Aos poucos, adesão à brutalidade do protofascismo nacional é exposta
Folha de S.Paulo / IHU On-Line
Com a estabilização dos votos em Jair Bolsonaro e a inanição de outros candidatos conservadores, o Brasil começa a ver a máscara cair. Aos poucos, setores do empresariado nacional, dos pequenos comerciantes, das classes tradicionalmente privilegiadas e das igrejas aparecem para expor sua adesão à brutalidade do protofascismo nacional. De fato, esse fenômeno é recente. Quando empresários da CNI aplaudem alguém como Bolsonaro, eles estão a dizer que não estão mais dispostos a pacto social algum, que confiam agora que ganharão em um confronto aberto com seus empregados e com os grupos que procuram, ao menos, regular os excessos do processo produtivo.
Conflitos trabalhistas poderão ser resolvidos a bala, fazendeiros poderão passar por cima de licenças ambientais com trator, qualquer traço de solidariedade social poderá ser chamado impunemente de vitimismo.
Pouco importa qual é, de fato, o “programa econômico” do candidato ou suas promessas. Liberalismo e protecionismo poderão andar de mãos juntas, já que a questão realmente não passa por aí. Ela passa pelo desejo inconfesso de esconjurar toda e qualquer possibilidade de transformação da sociedade brasileira. Da mesma forma que Bolsonaro parece ter fixação em banheiros masculinos e femininos, seu eleitorado se volta contra qualquer coisa que pareça colocar a sociedade brasileira fora do eixo de suas formas tradicionais de reprodução.
Nada disso seria compreensível sem lembrarmos dos desdobramentos de 2013. As manifestações de 2013 expuseram a possibilidade de abalar os alicerces do poder governamental brasileiro em profundidade.
Prédios públicos foram queimados, carros de imprensa foram virados, o país viu 2.030 greves em apenas um ano e manifestações todos os dias, ao menos até o mês de novembro.
No entanto toda verdadeira possibilidade de transformação traz no seu bojo sempre uma outra possibilidade, a saber, a emergência de um sujeito reativo. Esse sujeito reativo será composto por aqueles que, diante da decomposição virtual da adesão ao poder, aumentam ainda mais sua violência a fim de fazer a roda girar para trás.
Diante da possibilidade de uma mutação no conceito de “força” que dá forma à democracia —esta “força do povo”—, haverá aqueles que procurarão recolocar a força em seus fantasmas mais hierárquicos e soberanos.
Contra uma força que se metamorfosearia em dissolução do centro, em destituição do poder e na abertura a uma sociedade descontrolada, haverá sempre aqueles que procurarão a segurança paranoica de uma força que é adesão a um corpo social unitário, estático e violento.
Soma-se a isso o fato de essa regressão social poder agora ser vendida sob a forma de revolta anti-institucional, do poder que não respeita mais as negociações necessárias à “governabilidade” corrompida.
Não foram poucos aqueles que perceberam que, nos tempos presentes, a extrema direita consegue se colocar como o discurso da ruptura, enquanto os setores progressistas se apresentam como o discurso da preservação (de direitos, de pactos, de garantias).
Em uma sociedade que apresenta a consciência tácita de que suas instituições e sua “democracia” fracassaram, essa mistura de reação e ruptura é extremamente atraente para alguns.
Por isso, há de se admitir que o fenômeno Bolsonaro não desaparecerá do cenário político brasileiro, mesmo se seu representante-mor for trocado por uma figura mais palatável a certos setores da sociedade brasileira.
Esse desrecalque protofascista é um encontro do país com uma parte de si mesmo. Esse encontro ganha agora uma função maior para a definição do futuro. De nada adiantará tentar fazer um jogo miserável entre “radicalização” e “moderação”, entre “discurso do ódio” e “discurso do vamos viver juntos”.
Como dizia Jean Baudrillard (que tem ao menos o mérito de uma bela frase), “melhor morrer pelos extremos do que pelas extremidades”.
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Um jovem protesta contra a feminista Judith Butler, no dia 8 de novembro de 2017, em São Paulo. Foto: Toni Pires