Empresa pública que planejou o porto sem consulta às comunidades afetadas recorreu da suspensão, mas teve o pedido negado em Brasília
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o pedido da Embraps (Empresa Brasileira de Portos de Santarém) para retomar o projeto de um porto no lago de Maicá, na margem direita do rio Amazonas, em Santarém. Com a negativa, fica mantida a decisão da Justiça Federal de 1a instância de suspender o empreendimento, até que os responsáveis pelo porto comprovem a realização da consulta prévia, livre e informada dos povos e comunidades afetados pelo empreendimento, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Além da consulta prévia, a decisão, do desembargador federal Antônio Souza Prudente também confirmou a necessidade de que o licenciamento do porto de Maicá seja feita na esfera federal, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), por se tratar de empreendimento no rio Amazonas, o maior rio federal do país. Em seu recurso, a Embraps alegou que está cumprindo todas as exigências do órgão licenciador, no caso a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) e entre as exigências não está a realização da consulta prévia, que seria apenas uma condicionante para as fases posteriores.
Para o desembargador, ao fazer essa afirmação, a Embraps confessou que está descumprindo a Convenção 169 da OIT. “Em se tratando de consulta prévia a sua realização haverá de preceder o próprio ato de autorização do empreendimento”, diz o desembargador na decisão, acrescentando que “não se pode admitir a sua inclusão como mera condicionante a ser cumprida durante o licenciamento”.
Para o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA), autores do processo judicial, nas manifestações de defesa de todos os réus no caso – Semas, Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquáticos) e Embraps – demonstraram desconhecer a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que determina a consulta sempre que atos administrativos ou empreendimentos econômicos possam comprometer a permanência de modos de vida tradicionais.
Existem sete comunidades quilombolas que sofrerão impacto direto ou indireto do porto da Embraps reconhecidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), pela Fundação Palmares, pela Justiça Federal e até pela prefeitura de Santarém (PA), mas foram ignoradas até o momento no processo de instalação. MPF e MP temem mais um conflito agrário na região. A Embraps já vem espalhando placas no Lago do Maicá, onde pretende fazer a obra, marcando a região, cheia de famílias quilombolas e ribeirinhas, como propriedade particular.
“A falta de consulta prévia pode gerar, por isso, grave conflito agrário, dado que a informação veiculada pela empresa Embraps fere direitos ocupacionais das populações tradicionais que historicamente ocupam as áreas de várzea e que são de domínio da União, de acordo com a Secretaria de Patrimônio da União. Não podem, assim, as áreas serem consideradas de propriedade da Embraps”, diz a ação judicial.
Processo nº 0000377-75.2016.4.01.3902
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Imagem: Placa no Lago do Maicá indicando propriedade particular em localidade habitada por comunidades tradicionais (imagem disponível na ação do MPF e MP PA)