Intervenção militar na segurança do Rio atinge os mais pobres e não resolve violência

Decreto é uma tentativa de enfrentar a baixíssima popularidade de Temer e encobre o fracasso da votação da Previdência

Pedro Rafael Vilela, Brasil de Fato

Em vigor desde a semana passada, o decreto presidencial que estabelece uma intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro foi aprovado com folga nos plenários da Câmara dos Deputados (340 votos a favor e 72) e do Senado (55 votos favoráveis e 13 contrários) na segunda (19) e terça-feira (20), respectivamente.

Com a medida, a área de segurança pública do Rio, inclusive o controle sobre as polícias Militar e Civil, além do Corpo de Bombeiras, sai do comando do governador Luiz Fernando Pezão (MDB) para as mãos interventor escolhido, o general do Exército Walter Braga Netto, que responderá diretamente ao golpista Michel Temer, presidente com a pior avaliação de governo da história da República.

Já nos primeiros dias de intervenção, programada para durar até 31 de dezembro, a foto de uma menina observando um soldado do Exército enquanto bolsas e mochilas de outras crianças, todas com uniformes escolares, eram revistadas numa favela do Rio de Janeiro, ganhou repercussão internacional. A imagem é um reflexo cruel sobre a quem deve recair o peso da intervenção de caráter militar: a população negra, pobre e moradora da periferia da cidade.

Brasil de Fato levantou alguns dos principais aspectos que envolvem a intervenção no Rio e como essa medida, além de ineficaz, pode aprofundar ainda mais o já grave cenário histórico de violência crônica e de violação de direitos das populações mais vulneráveis. Confira:

Custo alto, retorno baixo

Apesar da intervenção federal no Rio ser algo inédito desde a promulgação da Constituição de 1988, não é a primeira vez que as Forças Armadas realizam operações na área de segurança pública do estado. Os decretos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foram usados por todos os ex-presidentes desde Fernando Collor, para permitir patrulhamento do Exército durante grandes eventos, como a ECO-92 e, mais recentemente, Copa do Mundo e Olimpíadas, ou para auxiliar as forças de segurança estaduais na tentativa de conter a violência de facções criminosas. Os índices de violência, como a taxa de homicídios, no entanto, sempre retomaram aos mesmos patamares, como 40 assassinatos por 100 mil habitantes, número de 2017.

Um exemplo do desperdício de recursos públicos se seu, por exemplo, entre abril de 2014 e junho de 2015, quando o complexo de favelas da Maré, zona norte do Rio, permaneceu ocupado por militares do Exército, ao custo estimado de R$ 600 milhões, sem produzir efeitos positivos na violência da região. Em 2017, foi a vez de Temer bancar R$ 10 milhões em uma invasão na Rocinha que resultou numa pequena apreensão de armas.

Violações de direitos

Na primeira reunião do alto escalão da República para discutir os termos da intervenção no Rio, ocorrida na última segunda-feira (19), o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas chegou a dizer que era preciso dar garantias para que os militares pudessem agir “sem o risco de uma nova Comissão da Verdade”. Foi uma referência à Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída durante o governo Dilma Rousseff (2011-2016), para investigar crimes de tortura e morte cometidos pelas Forças Armadas durante a ditadura militar que vigorou no país entre 1964 e 1985.

Desde o ano passado, uma lei já prevê que militares que cometerem crimes no exercício de suas atividades só serão julgados na Justiça Militar e não na Justiça comum, como os demais cidadãos. Outra questão polêmica foi o anúncio de que o governo federal solicitaria mandados de busca e apreensão e até de prisão coletivos. A medida, se colocada em vigor, autorizaria militares a entrar em qualquer casa de determinados bairros e prender pessoas que considerassem suspeitas. Por conta da repercussão negativa da medida, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, recuou da declaração.

Política de drogas

Ao longo dos últimos anos, a população carcerária no Brasil aumentou exponencialmente e já é a terceira maior do mundo, com cerca de 700 mil detentos. A grande maioria é formada de presos provisórios que foram detidos portanto drogas e acusados de tráfico. Este cenário expõe a ineficácia da política de combate às drogas, que não conseguiu reduzir o consumo e aumentou a violência e o número de mortes, principalmente entre jovens negros das periferias das grandes cidades.

A maioria das grandes democracias na Europa, América do Norte e outras regiões do planeta tem modificado a política de drogas ao longo dos últimos anos, com a descriminalização do consumo e até mesmo a legalização do comércio controlado, como é o caso da maconha em diversos países. No vizinho Uruguai, por exemplo, houve queda de 18% dos crimes relacionados ao tráfico desde que o país regulamentou o cultivo e o comércio da maconha, há quatro anos. Nos Estados Unidos, onde alguns estados também legalizaram o comércio da erva, devem ser arrecadados este ano mais de R$ 41 bilhões em impostos, segundo a consultoria New Frontier Data. Esse valor é mais do que o dobro do rombo na lei de teto de gastos previsto para 2019, de R$ 20 bilhões.

Objetivos políticos

Logo depois de assinar o decreto de intervenção no Rio de Janeiro, o presidente golpista Michel Temer se reuniu com sua equipe de marqueteiros para avaliar os efeitos da medida na opinião pública. O encontro reascendeu rumores de que a decisão se baseou numa estratégia política para incluir uma agenda positiva para a população, dado que o governo ostenta baixíssimos índices de aprovação em ano eleitoral. Além disso, setores da oposição destacaram que a mudança de agenda serviu também para esconder o fracasso do governo na negociação para aprovar a reforma da previdência. Com entrada em vigor do decreto de intervenção, ficam suspensas a tramitação de propostas de emenda parlamentar.

Edição: Simone Freire.

Imagem: Forças Armadas fazem operação conjunta em comunidades do Rio. / Tânia Rêgo/Agência Brasil

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