de reflexão tudo o que fuja da eterna luta do bem contra o mal – sendo que, de forma egoísta, ela eleja o que é o bem e o que é o mal.
Porque, no fundo, o que assusta é a pergunta: e se Deus não for tão bonzinho? E se o Diabo tiver qualidades importantes?
Celebra-se nesta quinta (7), o Dia do Jornalista. E, portanto, é meu dever usar a efeméride para questionar se os discípulos de Jeová não foram mais competentes que os de Lúcifer para fazer valer sua versão dos fatos. Afinal, tudo é questão de que discurso é escolhido para ser incensado, divulgado e se tornar hegemônico…
Se, por um lado, a maioria cansada quer fugir da complexidade dessas questões, por outro uma minoria disposta atua de todas as formas possíveis para que essa maioria opte pela fuga. Pois, assim, é ela quem decide o que você vai considerar importante, ou seja, o que deve entrar na agenda da opinião pública. E ela deixa claro que é só uma coisa de cada vez, na ordem que ela deseja.
Quando alguém diz que o combate à corrupção é mais importante que ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, não está trazendo uma verdade absoluta é inconteste – até porque isso não existe. Está impondo sua agenda à sociedade, porque as duas coisas são importante e, não coincidentemente, complementares. Considerando que esse crime está, ao lado dos tráficos de armas e o de drogas, como um dos mais lucrativos do mundo, de acordo com pelas Nações Unidas, percebe-se que não estamos tratando de migalhas.
Por isso, uma dica: sabe o que é mais importante que combater a corrupção ou o trabalho escravo? Ser capaz de pensar por conta própria.
Sugiro. É libertador.