Europarlamentares no Brasil: solidariedade aos povos indígenas, por Egon Heck

CIMI

Em Brasília, o primeiro choque de realidade

Após ter sido denunciado ao Parlamento Europeu a dramática situação a que estão submetidos os índios Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul, uma delegação de europarlamentares veio ao Brasil para verificação in loco dessa realidade, pedir medidas urgentes do governo brasileiro e prestar sua solidariedade a esse povo. Passado mais de um ano, finalmente a missão foi agendada. Na segunda (5), a delegação com representantes de seis países (Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália, Holanda e França) chegou a Brasília. Pouco mais de uma semana antes, em 24 de novembro, o Parlamento Europeu havia aprovado uma resolução pedindo às autoridades brasileiras pela proteção e demarcação das terras Guarani e Kaiowá.

Na parte da tarde, participaram de uma audiência pública organizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados. Foram quase três horas de duras críticas à política indigenista levada adiante pelo Estado brasileiro, e denúncias de extrema violência contra os povos indígenas, em particular contra os Kaiowá e Guarani. A situação foi classificada de etnocídio, genocídio, guerra. Apesar dessa ser uma realidade que tem sido verificada no decorrer de mais de cinco séculos de extermínio, atualmente se percebe que a situação tende a se agravar mais ainda. Está em curso arquitetada política de supressão de direitos dos povos indígenas no país.

O Deputado Padre João (PT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara abriu a sessão ressaltando a gravidade da situação enfrentada pelos Kaiowá e Guarani, no Mato Grosso do Sul. Essa realidade já ensejou a visita a esse povo de sete Comissões Parlamentares e a realização de quatro audiências públicas sobre essa realidade.

Denúncias, diligências e retomadas

Por diversas vezes nos últimos anos, o povo Kaiowá Guarani, em seu espírito de resistência, cansados de denunciar o processo de morte a que são submetidos, buscaram levar o seu grito a vários países e instâncias mundiais. Estiveram na União das Nações Unidas (ONU) por várias vezes. Estiveram denunciando a situação na Organização dos Estados Americanos (OEA), no Parlamento Europeu, dentre outras. Em todos esses espaços denunciaram os governos e o Estado brasileiro, por não ultimar a demarcação de suas terras, sendo essa a principal razão de tamanha violência e atrocidade. Cobraram insistentemente o cumprimento da Constituição que exige a demarcação e garantia dos tekoha, territórios tradicionais desse povo.

As denúncias geraram a visita e diligências feitas por várias instâncias da sociedade civil e organismos internacionais. Uma das importantes diligências foi feito pela relatora especial para direitos dos povos indígenas na ONU, Victoria Tauli-Corpuz.

Porém toda essa solidariedade nacional e internacional, para enfrentar seus inimigos, não lhes daria a certeza da vitória se não trilhassem o último caminho que lhes resta, qual seja, a retomada de seus territórios tradicionais, o fortalecimento de sua cultura, suas constantes práticas rituais religiosas, fortalecer suas formas organizativas, as Aty e as Aty Guasu e realizar a autodemarcação de suas terras.

Essa destemida e corajosa luta pela terra, a proteção da natureza e todas as formas de vida com a crescente solidariedade e apoio nacional e internacional, está possibilitando enfrentar essa dramática situação, com esperança e alegria. Isso é extremamente impressionante.

Um dos números reveladores dessa ignomínia praticada pelo Estado brasileiro e interesses econômicos, é confinarem mais de 45 mil índios em “pequenos chiqueirinhos”, como eles qualificam os 30 mil hectares de reservas em que estão exprimidos.

Avanço do retrocesso

Foi unânime entre os depoentes que vivemos um período de retrocessos, de retirada de direitos constitucionais. O senador João Capiberibe (PSB-AP) se referiu ao momento, como um campo minado. O Estado brasileiro está em conluio contra os direitos indígenas. Situação de guerra e retrocesso. Diante da gravidade do momento reforçou a importância de se organizar uma campanha permanente pelos direitos dos povos Kaiowá Guarani.

O Eurodeputado Francisco Assis, de Portugal, reconheceu que os povos originários tem sido maltratados pela colonização europeia. “Criamos problemas sérios aos povos indígenas. A miscigenação foi imposta com uma violência muito grande. Como portugueses temos  grande responsabilidade dos massacres e genocídio. Como europeus temos que pedir perdão a esses povos pelos crimes gravíssimos que cometemos”, afirmou, acrescentando que os crimes contra os direitos dos povos indígenas são crimes “contra todo o povo brasileiro e contra a humanidade”.

O grito nativo

Valéria Payé, liderança indígena Katxuyana e uma das coordenadoras da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), lembrou que o momento crucial de retrocesso com relação aos direitos constitucionais conquistados, estava a exigir dos povos indígenas um permanente processo de luta para manutenção dessas conquistas.

“Querem tirar nossos direitos, nos colocar na beira da estrada, numa guerra e pressão permanente. Somos barrados de entrar nessa casa quando nossos direitos são discutidos. São 180 propostas de retirada de direitos indígenas nessa casa. Um verdadeiro processo de desconstrução de nossos direitos. As autoridades só entendem a linguagem do embate”, denunciou a indígena.

Representantes dos povos Myky, Manoki, Kawaiweté (Kayabi) e Rikbaktsa também fizeram a denúncia do processo de construção de hidrelétricas no Mato Grosso, que estão trazendo muitos impactos e problemas para suas vidas, além de tomarem parte de seus territórios. São mais de 100 hidrelétricas projetadas na rio Juruena e afluentes. Por causa desses impactos atuais e futuros, e por pensar nos seus filhos e netos, por entender que é uma agressão e destruição da natureza, se manifestam contra a realização desses projetos.

Eles também externaram sua solidariedade aos parentes Kaiowá Guarani, que estão sofrendo muito porque não tem terra. Por isso toda essa violência contra eles e a criminalização das lideranças.

A “passagem” do presidente da Funai

Agostinho Neto, presidente interino da Funai buscou esclarecer seu esforço hercúleo para administrar a falida e sucateada Funai. “Nestas nove semanas em que estou desempenhando essa função, como funcionário público, pretendo fazer o melhor possível como funcionário, de passagem”.

Admitiu os caminhos e descaminhos de processos de terras indígenas, dançando ao sabor dos interesses poderosos, de um ministério e órgão para outro: da Funai para o Ministério da Justiça ou para a Casa Civil, se dão em decorrência de vetores institucionais e infraestruturais. Admitiu que a deflagração da violência poderá aumentar.

Insistiu que está de “passagem”, cumprindo uma função, pois a questão indígena é uma questão de Estado.

A esperança solidária

O secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, ressaltou em sua fala que apesar do cenário de guerra, como em Caarapó (MS), sobre o qual foi exibido o vídeo sobre o massacre ocorrido nesta cidade, a causa indígena traz consigo uma força de resistência e de futuro, que poderá ser importante para o país nesse momento de perplexidade. Exemplares do Relatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2015, em português e em inglês, foram entregues aos membros da Comissão de europarlamentares.

Apesar dos discursos de ódio e racismo apregoados pelos interesses anti-indígenas, os Guarani e Kaiowá continuam a viver e apresentar o horizonte do Bem Viver, da Terra Sem Males. Que a delegação de eurodeputados que está visitando comunidades desse povo nesses dias, transforme a esperança em ações concretas pelas suas vida.

Fotos: Povos Myky, Rikbaktsa, Manoki, Katxuyana e Kawaiweté (Kayabi) participaram da audiência – Tiago Miotto – Assessoria de Comunicação do Cimi

Brasília, 6 de dezembro de 2016

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