São Paulo Rural: uma disputa com a rentabilidade do urbano

No Blog da Raquel Rolnik

No fim de 2016, a Prefeitura de São Paulo ganhou um prêmio de U$S 5 milhões do braço filantrópico da agência de notícias Bloomberg, num concurso voltado para gestões inovadoras na América Latina. O projeto vencedor apresentado pela gestão do ex-prefeito Fernando Haddad foi o “Ligue os Pontos”, cujo objetivo é fortalecer a produção agrícola, de preferência orgânica e agroecológica, da zona rural da cidade. Sim, São Paulo tem uma zona rural que corresponde a quase 30% do seu território, que tem cerca de 400 produtores, e boa parte dela é simultaneamente área de proteção ambiental. No início da semana passada (21), felizmente, o prefeito João Doria assinou o acordo de cooperação com a Bloomberg, formalizando o recebimento do  valor do prêmio e dando continuidade à iniciativa.

A zona rural paulistana havia sido extinta no Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002 e só voltou a existir legalmente no PDE de 2014, depois de uma importantíssima articulação de produtores rurais e movimentos em torno da agroecologia e segurança alimentar na cidade. Nos últimos anos, o fortalecimento desses pequenos agricultores – estratégia central do “Ligue os Pontos” – fazia parte de um conjunto de políticas da gestão municipal que incluíam desde a compra de alimentos para a merenda escolar até o aumento de feiras livres e de orgânicos, além da criação de uma central de compostagem para aproveitar resíduos alimentares.

Com a assinatura do acordo de cooperação, será criada uma plataforma digital que conectará os cerca de 400 produtores rurais cadastrados atualmente e facilitará o acesso a assistência técnica e a interessados nos produtos. A maioria desses agricultores produz em condições precárias, com muita dificuldade de acessar o mercado consumidor. Na realidade, são vários os desafios de sustentabilidade da zona rural. Um deles é a migração dos mais jovens para regiões de atividades tipicamente urbanas, algo que está muito relacionado à dificuldade que encontram para conseguir renda que lhes garanta dignidade e prosperidade. Outro, é a dimensão territorial do assunto.

Embora as zonas rurais estejam presentes também nas regiões Leste e Norte da cidade, o Ligue os Pontos está concentrado em Parelheiros, na região Sul da cidade, onde a nossa zona rural é maior e onde está concentrada a maioria dos produtores. A ideia do programa é incentivar a permanência dos agricultores na terra e o fornecimento de alimentação de qualidade, inclusive para a rede municipal de educação, por meio de assistência técnica, fiscalização e apoio à cadeia produtiva, o que permitirá aumentar o valor agregado da produção.

Sabemos, porém, que a expansão urbana de São Paulo continua firme e forte. Ainda ocorrem vários lançamentos imobiliários e loteamentos nas zonas rurais, em sua maioria, ilegais. Trata-se de uma disputa real entre um urbano que garante rentabilidade e um rural que não proporciona essas condições. De modo geral, essa expansão oferece lotes pequenos para a população de baixa renda. Isso ocorre porque não existem alternativas de acesso a terra e habitação, especialmente para os mais pobres, dentro das áreas urbanas que já contam com infraestrutura.

Ou seja, o Ligue os Pontos tem uma dimensão intersetorial e intersecretarial superimportante, que vai além do fortalecimento da produção agrícola na cidade e é louvável que o programa continue e seja estimulada na atual gestão municipal. Mas para que possamos ter uma zona rural potente, que segure a voracidade da expansão urbana, é necessário ir mais além, inclusive ofertando habitação para a população de baixa renda.

Falei sobre esse assunto na Rádio Usp na minha coluna na última quinta-feira (23). Ouça aqui.

Foto: Folha de Parelheiros.

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