Por Marcelo Carvalho, em Última Divisão
A bola está no centro do gramado, o jogo prestes a começar. Na arquibancada, duas torcidas apaixonadas por seus clubes. A expectativa é grande e o nervosismo assombroso. O juiz prestes a dar o apito inicial, mas por um minuto aquele jovem negro em meio a multidão fecha os olhos e, antes de a bola rolar, ele pensa na mãe, nos irmãos, na comunidade pobre de onde é oriundo e em sua infância repleta de dificuldades. Nos pensamentos perdidos para o além dos muros do futebol, recorda que o Brasil, assim como o estádio, também está dividido. “Luta de classes”, dizem uns; “luta entre a esquerda e direita”, proferem outros. Ricos x pobres, brancos x negros. “É, realmente, o país não está em paz”, sentencia em seus pensamentos.
No campo de futebol, até então existia a democracia racial. Ali, entre os 22 jogares, pouco importava a cor e a origem social – é o que sempre acreditou nosso personagem. Mas um fato o incomoda de uns tempos para cá, que é a grande quantidade de incidentes racistas nos estádios de futebol Brasil afora e infelizmente do mundo todo.
E o que antes simbolizava a harmonia entre os brasileiros vem demonstrando que o Brasil sem racismo nunca passou de uma falácia. Que o futebol sempre mascarou a realidade da sociedade brasileira, assim como dele mesmo – afinal, bastou um simples olhar no entorno para descobrir a pouca quantidade de negros entre os torcedores, o que é comum nas novas arenas.
O tempo passou e nos deixou com a impressão que todas as proibições racistas deixaram de existir, mas a verdade é outra. Nos grandes clubes brasileiros que substituíram os times de fábricas do início do século XX, o negro continua a encontrar barreiras. Não aquelas placas públicas como a que Paulo César Caju encontrou num clube em Bagé, no interior do Rio Grande do Sul, onde alertava que a entrada de negros era proibida, mas a que negros não são capazes de assumir cargos de comando.
Pois onde estão os negros que deixam a carreira de jogador de futebol? Por que não se tornam treinadores como tantos outros atletas? A falta de treinadores negros, assim como dirigentes e presidentes, é perceptível. Mas se a questão for levantada para debate, muitos dirão que não é válida, que é “mimimi” ou “vitimismo”. Alguns ainda irão perguntar se agora queremos cotas raciais também no futebol.
Se o estádio de futebol é um pedaço de um todo e o que acontece ali é apenas reflexo da nossa sociedade, já passou da hora de proibirmos as faixas com os dizeres “no futebol vale tudo”. Não vale. E não pode racismo, falta de valores, machismo, sexismo, homofobia e tudo aquilo que é errado.
O racismo não é um problema só dos negros. A desigualdade social tem seu reflexo na violência. A opção de construir menos escolas e mais presídios não vai tornar o país mais seguro.
Se queremos um mundo melhor, um futebol sem violência e o fim do racismo, precisamos mudar nossos atos e atitudes. Passou da hora de condenar os erros dos outros e continuarmos a vibrar com a malandragem do jogador do nosso time. Chegou a hora de menos briga e mais diálogo, de menos apontar de dedos e de ouvir mais o outro. Chegou a hora de exercitarmos a empatia e lembrar que o mesmo racismo que silencia a criança negra é o que mata os jovens nas ruas.
Chegou a nossa hora.
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